As colegas do quarto período de medicina na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, Larissa Soares, de 21 anos, e Luana Almeida, de 20, reconhecem: são dependentes do smartphone. “Mas sei que tudo em excesso faz mal”, acredita Larissa, natural de Caratinga, no Vale do Rio Doce e, sempre que pode, com a mão no aparelho eletrônico para estudar, baixar conteúdos referentes a matérias e, claro, se comunicar com os parentes, familiares e amigos distantes, pelas redes sociais. A exemplo das duas, um terço (33%) dos estudantes da instituição, em cursos variados, têm a dependência diagnosticada, conforme pesquisa realizada com 415 alunos de graduação da instituição de ensino superior. O resultado indicou 43% de prevalência de rastreamento positivo, ou seja, em risco de dependência.
Segundo o estudo, conduzido pela primeira vez no Brasil, irritabilidade, inquietude e incômodos provocados pela falta de acesso ao smartphone podem ser sintomas de abstinência, um dos principais sinais de alerta para reconhecimento da dependência do aparelho, uma doença psiquiátrica cada vez mais frequente entre usuários, que, em casos mais graves, causa transtornos como depressão e ideias suicidas. Para rastrear essa dependência, um grupo de professores, profissionais e estudantes de medicina e psicologia do Centro Regional de Referência em Drogas da UFMG (CRR) desenvolveu um instrumento inédito no Brasil, o Smartphone Addiction Inventory (SPAI-BR, sigla em inglês, com tradução livre para Questionário sobre o Vício em Smartphone). Trata-se de um questionário com 26 questões (veja o quadro), disponível gratuitamente na página do CRR.
“A dependência extrema em relação ao aparelho é comparável à das drogas”, diz a professora do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina, Julia Khoury, uma das autoras do trabalho inédito. Ela explica que a doença leva a consequência desastrosas no trânsito, como perda da direção, para o condutor, e atropelamento, para o pedestre, distúrbios no sono, com insônia e falta do descanso reparador, perda da concentração nas atividades em sala de aula ou no trabalho, além de depressão. “São necessárias políticas para orientar a população, já que não produtos farmacológicos para a doença”, conta Julia.
O questionário aplicado já existia em outros países e foi adaptado para o Brasil. “O instrumento era mais extenso e tinha um formato diferente”, afirma a doutoranda do programa de pós-graduação em medicina molecular sob a orientação do professor Frederico Garcia. A pesquisa que resultou no SPAI-BR foi desenvolvida de 2014 a 2016. No último dia 17, os resultados do estudo foram publicados em artigo na revista PloS One, especializada nas áreas de ciências e medicina, e disponível para leitura no endereço https://bit.ly/2qhfm50.
O estudo revela que, dentre as pessoas detectadas com dependência de smartphones, 94,9% são de solteiros; a maioria (56%) tem renda familiar mensal superior a três salários mínimos. A dependência é mais prevalente em mulheres, com 55% do total de alunos avaliados. “Tenho procurado reduzir o uso. Hoje, pelo menos, estou sem internet”, contou a estudante, com um sorriso, para depois dizer que fazer quase as anotações em sala de aula no tablet.
IMPOSSÍVEL Diante da Faculdade de Medicina, na região hospitalar, os colegas Marcos Lanna Damasio, de 21, e Mateus Thiers Vieira, de 20, ambos também do quarto período, reconhecem a importância do smartphone no cotidiano. “Consigo viver sem ele, quando vou para um sítio ou lugar que não tem conexão. Mas sei que, hoje, é impossível”, diz Marcos. Mateus admite que usa o smartphone mais do que deveria usar e garante que não fica ansioso se não tem internet. Já Ramon Meira, de 23, do nono período, explica que fica “incomodado”, quando fica sem o aparelho. “Aconteceu de estragar e vi que é uma situação estressante”, assegura o rapaz, que pesquisa de tudo relacionado à medicina em aplicativos.
A professora Julia esclarece que o questionário é um instrumento de rastreamento e não de diagnóstico. “Sete ou mais respostas positivas indicam um risco maior do desenvolvimento da dependência”, alerta a médica. Para ela, a partir desse resultado, a pessoa já deve procurar orientação médica. “Só o profissional pode diagnosticar o vício com precisão”, afirma.
O desenvolvimento do SPAI-BR, acrescenta a professora, possibilita a abertura de novas frentes de pesquisa na área. “Nos próximos meses, avaliaremos cerca de 300 pessoas, também alunos de graduação da UFMG, para compreender melhor as características de personalidade e os parâmetros fisiológicos que permitem caracterizar melhor as pessoas mais propensas a desenvolver a dependência pelo smartphone”, conta.
A pesquisadora conta ainda que a dependência de smartphone entre os alunos da UFMG foi associada à dependência de Facebook, abuso de álcool, depressão maior, fobia social, transtorno de ansiedade generalizada, baixa satisfação com suporte social, alta impulsividade e traço de personalidade de elevada busca de sensações. O questionário está disponível na página crr.medicina.ufmg.br/spai.
TRATAMENTO Segundo Julia, as doenças psiquiátricas podem ter vários sintomas: “O transtorno ocorre, quando começa a ser prejudicial no dia a dia. É preciso ficar atento a alguns sinais, como a ansiedade demonstrada por uma pessoa ao ficar longe do aparelho e deixar de fazer outras atividades no âmbito do trabalho ou do lazer”. Ela afirma que o transtorno é mais comum em adolescentes e estudantes universitários e pode comprometer o sono, a capacidade de concentração e a aprendizagem.
A pesquisadora diz ainda que a relação da dependência de smartphones com o vício em drogas carece de mais investigação. “Os sintomas são muito semelhantes, mas há necessidade de mais estudos para determinar um possível tratamento”, explica. Algumas terapias podem ser usadas para tratar os sintomas do vício. “Existem remédios, por exemplo, para a ansiedade e depressão”, observa a pesquisadora. Ela conta que esses sinais podem ser, inclusive, a causa do vício. “Ao identificar e tratar essas doenças a chance de tratamento da dependência é potencializada”, afirma.
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“A dependência extrema em relação ao aparelho é comparável à das drogas”, diz a professora do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina, Julia Khoury, uma das autoras do trabalho inédito. Ela explica que a doença leva a consequência desastrosas no trânsito, como perda da direção, para o condutor, e atropelamento, para o pedestre, distúrbios no sono, com insônia e falta do descanso reparador, perda da concentração nas atividades em sala de aula ou no trabalho, além de depressão. “São necessárias políticas para orientar a população, já que não produtos farmacológicos para a doença”, conta Julia.
O questionário aplicado já existia em outros países e foi adaptado para o Brasil. “O instrumento era mais extenso e tinha um formato diferente”, afirma a doutoranda do programa de pós-graduação em medicina molecular sob a orientação do professor Frederico Garcia. A pesquisa que resultou no SPAI-BR foi desenvolvida de 2014 a 2016. No último dia 17, os resultados do estudo foram publicados em artigo na revista PloS One, especializada nas áreas de ciências e medicina, e disponível para leitura no endereço https://bit.ly/2qhfm50.
O estudo revela que, dentre as pessoas detectadas com dependência de smartphones, 94,9% são de solteiros; a maioria (56%) tem renda familiar mensal superior a três salários mínimos. A dependência é mais prevalente em mulheres, com 55% do total de alunos avaliados. “Tenho procurado reduzir o uso. Hoje, pelo menos, estou sem internet”, contou a estudante, com um sorriso, para depois dizer que fazer quase as anotações em sala de aula no tablet.
IMPOSSÍVEL Diante da Faculdade de Medicina, na região hospitalar, os colegas Marcos Lanna Damasio, de 21, e Mateus Thiers Vieira, de 20, ambos também do quarto período, reconhecem a importância do smartphone no cotidiano. “Consigo viver sem ele, quando vou para um sítio ou lugar que não tem conexão. Mas sei que, hoje, é impossível”, diz Marcos. Mateus admite que usa o smartphone mais do que deveria usar e garante que não fica ansioso se não tem internet. Já Ramon Meira, de 23, do nono período, explica que fica “incomodado”, quando fica sem o aparelho. “Aconteceu de estragar e vi que é uma situação estressante”, assegura o rapaz, que pesquisa de tudo relacionado à medicina em aplicativos.
A professora Julia esclarece que o questionário é um instrumento de rastreamento e não de diagnóstico. “Sete ou mais respostas positivas indicam um risco maior do desenvolvimento da dependência”, alerta a médica. Para ela, a partir desse resultado, a pessoa já deve procurar orientação médica. “Só o profissional pode diagnosticar o vício com precisão”, afirma.
O desenvolvimento do SPAI-BR, acrescenta a professora, possibilita a abertura de novas frentes de pesquisa na área. “Nos próximos meses, avaliaremos cerca de 300 pessoas, também alunos de graduação da UFMG, para compreender melhor as características de personalidade e os parâmetros fisiológicos que permitem caracterizar melhor as pessoas mais propensas a desenvolver a dependência pelo smartphone”, conta.
A pesquisadora conta ainda que a dependência de smartphone entre os alunos da UFMG foi associada à dependência de Facebook, abuso de álcool, depressão maior, fobia social, transtorno de ansiedade generalizada, baixa satisfação com suporte social, alta impulsividade e traço de personalidade de elevada busca de sensações. O questionário está disponível na página crr.medicina.ufmg.br/spai.
TRATAMENTO Segundo Julia, as doenças psiquiátricas podem ter vários sintomas: “O transtorno ocorre, quando começa a ser prejudicial no dia a dia. É preciso ficar atento a alguns sinais, como a ansiedade demonstrada por uma pessoa ao ficar longe do aparelho e deixar de fazer outras atividades no âmbito do trabalho ou do lazer”. Ela afirma que o transtorno é mais comum em adolescentes e estudantes universitários e pode comprometer o sono, a capacidade de concentração e a aprendizagem.
A pesquisadora diz ainda que a relação da dependência de smartphones com o vício em drogas carece de mais investigação. “Os sintomas são muito semelhantes, mas há necessidade de mais estudos para determinar um possível tratamento”, explica. Algumas terapias podem ser usadas para tratar os sintomas do vício. “Existem remédios, por exemplo, para a ansiedade e depressão”, observa a pesquisadora. Ela conta que esses sinais podem ser, inclusive, a causa do vício. “Ao identificar e tratar essas doenças a chance de tratamento da dependência é potencializada”, afirma.