Dores nas articulações, que dificultam a locomoção e fazem com que ações simples como levantar da cama sejam difíceis, somadas ao mal-estar, enjoo, calafrios e inchaços nas mãos e pernas são alguns dos sintomas de pacientes diagnosticados com a febre chikungunya, mesmo após 30 dias ou mais da confirmação da doença. O número de notificações de casos vem aumentando e a febre preocupa os especialistas por dois fatores: primeiro, por se tratar de um agente novo, o vírus CHIKV, para o qual ainda não se tem imunidade, e segundo; porque, de acordo com a Sociedade Mineira de Infectologia, entre 10% e 20% dos casos evoluem para a fase crônica, que pode durar até três meses. Além disso, o estímulo inflamatório provocado pela febre chikungunya pode funcionar como um gatilho para o desenvolvimento de artrite reumatoide em pessoas com predisposição genética para a doença.
Depois do grande número de casos em 2016, a enfermidade volta a avançar no país. Apenas em Minas Gerais, foram registrados mais de 4 mil casos prováveis da doença em 2017, segundo balanço da Secretaria de Estado de Saúde (SES). Assim como a dengue e o zika vírus, a febre chikungunya é transmitida por mosquitos Aedes aegypti contaminados. Mas, embora existam sintomas comuns entre as três doenças, como dor de cabeça, febre e manchas vermelhas na pele, a infecção por chikungunya se difere das demais pelas manifestações articulares, muitas vezes acompanhadas de inchaço.
Segundo Cristina Costa Duarte Lanna, reumatologista e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), embora não seja uma doença de alta letalidade, a chikungunya tem caráter epidêmico, com elevada taxa de morbidade associada a dor articular persistente, tendo como consequência a redução da produtividade e da qualidade de vida. “A dor pode atingir várias articulações, com maior frequência em regiões como pés e mãos, e tem sido descrita em mais de 90% dos pacientes na fase inicial”, explica a especialista. Rinara Coelho Dias, de 30 anos, contraiu a doença em 2014 e teve uma experiência traumática. “As dores são muito fortes. No quarto dia com a doença, cheguei a perder a consciência e fui levada ao pronto atendimento. Fiquei afastada do trabalho e demais atividades até a cura”, relembra.
Apesar de não ter resquícios da doença, Rinara, de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, convive com o medo de ser infectada novamente. “Atualmente, temos muitos casos sendo notificados na cidade e nas residências e escolas existem muitos mosquitos. Por isso, fico receosa. Tenho uma filha de 5 anos que é minha maior preocupação: faço uso de repelente durante toda a noite, e, durante o dia, há orientações para a escola também usá-lo nas crianças”, conta.
COMPLICAÇÕES
Em sua fase inicial, a infecção por febre chikungunya pode provocar também dores nas costas e edemas articulares, muitas vezes associados a inflamações nos tendões. Em geral, esses sintomas desaparecem após duas semanas, mas parte dos pacientes tem as articulações comprometidas por meses. São justamente esses casos que apontam para a relação entre a chikungunya e a artrite reumatoide, segundo a reumatologista Ieda Laurindo, doutora em medicina pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Nove de Julho. “A observação e os relatos de caso em que os sintomas clínicos persistem e apresentam alterações laboratoriais e de imagem semelhantes às da artrite reumatoide permitem especular que a infecção viral poderia ser um gatilho para o desenvolvimento da doença reumática em indivíduos predispostos”, afirma.
Para a professora, existem várias hipóteses para explicar a conexão entre as enfermidades. A principal delas é que o vírus CHIKV se alojaria na membrana sinovial, uma estrutura que recobre as articulações, desencadeando a doença reumática. “A artrite reumatoide se caracteriza pela inflamação da membrana sinovial, portanto, a alocação do vírus na estrutura poderia provocar a doença em indivíduos predispostos”, ressalta. Ainda não há, no Brasil, casos confirmados de artrite reumatoide desencadeada por febre chikungunya. Contudo, Ieda reforça que isso pode ser apenas questão de tempo. “Existem quadros de doença articular em tudo semelhantes à artrite reumatoide, persistindo meses após a fase inicial da chikungunya. Esses casos estão em acompanhamento regular e sua evolução ao longo do tempo, aliada aos trabalhos epidemiológicos em andamento, permitirão uma definição ainda mais precisa”, explica a reumatologista.
Apesar de não existir cura definitiva para a artrite reumatoide, existem tratamentos capazes de controlar a doença, principalmente quando o diagnóstico é feito precocemente. Há várias opções terapêuticas sintéticas e biológicas, uma vez que o quadro exige tratamento contínuo e a troca periódica de medicamentos. Com isso, é possível diminuir a atividade da enfermidade, aliviar a dor e melhorar a qualidade de vida do paciente.
Recentemente, a Pfizer trouxe ao Brasil, por exemplo, uma nova classe de medicamentos sintéticos para o tratamento da doença. Administrado por via oral, o citrato de tofacitinibe apresenta um mecanismo que age dentro das células com uma proteína importante nos processos inflamatórios característicos da enfermidade.