Você que ainda não conhece o conceito, imagina o que é uma casa saudável? Qual a sua importância? E como ela influencia sua vida? Pois é, essa deveria ser a preocupação de todos, já que na concepção da Organização Mundial de Saúde (OMS), habitação saudável é um agente da saúde dos moradores e seus usuários ao levar em conta o impacto das construções sobre a nossa vida.
Podemos estender essa definição pontuando que a casa saudável vai além da morada física, remete ao cuidado com todo o meio ambiente e com o planeta. É preocupação diária que todos deveriam ter ao construir sua casa: preservar árvores, buscar a luz solar, respeitar as encostas dos terrenos, nascentes, afluentes e leito dos rios, preservar a vegetação, enfim, dialogar com o ambiente. É como se todos adotassem a geobiologia, área que estuda as relações entre a evolução da vida e a evolução geológica da Terra.
Ou, como nas palavras do biólogo da construção Allan Lopes, diretor técnico do Selo Causa Saudável, “a casa saudável é, em primeiro lugar, uma filosofia de vida. É entender que os espaços refletem nosso estado de espírito, nosso estado físico e nossa disposição diária, assim como o caminho contrário também é verdadeiro: os espaços incentivam estados de espíritos, físicos e de disposição diária. Assim, ao sabermos dessa relação mútua entre a casa e a nossa vida, o conceito da casa saudável para a ser uma escolha por viver bem, com qualidade de vida, bem-estar e saúde”.
A partir dessa perspectiva, Allan Lopes explica que podemos entender que a importância de uma casa saudável é exatamente a mesma importância de uma alimentação saudável e de hábitos de vida saudáveis, ou seja, “a sua manutenção adequada determina o tipo de vida que levamos, nossa longevidade e nossa maneira de ser e existir no mundo. Pode parecer exagerado, mas assim como existe a máxima 'você é o que você come', podemos parafrasear e dizer que 'você é o lugar que você habita e trabalha' sem o menor medo de errar ao fazer tal afirmativa”.
Allan Lopes ressalta por que devemos nos preocupar em ter uma casa saudável. “As pessoas só devem se preocupar com uma casa saudável, livre de tóxicos, com ar de qualidade, acústica correta, ambientação que empodere os moradores e usuários se elas quiserem viver de forma saudável, se quiserem ter corpos vivos, mentes brilhantes, emoções equilibradas e felicidade de viver. Se alguém quer permanecer doente de corpo e mente e viver sem bem-estar de forma autônoma no mundo o conceito da casa saudável não é para ela...”
NÍVEL A
A percepção e aplicação da casa saudável não parte só das pessoas, mas cada vez mais é uma iniciativa das empresas do ramo da construção
O Albert Scharlé conquistou a premiação em 2015 e é o primeiro edifício da construtora a receber o selo. Mas grande parte das premissas da certificação já é comumente adotada na construção em outros de seus condomínios. Entre os diferenciais que levaram à conquista do Albert Sharlé, vale destacar que, apesar de ocupar um quarteirão inteiro, ele foi construído em uma única torre de 30 andares, o que garante a livre circulação de ar e a iluminação natural em todo o apartamento. E, de acordo com Letícia Valle, a construtora teve o cuidado de instalar tomadas e tubulações elétricas a uma distância de pelo menos 30 centímetros do local reservado para camas nos quartos. “Isso porque a exposição, em excesso, a campos magnéticos pode gerar estresse e também doenças mais graves. As pessoas estão cada vez mais preocupadas com a saúde delas, mas essa busca não adianta se o lugar onde ela mora lhe causa problemas
Hoje, contamos conta histórias de quem não abre mão de uma casa saudável e procurou saber de especialistas as atitudes que precisamos tomar para morar em um lugar que contribui com a saúde e o bem-estar.
Um modo de viver
Quem se preocupa com a filosofia da casa saudável acredita que há toda uma ligação com a espiritualidade de cada um e a busca pela harmonia e pelo equilíbrio
Uma casa saudável transforma vidas. Acreditem. Seja no plano físico ou espiritual. Elaine Coelho, enfermeira e missionária que cuida de instituições filantrópicas, criou um ambiente de meditação como o espaço que personifica seu ideal de casa saudável. “A espiritualidade é um modo de viver que passa pela experiência no meu dia a dia. Ter uma sala de oração dentro da minha casa, com um ambiente favorável, foi a maneira mais prática e simples que encontrei de ter uma vida mais saudável e de qualidade”, afirma.
Elaine revela que essa sala é um lugar de encontro. “Por ser um lugar tranquilo e agradável, ela me ajuda a me encontrar comigo mesma. Quando estou na sala, trago memória, recordações e lembranças e coloco os meus sentidos aflorados. Percebo com mais intensidade os ruídos, os cheiros, as cores e quando as imagens vêm é como se eu entrasse na cena. Com essa experiência, consigo ter mais equilíbrio. O que promove a minha saúde física, psíquica e espiritual.”
O que Elaine mais gosta de fazer é meditar. É o momento em que ela diz tomar consciência das suas vivências e assim as coisas ganham sentido e legitimam o que ela experimenta naqueles instantes. “Ter um espaço em casa com esse fim é ter consciência da sua importância e valor. É nessa sala que eu consigo diminuir os meus conflitos. Dialogo comigo mesma até entender o que estou sentido e depois passo a escrever. Costumo meditar ao longo do dia o que mais me marcou e com isso vou me aperfeiçoando pouco a pouco. Não consigo viver sem meditar. E até quando viajo faço de algum lugar a minha sala.”
Elaine conta que a ambientação da sala convida as pessoas a permanecer nela. O que comprova que uma casa saudável beneficia não só os moradores, mas também os usuários. “O silêncio, a simplicidade e a paz são sentidos pelas pessoas que por lá passam e não querem de lá sair. Acredito que a sala tem uma energia 'santa'. Se hoje me perguntassem o que mais experimento e descubro nesta sala, eu diria que a vida é bela e a gratidão que carrego comigo me faz sentir amada e com desejo de amar.”
NOSSA SENHORA
Funcionária pública aposentada e ex-secretária executiva, Nadir de Freitas acredita que casa saudável é aquela que dispõe de móveis bonitos, de acordo com o estilo de cada um, e que todos os ambientes possam ser usados, em que nada é intocável. É a casa que pode ser curtida e não faz dos moradores ou visitantes prisioneiros. Ela conta que se mudou para um apartamento menor, mas se sente muito bem porque “é aconchegante, proporciona bem-estar e me passa uma energia boa”.
Diariamente, Nadir revela que, ao se deitar, “me concentro, fico em paz, leio, rezo, medito e meu quarto tem uma energia melhor. Eu sou superansiosa e precisava fazer alguma coisa para me equilibrar porque já me comprometia tanta aceleração. Aquela história de pensar infinitamente é difícil, consome energia demais. Agora, esse é o meu lugar de casa onde fico em paz, onde me encontro, é confortável e sinto que ele me recebe”.
Nadir, uma mulher ativa, que faz pilates, ginástica, caminhada, é curiosa, adora política e futebol, e não abre mão de ser atualizada, e diz que, na verdade, tem uma casa de coração aberto. “Dois filhos moram comigo, Thiago e Mariana, e sinto que meu canto reverberou por toda a casa. Tanto que a convivência entre nós melhorou e percebo que temos mais harmonia e paciência uns com os outros.”
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Maria Valéria Loureiro Signorini Arquiteta e decoradora que atua com feng-shui
O lado invisível da arquitetura
Arquiteto cria projetos a partir das histórias e significados da vida que as pessoas lhe contam. Para ele, são a matéria-prima essencial para um ambiente saudável
Ele ressalta que a paisagem e o clima também têm uma 'vontade' que deve ser ouvida. “Projetar para alguém em Belo Horizonte é diferente de projetar para a mesma pessoa em Manaus. Já habitar vem do latim habitare e significa haver ou 'haver-se' ('ter-se' ou tomar posse de si mesmo). A casa sempre nos convida a fazer isso, independentemente da ambientação escolhida. Às vezes, as pessoas compram os móveis em uma loja, onde estavam montados de um jeito impessoal, e os levam para a casa reproduzindo a mesma composição. Mas, ainda assim, elas irão se projetar no ambiente por meio de atos, sentimentos e pensamentos que também ajudam a construir esse lugar de viver, que poderá se tornar agradável ou não. Esse lado invisível da arquitetura existe e deve ser considerado. Mesmo o jeito impessoal de compor os ambientes está dizendo algo da pessoa naquele momento. Talvez fale de uma falta de contato consigo ou da necessidade de aprovação dos outros, seguindo modismos. A casa sempre será uma forma de expressão humana.”
E a palavra lar, de acordo com Carlos Solano, vem do latim lareira, fogo, fogão, a chama central que existia nas moradias em tempos antigos e aquecia os ambientes. Hoje, esse fogo ganha uma conotação afetiva e pode ser traduzido por “chama de vida” ou “coração”. “Assim, todo lar guarda esse sentido na memória, todo lar é a expressão de uma chama de vida: intenções, significados, histórias, memórias, vivências, cuidados.”
Carlos Solano explica que nossa moradia cumpre duas funções importantes. Ela é o espelho de nós mesmos (o que pode nos ajudar a reajustar a rota de vida de quando em quando) e o lugar da nossa regeneração (onde recuperamos forças e nos alinhamos para atuar criativamente no mundo). Para que ela cumpra bem essa segunda condição, devemos agregar o máximo de vivências positivas em casa. “Meu amigo índio, o escritor Kaká Werá, me contou que uma certa tribo no Xingu não leva discussões para dentro de casa. Quando surge algum conflito, as pessoas se reúnem do lado de fora, no centro da aldeia, e um mediador ajuda na solução. Só voltam com tudo resolvido. Isso é muito sábio. Nossa casa é também construída pelo que vivenciamos lá dentro e deveríamos escolher apenas o que nos dignifica e nos alinha com um caminho de ampliação e felicidade”, conta.
CASAS MAIORES
Consumismo, modernidade, sustentabilidade, reciclagem e reaproveitamento. Como lidar com esses desejos, muitas vezes, opostos? Para Carlos Solano, a questão básica é o equilíbrio entre o ter e o ser. “O consumo é superestimulado pela nossa cultura, junto com a ilusão de que consumir e acumular (ou ter) gera felicidade. Além disso, acumular nos dá uma sensação ilusória de permanência, apesar de a vida ser impermanente e estar em constante movimento. O Ocidente, especialmente, cristaliza-se nessa ideia e, assim, perde contato com a leveza da vida. A escritora japonesa Marie Kondo, autora de um best-seller sobre organização de casa, diz que devemos guardar apenas o que nos dá alegria. Concordo e penso que a casa não precisa ser minimalista, mas deve evitar o que não é significativo, o acúmulo puro e simples. Você pode ter uma biblioteca, coleções de objetos, uma galeria de quadros, desde que isso faça sentido, que você goste ou usufrua de alguma forma. E a nossa casa não está solta no espaço, mas inserida numa cidade, num país e num planeta, que são nossas 'casas maiores'.”
O arquiteto destaca que concorda com o teólogo Leonardo Boff quando ele diz que “o contrário do consumo não é o não consumo, mas um novo ‘software social’, um novo acordo entre o consumo solidário e frugal, acessível a todos, e aos limites intransponíveis da natureza”. Para conhecer mais do trabalho de Carlos Solano, vale a pensa mergulhar no último livro que ele lançou: Casa nossa de cada dia, pela Editora Laszlo.
Divã da construção
Como arquiteto, Carlos Solano muitas vezes assume o papel de psicólogo ao lidar com os temperamentos humanos. Ele diz que as pessoas normalmente não se revelam num primeiro contato e nem ficam à vontade num escritório de arquitetura para abrir a própria intimidade. Por isso, ele propõe um processo de conhecimento organizado em quatro momentos: Fogo, Água, Ar e Terra, desenvolvido com o arquiteto José Cabral. Eis os quatro momentos da criação. Cada um deles conduz à revelação de um temperamento, de uma realidade íntima. Todo esse processo (com exceção da leitura da paisagem) é feito na casa atual do cliente, o lugar onde ele está mais à vontade e pode se revelar melhor.
1 - Fogo, momento de inspiração
Apresentação pessoal e da casa sonhada. As pessoas se apresentam, cada uma conta sobre a casa sonhada (do outro no caso de um casal). Uma forma de afinar o conhecimento. Ao final, sorteamos a carta de um baralho de flores. Ou usamos outro recurso como o I ching ou o Jogo da transformação. No caso do baralho, cada flor tem uma mensagem. O que a carta sorteada diz sobre a futura casa? Cada casa, ao final, é uma flor...
2 - Água, momento de autoinvestigação e narração de histórias
A casa da infância e biografia das casas visitadas. A primeira casa em que vivemos fala do nosso primeiro contato com o mundo físico e nos marca definitivamente. Todas as moradias que almejamos no futuro estão enraizadas nas boas e más experiências nessa casa primeira. Peço às pessoas que desenhem, com as cores do giz de cera, essa casa e me convidem para entrar, que contem histórias, mostrem os lugares secretos, os acontecimentos marcantes. Antes de sair, deixo uma tarefa: anotar com cuidado uma biografia dos lugares por onde se passou e como eles marcaram, desde a infância até o dia de hoje. O quintal imenso da casa da avó dava medo ou libertava? O quarto apertado do sótão sufocava ou aconchegava? E assim vamos descobrindo segredos, reações, experiências únicas.
3 - Ar, momento de livre imaginação
A casa do futuro. Uma brincadeira quase. Propomos um jogo, A casa do futuro, imaginando que a sonhada já está terminada. Eu quero saber como foi o primeiro dia na casa nova, com detalhes. Se for preciso, ativamos a imaginação com a ajuda de um jogo de tabuleiro, que criei com o arquiteto José Cabral, no qual os dados vão conduzindo o jogador para os ambientes da casa, em diversos momentos do dia. Pela imaginação e livre associação, extraímos um conhecimento mais ainda amplo.
4 - Terra, momento de observação
A investigação do cotidiano, a leitura da paisagem. Nesse ponto, as pessoas descrevem o cotidiano. Depois, fazemos juntos a leitura da paisagem onde a casa será construída. Em silêncio, cada um leva uma prancheta e um mapa do terreno nas mãos. Vamos colorindo o mapa de acordo com a percepção pessoal: lugares de estabilidade e solidez, de confluência e encontro, de introspecção ou relaxamento, de risco e vulnerabilidade, de expansão ou abertura, de mistério e magia, de elevação, de proteção e intimidade... E assim o terreno vai se mostrando e o local da casa se revelando. Colhemos fragmentos do lugar. Uma semente alada pode indicar um lugar sagrado. O formato de uma pedra pode inspirar o desenho de uma praça. Uma folha rendilhada pode sugerir formas arquitetônicas ou soluções de implantação.