Olhando para ela, ninguém imagina que a cirurgia de redesignação foi realizada este ano. Tal qual a personagem Ivana, desde criança ela se sentia uma menina em corpo de menino. Quando entrou na adolescência, ela conta ter adotado o visual andrógino para que as pessoas não a identificassem como menino, “mas ainda assim meu nome era masculino”, lembra. O visual feminino foi sendo adotado aos poucos, quando ela começou a trabalhar como assistente de produção de moda e a experimentar as peças de mulher em si mesma, “me realizava um pouco”, diz. Assim, começou a manter algumas peças femininas no porta-malas do carro e, fora de casa, desfilava os looks.
A decisão de contar para a família e fazer a transição veio apenas mais tarde, depois de conhecer e se apaixonar por um rapaz. “Fui visitá-lo na cidade dele disposta a contar tudo, com sutiã de enchimento – nem hormônio eu tomava ainda, mas já era extremamente feminina –, mas vivi uma cena bizarra. Na rua, avistamos um grupo de travestis e ele afirmou que aquilo deveria fazer parte da limpeza urbana, uma crueldade.
De volta, ela decidiu abrir o jogo. “Pedi a ajuda de um psicólogo para conversar com meus pais. Dali, joguei minhas roupas de homem fora, tirei tudo do armário com a minha mãe ao lado e disse a ela que seria filho para sempre, que só a minha casca iria mudar. Lembrei-me de uma história que ela gostava de contar na minha infância, do lagarto peludo que um dia entrou no casulo e virou borboleta. E garanti a ela que a partir daquele momento seria muito mais feliz. Com o meu pai, já falecido, nunca houve abertura para falarmos sobre isso. Já a minha mãe aceitou e, hoje, às vezes, só lembramos de antes quando ela confunde o meu nome de batismo com o atual.”
Já em busca de independência financeira, Carol se mudou para São Paulo, iniciou a transição e investiu na carreira de atriz. Totalmente mulher, não revela o nome antigo. “Fui a primeira trans brasileira a mudar de nome e de gênero no documento de identidade (que não a identifica como transgênero), abri uma jurisprudência. Mas, apesar do avanço, as pessoas são maldosas, então prefiro ser somente a Carol Marra.”
Ela revela ainda que, apesar de ser um sonho antigo, optou por fazer a cirurgia apenas aos 32 anos por vários motivos, incluindo a agenda de trabalho, o aporte de recursos e os trâmites necessários para conseguir todos os laudos necessários. “Paguei para operar, pois plano de saúde nenhum opera e a fila do SUS é interminável. Foi uma cirurgia muito delicada, de grande porte e de risco, que constrói o canal vaginal, redireciona o trato urinário, cria uma vulva com as zonas erógenas preservadas e tal, mas deu supercerto. Não foi traumático, não tive dor extrema”, revela.
Conhecida em todo o país e até no exterior, Carol se apresenta como a mulher que é de fato. “Não sou marginal, não saio escondido, não sou ET.” Com a fama, ela tem aproveitado os holofotes para chamar a atenção para uma causa maior. “Nunca quis ser e nem sou militante, mas recebi tantas mensagens de apoio, carinho e de questionamentos que penso em manter um canal aberto com o público trans para ajudar no que for preciso, já que muitas vezes essas pessoas não recebem o carinho da família, da sociedade, não têm nenhum colo.”
Para finalizar, ela conta que sim, gosta da novela de Glória Perez, e torce para que o debate vá além da personagem Ivana. “O tema trans está em alta, saímos da invisibilidade, da marginalidade. Agora, meu recado para a sociedade é: as pessoas deveriam ter mais respeito pelo próximo. Parar um minuto das suas vidas e se colocar na pele do outro, imaginar o que sentimos, nossa dor, nosso dilema. E a partir daí formar uma opinião, tentar compreender, colocar-se no lugar do outro. Não precisa gostar, mas o respeito é fundamental”, afirma.
O ator Tarso Brant conta que quando descobriu que seria possível mudar sua aparência foi em frente.
Para Tarso Brant, o Brasil é um país que tem todo o potencial de lidar com essa causa, pois temos todos os recursos necessários... desde que eles sejam usados de maneira apropriada. “Você é trans? Acredite e tenha fé que essa situação foi proposta para sua melhora íntima. Como seres humanos somos iguais, só depende de cada um trilhar seu próprio caminho para a evolução. Busque desenvolver suas aptidões, hábitos saudáveis, estar em paz consigo mesmo sem que críticas alheias lhe tirem o sossego de estar em processo de autoconhecimento.”
AUXÍLIO O primeiro passo para a transição é buscar ajudar médica e um auxílio multidisciplinar, como explica a psicanalista Soraya Hissa de Carvalho: “A adequação de gênero não envolve necessariamente cirurgia ou terapia hormonal, pois cada caso é específico. O primeiro passo é buscar apoio até para que o indivíduo tenha certeza do que está acontecendo e, se for o caso, comece o tratamento de modificação física de forma correta”.
A profissional finaliza com um recado para as famílias de pessoas trans. “Se a família identificar traços de transexualidade em um indivíduo, deve buscar ajuda psicológica. É preciso entender que essas pessoas não se enxergam naquele corpo, olham no espelho e não se reconhecem, não se admiram. Então, é fundamental contar com explicações e orientações, e ter em mente que, desde que o mundo é mundo, existem casos de transexualidade, assunto que enfim entrou em debate e vem ganhando visibilidade.”.