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Células-tronco humanas são capazes de recuperar coração enfartado

Ao sofrer o infarto, coração perde a capacidade de bombear o sangue, o que caracteriza a insuficiência cardíaca

Paloma Oliveto
Com mais de 17 milhões de pessoas morrendo, todos os anos, em decorrência de infarto, reparar um coração partido tem sido prioridade nas pesquisas cardiológicas.
Uma das apostas da medicina regenerativa são as células-tronco, que, com a capacidade de se especializar em qualquer tipo de tecido, poderiam remendar partes do músculo cardíaco, danificado irreversivelmente pelo problema.

Agora, um estudo europeu, conduzido pelo Centro Médico da Universidade de Hamburgo-Eppendorf, na Alemanha, oferece mais uma esperança no combate à insuficiência cardíaca provocada pelo ataque — um problema que, quando não causa a morte súbita, compromete a saúde do paciente por toda a vida.

A equipe do especialista em bioengenharia Thomas Eschenhagen desenvolveu um tipo de tecido cardíaco com diferentes células-tronco humanas que, transplantado para o coração de um porquinho-da-índia, animal cujo órgão é muito parecido com o do homem do ponto de vista fisiológico, melhorou significativamente sua capacidade de bombeamento sanguíneo.

Embora preliminar e realizado com um animal, o resultado entusiasmou o principal autor do trabalho, publicado na revista Science Translational Medicine. “A utilização de células-tronco nas pesquisas de regeneração do músculo cardíaco não é uma abordagem nova; contudo, os resultados até agora foram limitados. No nosso estudo, fizemos um grande progresso, ao promover a reparação muscular de corações danificados por infarto”, diz.

Eschenhagen explica que, ao sofrer o infarto, o coração perde a capacidade de bombear o sangue, o que caracteriza a insuficiência cardíaca. Nos Estados Unidos, a ocorrência dessa condição é de 5,1 milhões. No Brasil, de acordo com o Data-SUS, o banco de dados do Sistema Único de Saúde, 21% dos mais de 1 milhão de internações por doenças do aparelho circulatório estão associados ao problema. “Essa dificuldade de fazer o coração funcionar apropriadamente acontece devido à morte do tecido contrátil do miocárdio, ou seja, das fibras que permitem ao músculo cardíaco se contrair, um movimento fundamental para o bombeamento sanguíneo.”

Mistura
No laboratório de Eschenhagen, os pesquisadores criaram essas fibras usando dois tipos de células-tronco pluripotentes induzidas (iPS) — células adultas que passam por um processo químico para que fiquem no estado das embrionárias, com capacidade de se transformar em qualquer tipo de estrutura. Eles fizeram uma mistura de iPS retiradas do músculo cardíaco e de células endoteliais, aquelas que recobrem os vasos sanguíneos.
Essa fórmula deu origem a um tecido fibroso que os cientistas chamaram de hEHT.

Para verificar a eficácia do “remendo”, os pesquisadores escolheram transplantá-lo em extensas áreas comprometidas do coração dos porquinhos-da-índia. Sete dias depois de os animais sofrerem danos cardíacos induzidos, eles receberam o hEHT em 22% da parede ventricular esquerda, que havia experimentado declínio de 35% na função. Em outro grupo de cobaias, os pesquisadores fizeram a infusão de células-tronco apenas endoteliais, para comparar os dois tipos de material.

Vinte e oito dias após o transplante, as hEHT haviam formado um enxerto que recuperou 12% do músculo cardíaco enfartado. Além da proliferação de células, houve vascularização da área e aumento de 31% da função perdida. Já os animais do grupo de controle não tiveram qualquer benefício.

“Nós não podemos dizer quando esse tratamento estará disponível para humanos, mas os resultados sugerem a possibilidade de se iniciar um eventual ensaio clínico com esse método”, diz Eschenhagen. Nos ensaios clínicos, novas técnicas e medicamentos são experimentados em humanos.

Outros estudos
Existem estudos com células-tronco em pacientes cardíacos em curso. Um deles tem demonstrado resultados promissores, conta Timothy D. Henry, diretor cardiológico do Instituto do Coração Cedars-Sinai. No centro de pesquisa de Los Angeles, o médico conduziu o primeiro ensaio clínico duplo-cego (quando nem o pesquisador nem o paciente sabe quem está recebendo placebo) de um material batizado de ixmyelocel, voltado ao tratamento de pessoas com falência cardíaca severa. “Nos últimos anos, houve algumas novidades nos medicamentos, com melhorias para os pacientes, mas a mortalidade por essa condição ainda é muito alta”, destaca Henry.

Ele explica que o ixmyelocel é um agente imunológico formado por diversos tipos de célula, retirado da medula óssea — um centro produtor de células-tronco — do próprio paciente. Em um artigo publicado recentemente na revista The Lancet, Henry divulgou o resultado da primeira fase da investigação, que verificou a segurança do procedimento.

Foram incluídos 126 pacientes escolhidos aleatoriamente. Metade recebeu o tratamento, e a outra metade ficou com placebo. Todos foram acompanhados por quase dois anos.
Durante esse período, a mortalidade por doença cardíaca foi 37% menor entre as pessoas que, de fato, foram tratadas com o ixmyelocel.

“Encontrar uma terapia biológica efetiva para reparar o músculo cardíaco é uma das maiores prioridades para o avanço do tratamento e da prevenção da falência cardíaca”, observa Timothy D. Henry. De acordo com ele, os resultados do estudo devem estimular novas pesquisas sobre o papel das infusões de células-tronco no combate à condição.

Embora reconheça o potencial desse tipo de tratamento para pacientes que sofreram infarto, a bióloga Katrina J. Hansen, do Instituto Politécnico de Worcester, adverte que ainda são necessários muito avanços. “O potencial é tremendo para milhões de pessoas. Mas os inúmeros testes feitos na última década, com diversos tipos de células e métodos de administração, demonstraram melhoras limitadas”, diz Hansen, autora de um artigo sobre o tema, publicado na edição de outubro da revista Bioresearch. Para a pesquisadora, é preciso encontrar a melhor forma de fazer as células chegarem ao coração e, dessa forma, conseguirem repará-lo em grande extensão..