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O professor da Universidade de Brasília (UnB) Gilberto Lacerda Santos, especialista em tecnologias na educação, avalia que o Brasil demorou para incorporar as tecnologias à educação. Os primeiros movimentos de introdução da novidade ocorreram no fim dos anos 1980, quando estudiosos brasileiros começaram a interagir com grandes centros universitários americanos. Segundo ele, a mudança era necessária e é bem-vinda. “A escola estava dividida. De um lado, os alunos que usam tecnologias amplamente em todas as dimensões da vida e, do outro, os professores, que não a utilizam dentro da escola por medo”, diz.
A desmotivação dos alunos tornou-se evidente para o professor de história do Centro de Educação Nery Lacerda (Cenel), Jefferson Prado e Souza, 37 anos. Em busca de uma solução, ele decidiu pedir a opinião dos alunos para saber o que faltava nas aulas de história. As respostas foram variadas: alguns sugeriram que as aulas ocorressem na piscina; outros acharam que dormir seria uma boa solução. Até que um deles gritou o nome de um jogo e, ao ouvir Minecraft (leia mais abaixo), a turma inteira concordou. Jefferson ficou apreensivo e não conseguia enxergar como faria a conexão do game com as aulas. Foram os alunos que o convenceram e comprovaram que era possível executar a ideia.
Apesar de conhecer o jogo, o professor conta que não entendia a dinâmica dele, até que os alunos do 6º ano explicaram: “Professor, você já brincou de lego, né? O seu lego é o nosso Minecraft! A gente constrói coisas com os blocos, essas coisas ganham vida e a gente entra nelas”. Inicialmente Jefferson disse que não, pois se preocupava com a reação dos pais. “Imaginei eles reclamando que pagam uma escola particular para o filho ir jogar videogame”, confessa. Mas, a cada negativa do professor, os estudantes ofereciam novas soluções.
“Eu consegui pedagogizar o conteúdo, mas o desenvolvimento é todo deles”, garante o educador. Os alunos utilizam os blocos virtuais do jogo para replicarem as construções referentes ao conteúdo que estão estudando no momento. Dessa maneira, a compreensão do conteúdo se tornou mais simples e divertida. A cada bimestre, uma série participa do projeto. São três aulas semanais, duas expositivas e uma de jogo. As turmas se dividem em quatro grupos — a divisão foi feita pelos próprios alunos, de acordo com o nível de habilidade —, cada estudante tem uma função e elas se invertem a cada duas semanas.
Resultados
Há três anos, quando Jefferson foi contratado para lecionar no Cenel, a coordenação explicou que história era a disciplina com o segundo maior índice de recuperação paralela. O número chegou a 22 alunos no terceiro bimestre de 2015. Depois do projeto, caiu para zero. No fim do ano passado, a escola ganhou o Prêmio Criativos da Escola pela iniciativa e foi montada uma sala específica para essa atividade, equipada com o videogame, tatame e almofadas. Tudo como os protagonistas do projeto — os alunos — queriam.
O professor garante que não foram apenas os estudantes que se beneficiaram com a iniciativa, essa foi uma oportunidade de aprendizado para ele também. “Além de compreender melhor o papel da tecnologia na educação, percebi a importância de ouvir os alunos”, destaca. A percepção dele sobre o papel da tecnologia no processo de aprendizado mudou. “O livro continua sendo um recurso interessante, mas não existe conhecimento que o aluno não encontre na internet. Bastam dois minutos no Google.”
O coordenador da escola, Kedyson Coutinho, afirma que esse projeto é motivo de orgulho para todos no Centro de Educação Nery Lacerda (Cenel). “Ninguém nos procurou para reclamar da iniciativa. Pelo contrário, todos elogiam o trabalho do professor, o desempenho dos alunos. Só recebemos elogios”, conta. O comportamento dos estudantes em sala é outro, os professores não precisam mais pedir que a turma faça silêncio e a quantidade de alunos que não fazem o dever de casa também diminuiu. “Se a gente proibir celulares, videogames e outras formas de tecnologia, a última coisa que o aluno vai querer é vir para a escola. Porque esse ambiente não fala a língua dele, a realidade dele é outra”, defende.
De bloco em bloco
Minecraft é considerado o jogo independente mais popular dos últimos anos e já conquistou milhões de fãs desde o início de seu desenvolvimento. Ele permite a criação de objetos e cenários formados por blocos. Não há uma forma de vencer o jogo, nem existem objetivos ou um enredo que precise ser seguido. A criatividade é prioridade. Os jogadores passam a maior parte do tempo minerando e construindo blocos de material virtual, daí o nome do jogo. Quando coletam e constroem um inventário suficiente de recursos, usam as aquisições virtuais para conceber casas e paisagens. O jogo é uma febre mundial. Em 2 de junho de 2016, somou 100 milhões de vendas, tornando-se o segundo mais vendido do planeta.