Estresse é capaz de reduzir em até 45% as chances de mulheres engravidarem

Um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de Louisville, nos Estados Unidos, mostrou que o esgotamento emocional pode diminuir significativamente a chance de concepção

por Paloma Oliveto 26/10/2016 13:00
Helio Montferre / Esp.CB / D.A Press
Gerlânia faz acompanhamento médico para engravidar: "Tento me policiar para não gerar um estresse que me prejudique" (foto: Helio Montferre / Esp.CB / D.A Press)
Há mulheres que passam boa parte da vida fugindo da gravidez. Contudo, quando decidem aumentar a família, ficam extremamente desapontadas diante de um resultado negativo. O problema é que o estresse gerado pela pressão para engravidar pode adiar ainda mais o sonho da maternidade. Um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de Louisville, nos Estados Unidos, mostrou que o esgotamento emocional pode diminuir significativamente a chance de concepção.

A epidemiologista Kira Taylor recrutou 400 mulheres sexualmente ativas com menos de 40 anos, que queriam engravidar e concordaram em registrar, todos os dias, o nível de estresse em uma escala de 1 a 4. Elas também anotavam dados sobre menstruação, relações sexuais, métodos de contracepção, consumo de álcool e cafeína, além de hábito de tabagismo. Ao longo do estudo, as participantes faziam exames de urina. Os pesquisadores as acompanharam até ficarem grávidas ou, no caso das que não conceberam, até o fim do estudo, que durou por volta de oito ciclos menstruais.

O resultado mostrou que as mulheres que disseram ter se sentido estressadas no período fértil tinham 40% menos chance de engravidar, comparado aos meses em que estavam mais tranquilas. Em relação às participantes com baixos níveis de ansiedade, aquelas que reportaram estresse elevado tiveram uma chance de conceber 45% mais baixa. Os pesquisadores ajustaram outros fatores que poderiam interferir na fertilidade, como idade, índice de massa corporal (IMS), uso de álcool e frequência das relações sexuais. Essa associação negativa, observa Kira Taylor, só ocorreu na janela fértil do ciclo.

Outra descoberta foi a de que as mulheres que conseguiram conceber reportaram um aumento do estresse no fim do mês em que engravidaram. De acordo com a epidemiologista, isso pode ter relação com dois fatores: o próprio resultado do exame mexeria com as emoções ou as mudanças hormonais provocadas pela gravidez estariam por trás da elevação no nível de estresse. Para Taylor, essa última explicação é mais provável.

“Os resultados implicam que mulheres que querem conceber podem aumentar suas chances tomando passos no sentido de reduzir o estresse, como participar de um programa de redução e controle do estresse ou mesmo conversar com um profissional de saúde”, afirma a pesquisadora. O apoio do companheiro também é muito importante, destaca a psicóloga Mara Farias Chaves Vieira, do Centro de Reprodução Humana FertilCare. “O parceiro costuma se preocupar com a mulher e tentar, a seu modo, ser ‘provedor emocional’, oferecendo apoio e confortando a mulher em suas dificuldades. Isso já é de grande ajuda”, diz (Leia entrevista abaixo).

O estresse pode, de fato, atrapalhar a concepção, à medida que essa resposta fisiológica do organismo é capaz de desencadear alterações hormonais que interferem na fertilidade

“Tento me policiar”
A consultora internacional Gerlânia Moraes, 30 anos, conta com o apoio do marido, Marcos Vinícius Soares França, 35, para não se cobrar tanto, nem pensar o tempo todo nas tentativas que o casal vem fazendo de engravidar. Juntos há 10 anos, eles buscaram orientação médica em 2013 para o coito programado, um método que consiste no uso de medicamentos que induzem a ovulação, aumentando as chances de engravidar. O médico acompanha, por exames de imagem, a evolução do crescimento dos folículos e indica o melhor período para a tentativa de concepção.

Da primeira vez, foram três ciclos de coito programado. “Não deu certo. Aí, deixamos quieto por um tempo”, conta Gerlânia. Há pouco tempo, o casal retomou o tratamento e, agora, ela está justamente na fase de aguardar para fazer o exame que dirá se está grávida. “Esses 14 dias são os mais tensos. Você fica se perguntando se a ovulação vem ou não. Se a pontada que sentiu é sinal de alguma coisa. Pois os sintomas da menstruação são muito parecidos com os do início da gravidez. Aí você faz o exame e vem a decepção”, relata. “Você fica em um muro porque tenta ficar confiante, mas, ao mesmo tempo, não quer se sentir tão positiva para não se decepcionar”, afirma. Dependendo do resultado, o casal vai conversar para decidir se parte para inseminação ou fertilização in vitro.

Para evitar expectativas, Gerlânia prefere não alardear sobre o tratamento. “Não fico comentando com as pessoas. Foi a forma que achei para não me pressionarem”, afirma. “Eu tento me policiar para não gerar um estresse que me prejudique. Mas é difícil”, reconhece. Nem ela, nem o marido têm problemas de fertilidade. Eles já fizeram exames e descobriram que não há limitações fisiológicas que impeçam a concepção. “É só porque ainda não bateu mesmo.”

Mudanças hormonais
A endocrinologista Cristiane Moulin, membro e titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, explica que o estresse pode, de fato, atrapalhar a concepção, à medida que essa resposta fisiológica do organismo é capaz de desencadear alterações hormonais que interferem na fertilidade. “É bem descrito na literatura que o estresse leva a um aumento de glicocorticoides, principalmente do cortisol, um hormônio que atua diretamente na glândula hipófise, reduzindo a produção do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH)”, diz. Essa substância, explica a médica, está associada à fabricação do hormônio estrogênio pelo ovário. “O glicocorticoide não é sempre maléfico. Mas, em doses excessivas, provoca esse desequilíbrio”, esclarece.

De acordo com Moulin, o ciclo menstrual pode ser alterado pelo estresse, o que acaba impactando nas tentativas de concepção. “Para menstruar, há necessidade de uma harmonia de todo o sistema reprodutor. O equilíbrio hormonal é dado por uma interação entre o cérebro e os ovários. O estresse físico ou psicológico experimentado por adolescentes pode, inclusive, alterar o início da puberdade”, exemplifica. Como o cortisol inibe a liberação do GnRH, acontece uma alteração da fase ovulatória e lútea (a última do ciclo), com deficiência de produção de progesterona e atraso da menstruação. “Cronicamente, haverá redução também dos níveis de estrogênio”, diz a endocrinologista. “Há algumas evidências também de ação direta dos glicocorticoides afetando negativamente a fertilidade, por alteração direta da função ovariana e uterina, mas os estudos não são concordantes”, esclarece.


Mara Farias Chaves Vieira, psicóloga do Centro de Reprodução Humana FertilCare

A associação entre nível elevado de estresse e dificuldade de conceber já era conhecida?
O estudo sugere essa relação, ainda que, na prática, já se tivesse indícios disso. O estudo ainda sugere que a própria descoberta da gravidez e/ou as mudanças hormonais após a concepção também poderiam aumentar os níveis de estresse. De posse dessas informações, fica evidente a importância do controle do estresse para a mulher que busca conceber. Durante os tratamentos de reprodução assistida, esclarecer todas as dúvidas que surjam junto à equipe pode ajudar muito a diminuir o estresse, pois desmistifica possíveis fantasias acerca do processo. Também é fundamental que a mulher tenha acesso a atendimento psicológico sempre que sentir necessidade, o que pode ajudá-la a mobilizar os recursos de que dispõe para lidar com o estresse de forma mais proveitosa.

Como o estresse interfere no tratamento de reprodução assistida?
Esses tratamentos aumentam muito as chances de sucesso de uma gestação. Porém, costumam demandar considerável investimento financeiro, emocional e de tempo dos pacientes. Mesmo com todo esse investimento, não há garantia de êxito, o que já é motivo de estresse para muitos. O estresse elevado ocasiona aumento da ansiedade, desgaste emocional e diminuição da qualidade de vida do casal. Além disso, níveis elevados de estresse podem levar o casal a desistir do tratamento antes de obter sucesso, e esse pode ser o maior prejuízo para o casal que deseja realizar o sonho da parentalidade. Como profissional de saúde mental, o que procuramos fazer é auxiliar o casal a compreender e se apropriar das motivações de suas escolhas, e ajudá-los no manejo de suas queixas emocionais durante todo o tratamento. O autoconhecimento proporcionado pela psicoterapia costuma ajudar bastante.

Quais são as maiores queixas das mulheres quanto à pressão emocional?

É bastante comum o sentimento de culpa e de impotência por não conseguir gestar, mesmo nos casos de fator masculino de infertilidade. Pelo fato de a gestação se dar no corpo da mulher, elas costumam tomar a responsabilidade para si. Um estudo que realizei com 130 casais em tratamento de reprodução assistida entre 2014 e 2015 mostrou isso. Dessa amostra, apenas mulheres apresentaram sintomas ansiosos e depressivos. Outra queixa bastante comum é a relação do casal com seu meio social. Muitas mulheres consideram bastante difícil testemunhar gestações de familiares e conhecidas enquanto elas próprias ainda não realizaram seu sonho de ser mães. Muitas ainda sofrem pressão social para ter filhos, à medida que os anos passam e a gestação não acontece.