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O que aconteceu com o norte-americano foi o restabelecimento da conexão entre os nervos e o cérebro, com a técnica de estimulação elétrica. Ele é um dos dois pacientes que receberam uma neuroprótese desenvolvida por pesquisadores de Case Western e da Universidade de Chicago, experiência descrita na edição desta semana da revista Science Translational Medicine. De acordo com os cientistas, o resultado abre caminho para uma nova geração de membros artificiais, que se aproximam o máximo possível das sensações reais.
Há menos de um mês, um dos autores do trabalho, o neurocientista Sliman Bensmaia, de Chicago, publicou outro artigo na mesma revista descrevendo a experiência de um paciente com paralisia, decorrente de uma lesão na coluna espinhal, que recuperou o tato também graças à eletroestimulação cerebral. Nesse caso, porém, a técnica foi mais invasiva: os cientistas implantaram no cérebro do homem um sensor que, conectado a um braço artificial, permitia a ele sentir os dedos sendo tocados.
No teste divulgado agora, os dois pacientes também receberam um implante, mas o chip foi posicionado no braço, entre os nervos que fazem o reconhecimento de texturas e da pressão exercida pelas mãos. Os pesquisadores explicaram que esses feixes de neurônio estavam apenas “dormindo”, à espera de um estímulo que foi cortado pela amputação do antebraço. O equipamento é composto, além disso, por um aparelho portátil que envia pulsos elétricos para os nervos. Esses, por sua vez, se comunicam com o cérebro e com a prótese. Nos dedos artificiais, pequenos sensores identificam os objetos tocados e informam, por exemplo, se o paciente está em contato com um biscoito, a tecla de um piano ou os delicados dedinhos de uma criança.
De acordo com Bensmaia, juntos, esses trabalhos indicam o caminho para uma nova era de próteses, que não apenas reponham o membro amputado — ou imobilizado, no caso de tetraplégicos —, mas que sejam inteiramente funcionais. “Para que essas próteses realmente possam repor as capacidades físicas perdidas por esses pacientes, elas não podem simplesmente oferecer algum tipo de movimento. Precisam desempenhar o papel desse braço ou dessa perna. A pessoa tem de ser capaz de sentir o que toca ou pega. É isso que fazem as neuropróteses: elas reproduzem com maior proximidade possível esse sistema”, diz o pesquisador.
O coautor do artigo e principal investigador do trabalho, Dustin Tyler, da Universidade de Case Western Reserve, diz que, embora seja tão automática, a ponto de ninguém dar muita atenção a ela, a habilidade de discriminar a pressão que se aplica a determinado objeto é algo bastante complexo e essencial para a manipulação de objetos e a interação social das pessoas. “Muitos usuários de próteses não se sentem à vontade em cumprimentar os outros com um aperto de mão, pois têm medo de machucá-los”, exemplifica. “Nosso trabalho nos mostrou que podemos alcançar uma grande precisão na percepção da intensidade com essas próteses. Elas conseguem reproduzir o que você sente em uma mão normal”, diz.
Torno
O outro paciente que recebeu a neuroprótese, Igor Septic, contou que usou a mão artificial para operar um torno, sem sentir nenhuma dificuldade. Segundo Tyler, assim como Vonderhuevel, ele é capaz de apertar um sachê sem que o ketchup espirre para todos os lados, segurar uma panela pesada, conduzir o cão na coleira e usar ferramentas de jardinagem, entre outras coisas. “Se o objeto é mais pesado ou firme, eu aperto com mais força. Se é frágil, paro de pressioná-lo logo que consigo sentir”, disse Spect, por meio da assessoria de imprensa da Universidade de Chicago.
Os dois pacientes conseguem distinguir entre 20 níveis diferentes de intensidade. No laboratório de Dustin Tyler, eles foram expostos a uma bateria de testes, em que tinham, entre outras coisas, de dizer se o nível de pressão sentido na mão protética era a mesma da percebida pela mão intacta, quando submetidos a algum estímulo específico. Segundo Emily Graczyk, pesquisadora que também assina o artigo, esses experimentos ajudaram a compreender melhor como o cérebro processa a magnitude sensorial.
Em trabalhos anteriores, a equipe havia levantado a hipótese de que a percepção de intensidade da pressão estivesse associada ao número de vezes que um grupo de fibras nervosas disparasse pulsos elétricos em resposta a determinados estímulos. “Conseguimos verificar essa hipótese, que vinha sendo debatida havia muito tempo”, diz Graczyk. “A percepção de intensidade é um produto da combinação da frequência do pulso e da carga elétrica por pulso, algo que chamamos como taxa de ativação de carga”, afirma. Esse conhecimento ajudará a desenvolver próteses cada vez mais reais, acreditam os cientistas.