Normalmente, a placenta funciona como um escudo eficaz, impedindo que substâncias e micro-organismos nocivos cheguem ao feto. O zika, porém, rompe com facilidade essa barreira e, ao atravessá-la, começa a destruir as células do cérebro em formação. As consequências, especialmente quando a contaminação se dá no primeiro trimestre da gravidez, são drásticas. Microcefalia, hidrocefalia e má-formação de braços e pernas são algumas delas. Agora, uma equipe de pesquisadores do Instituto Politécnico Rensselaer, em Nova York, nos Estados Unidos, descobriu como esse micro-organismo consegue furar a proteção, o que poderá evitar que ele se instale nos tecidos fetais.
Com a experiência de duas décadas no estudo da família dos flavivírus, a equipe do biólogo químico Robert Lindhardt levantou a hipótese de que esse micro-organismo emergente poderia entrar nas células da mesma forma que o da dengue. “Quando nos infectamos com vírus, eles buscam receptores nas células hospedeiras, que são como braços na superfície delas”, explicou, em uma teleconferência de imprensa, a aluna de graduação Young Kim. A estudante e Lindhardt apresentaram o trabalho na reunião anual da Sociedade Norte-Americana de Química.
“Apesar de ter a habilidade única de atravessar a barreira da placenta, o zika é um flavivírus. E nós sabemos que o vírus da dengue entra no nosso organismo se associando aos glicosaminoglicanos (GAGs), que são um tipo de açúcar”, complementou. Quando a estrutura do zika foi revelada, os pesquisadores a compararam à da dengue e observaram que as duas eram praticamente idênticas. Isso era um bom indicativo de que o mecanismo de ação do vírus era semelhante ao do outro patógeno da família. Nos testes de laboratório, in vitro, Kim constatou que estava certa.
A estudante explica que o zika é envolto por uma capa formada por muitas cópias de uma proteína envelopada. Essa proteína tem como alvo um tipo de açúcar específico da célula hospedeira, o sulfato de condroitina. Assim que se associa ao receptor, o vírus passa para o interior celular e começa a se replicar. Com uma técnica chamada ressonância plasmônica de superfície, os cientistas conseguiam ver isso acontecendo em tempo real. “Começamos com o açúcar heparina, que é altamente carregado negativamente, e vimos que ele se grudava com muita força ao envelope do zika, o que sugere que isso depende muito das interações eletrostáticas, como acontece com o vírus”, diz.
Estratégias
Com a comprovação, a equipe passou a uma outra fase, de examinar o mecanismo em tecidos, e não apenas em nível molecular. Para tanto, os investigadores pegaram amostras de células de um cérebro adulto e de uma placenta, expondo o material ao zika. Eles notaram que um açúcar em particular presente na placenta, o sulfato de condroitina, é o alvo preferencial do vírus. Quando detecta essa substância, o zika se une com muita força a ela, conseguindo entrar na célula.
Robert Lindhardt esclareceu que, sabendo como o vírus faz para entrar na placenta, é possível testar estratégias que o impeçam de sobreviver antes que ultrapasse a barreira e, consequentemente, se aloje no cérebro. Isso já é feito com a dengue, por exemplo, onde nanopartículas enviadas à superfície celular matam o vírus assim que ele se liga aos receptores. O biólogo químico, porém, diz que ainda não se sabe quais substâncias poderiam fazer isso no caso do zika.
De acordo com Lindhardt, muitos estudos são necessários antes de se iniciarem testes que se traduzam em benefícios aos pacientes. “Nós usamos tecido de um cérebro adulto. Agora, estamos desenvolvendo linhagens de células-tronco fetais que nos ajudarão a identificar quais outros açúcares no cérebro do feto podem ser alvo do zika. Estamos falando de uma doença para qual não existe vacina nem tratamento. Então, temos de agir o mais rápido possível, mas não podemos dizer quando teremos todas as respostas.”