“Com base em estudos anteriores, sabemos que a privação do sono está associada à elevação da ativação simpática, o que significa um aumento da secreção do hormônio do estresse, o cortisol, e da pressão arterial. Decidimos realizar um estudo baseado em ressonância magnética cardíaca a fim de investigar os efeitos da privação do sono no contexto do turno 24 horas, algo que ainda não havia sido feito”, detalha Daniel Kuetting, um dos autores e pesquisador do Departamento de Radiologia Diagnóstica e Intervencionista da Universidade de Bonn, na Alemanha.
Para o experimento, os cientistas recrutaram 20 radiologistas saudáveis, 19 homens e uma mulher, com 30 anos de idade em média. Cada um dos participantes foi submetido a ressonância magnética cardiovascular antes e depois de cumprir um turno de trabalho de 24 horas, com em média de três horas de sono. Os pesquisadores também coletaram amostras de sangue e urina e mediram a pressão arterial e a frequência cardíaca dos participantes.
Os resultados acusaram alterações consideráveis no sistema cardíaco. “Pela primeira vez, temos demonstrado que a privação de sono de curto prazo no contexto de turnos de 24 horas pode levar a um aumento significativo nas funções do corão, como a pressão arterial e frequência cardíaca”, destaca Kuetting. Os participantes também apresentaram aumentos consideráveis nos níveis de hormônio estimulante da tireoide (TSH), hormônios tireoidianos FT3 e FT4 e do cortisol, que contribuem para o aumento da pressão arterial.
Para os investigadores, esses dados ajudam a entender melhor os danos que a privação de sono provoca no organismo humano e ressaltam que os resultados são transferíveis para outras profissões em que há a prática de períodos longos de trabalho ininterrupto. “Sabemos que a privação crônica do sono pode levar à hipertensão e aumentar a morbidade cardíaca global. Os resultados do presente estudo podem ajudar a entender melhor como a carga de trabalho e a duração do sono afetam a saúde pública”, frisa Kuetting.
Durante o experimento, os participantes não puderam consumir cafeína ou alimentos e bebidas contendo teobromina, como chocolate, nozes ou chá, o que poderia interferir nos resultados. “Nós não levamos em conta fatores como nível de estresse individual ou estímulos ambientais”, complementa Kuetting . Segundo ele, esses tópicos deverão ser avaliados na próxima etapa da pesquisa.
Mais estudos
Ernesto Joscelin, cardiologista do Hospital do Coração do Brasil, em Brasília, avalia que o trabalho alemão precisa ser aprofundado, mas já traz informações de grande valor. “Poucos participantes foram analisados. Por isso, fica difícil inferir as mesmas informações para uma população inteira, mas, mesmo com a necessidade de uma amostra maior, esses dados mostram alterações que eram suspeitas na área médica: de que a privação de sono pode causar esse tipo de dano. Faltava uma análise como essa para a comprovação”, explica.
Tanto Joscelin quanto os autores ressaltam que a vulnerabilidade vem do fato de esse tipo de comportamento se tornar corriqueiro. Em situações esporádicas, como ir a uma festa ou virar a noite estudando, a situação se normaliza com o sono de recuperação. O acúmulo desses danos temporários, porém, pode causar problemas graves, como o infarto. “Esses dados servem de alerta para todo mundo, não só para médicos que realizam plantões de 24 horas, mas todos que têm o mesmo comportamento, já que esse tipo de rotina, caso se repita por anos, aumenta consideravelmente as chances de um problema cardíaco ocorrer”, ressalta o cardiologista.