A bactéria Mycobacterium abscessus é bastante conhecida entre os médicos pelos estragos que pode causar à saúde de pacientes com doenças pulmonares, principalmente a fibrose cística. Em pesquisa recente, cientistas do Reino Unido sequenciaram o genoma desse micro-organismo e descobriram três subtipos mais fortes do patógeno, que já é resistente aos antibióticos, e a transmissão desse agente infeccioso entre humanos. Até então, acreditava-se que ela ocorria por meio de ambientes infectados, geralmente hospitais. Os autores do estudo, publicado na última edição da revista americana Science, adiantam que o trabalho poderá ajudar a desenvolver novas formas para evitar o contágio.
O trabalho surgiu de uma investigação anterior, quando dois dos autores analisaram a contaminação por M. abscessus dentro do hospital Papworth, no Reino Unido. “Vimos que as transmissões locais poderiam ter como origem um clone de propagação maior. Então, iniciamos uma grande pesquisa global para tentar identificar isso”, conta Julian Parkhill, pesquisador do instituto de pesquisa científica Wellcome Trust Sanger e um dos autores.
A equipe sequenciou o genoma de mais de mil dessas microbactérias, presentes em 517 indivíduos com fibrose cística e tratados em centros médicos da Europa, dos Estados Unidos e da Austrália. Nas análises, foram descobertos três subtipos da bactéria que surgiram nas últimas décadas e estão presentes nas três regiões analisadas. Por meio de análises in vitro de células humanas e de ratos, os pesquisadores também detectaram variações mais perigosas do patógeno.
De acordo com os autores, os achados mostram como os “clones bacterianos” se disseminaram amplamente dentro dos hospitais por meio de superfícies contaminadas e pelo ar. Essa, porém, não é mais a única forma de contato. “O bug de infecção inicialmente parece ter surgido na população a partir do ambiente, mas acreditamos que, recentemente, ocorreu uma evolução que tornou capaz o contágio de paciente para paciente, tornando também a bactéria mais virulenta”, explica Andres Floto, pesquisador do Departamento de Medicina da Universidade de Cambridge e também autor do trabalho.
Para Gilberto Nogueira, coordenador da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Santa Luzia, em Brasília, esse é um dos pontos mais importantes da pesquisa britânica. “O artigo confronta o que sabíamos anteriormente, de que o contágio estaria relacionado apenas ao meio ambiente. Fiquei surpreso, pois, pela primeira vez, conseguiram demonstrar a transmissão de pessoa para pessoa”, frisa o infectologista. “É importante explicar também que não só as pessoas que sofrem com a fibrose cística que estão suscetíveis a essa infecção. Quem tem problemas pulmonares ou outros que levam ao comprometimento do sistema imunológico, como o HIV, apresenta mais chance de contrair essa bactéria e sofrer com as complicações dela.”
Prevenção
Os pesquisadores ainda não sabem detalhar por que a M. abscessus evoluiu tanto, mas perceberam uma concentração maior dos subtipos mais fortes em pacientes com fibrose cística. A constatação, acreditam, pode ajudar em futuras intervenções médicas. “Podemos identificar a presença dessas variações a nível local e tentar intervir na sua disseminação. A análise também nos dá as ferramentas para ver se nossa intervenção será bem-sucedida”, detalha Parkhill.
Segundo Nogueira, não existem recomendações para que pacientes com fibrose cística fiquem isolados, assim como é feito com quem tem tuberculose, por exemplo. A descoberta do trabalho britânico pode provocar mudanças no protocolo. “Mas acredito que, a depender de mais estudos, no futuro, centros que atendem pacientes com fibrose cística ou outras doenças pulmonares adotarão mais medidas preventivas”, aposta.
Os autores darão continuidade à pesquisa. A ideia é se aprofundar nas análises da bactéria. “Estamos interessados em descobrir as mudanças genéticas nesses clones que os tornam mais virulentos e aumentaram sua disseminação. Estamos fazendo isso comparando a composição genética dos diferentes clones e procurando mudanças comuns”, adianta Parkhill.