O brasileiro tem vivido mais. Porém, com complicações que atrapalham o bem-estar físico e psicológico. Depressão, ansiedade e dor lombar são as principais delas, segundo o relatório anual Global Burden of Disease Study 2015, divulgado ontem pela revista inglesa The Lancet. O trabalho, resultado da participação de 1.800 colaboradores em 130 países e territórios, faz um panorama, tanto local quanto geral, de aspectos que comprometem a saúde da população e interferem na mortalidade.
Globalmente, o tempo de vida pulou de 62 para 72 anos, de 1980 a 2015. Uma criança nascida no Brasil em 2015 pode esperar viver até aos 74 anos, enquanto a mãe dela, se tiver nascido em 1990, tem uma expectativa de vida de 68. De acordo com os autores, a extensão de longevidade é positiva, mas evidencia os impactos dos maus hábitos adquiridos desde a juventude, como a ingestão alta de calorias.
A obesidade, aponta o estudo, é justamente um dos fatores que desencadeiam os problemas de saúde que mais ameaçam os brasileiros. “O aumento da expectativa de vida reduz muito a mortalidade em geral, mas, por outro lado, você tem um padrão de envelhecimento mundial que aumenta a taxa de doenças crônicas. É o que vemos também na lista de doenças que mais causam mortes no Brasil, com a doença isquêmica do coração em primeiro lugar e, em segundo, o AVC (derrame)”, explicou ao Correio Fátima Marinho, diretora na área de Promoção de Saúde do Ministério da Saúde e uma das autoras do trabalho.
De acordo com Marinho, as enfermidades que mais acometem homens e mulheres no país — depressão, ansiedade e dor lombar — refletem o baixo nível de qualidade de vida. “As necessidades de trabalho estão muito estressantes, olhando a situação no âmbito geral, até mesmo a forma como anda a economia influi nesse cenário. Isso aumenta o que chamamos de cargas de doença, e, consequentemente, a perda de saúde. Resumindo, as pessoas têm morrido menos, mas perderam a qualidade de vida”, destacou.
Para a especialista, melhoras no bem-estar dos brasileiros serão alcançadas se houver mudanças de comportamento. “A nossa preocupação é continuar com a redução da mortalidade, com interações que promovam a prevenção desses problemas e reduzam a perda de saúde. Para isso acontecer, temos que trabalhar agora, mudar, por exemplo, o comportamento alimentar, comer menos produtos industrializados, ingerir mais frutas e fazer mais exercícios físicos”, ilustrou.
Mães seguras
Outro ponto do estudo que impressionou os autores e que refletiu melhoras na saúde global foi a redução de mortes maternas (gestantes e mulheres com filhos recém-nascidos) e de crianças. O cenário brasileiro destacou-se nessas áreas. A nível mundial, 12,1 milhões de crianças com menos de 5 anos morreram em 1990. O número caiu 52% considerando 2015, quando foram registrados 5,8 milhões de óbitos. A queda foi ainda maior no Brasil: 73%, de 191.505 para 51.226.
Na maior parte do mundo, dar à luz é mais seguro para as mães e os recém-nascidos que há 25 anos. A morte dessas mulheres caiu de 3.081 em 1990 para 1.972 em 2015, um índice de 29% no país. “O Brasil teve uma redução grande, com a América Latina. Isso mostra uma melhora muito importante. O único país dessa região que ficou para trás foi o Haiti. Acredito que esse é um processo pelo qual estamos passando e que devemos evoluir. Os países ricos tiveram mais tempo e recursos para fazer isso, mas nós já melhoramos muito. Não tem muito tempo, nos anos de 1980, estávamos no mapa da fome”, relembrou Marinho.
Nathalia Sarkis, pediatra do Hospital Santa Lúcia em Brasília e membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), avalia que os dados do relatório refletem uma maior atenção à saúde infantil. “Esses números são muito positivos porque mostram que o país está investindo em saúde pública e no atendimento. Crianças menores de 5 anos geralmente morrem de asfixia, um problema recorrente na hora do parto. A queda é um sinal de que tem existido um cuidado maior na sala de cirurgia”, explicou.
A pediatra também ressalta que mudanças quanto à saúde das crianças é algo percebido nos consultórios. “Os pais têm sido mais cuidadosos, não temos mais lidado com as doenças e sim com o desenvolvimento da prevenção. A diarreia mesmo era um problema que antes causava morte e, agora, não gera a mesma preocupação do passado”, ilustrou. Para Sarkis, a redução de mortes maternas também merece destaque. “Essa sobrevida de gestantes e de mães asseguram o aleitamento materno, que é superimportante para garantir a saúde e o desenvolvimento das crianças.”
Milhões de pacientes
Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), levantamento realizado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2014, a depressão atingia 11,2 milhões de brasileiros com ao menos 18 anos. O número correspondia a 7,6% da população. O distúrbio psicológico é prevalente nas mulheres, com 10,9% casos contra 3,9% nos homens. O estudo também mostrou que 27 milhões de pessoas no Brasil foram diagnosticadas com problema crônico de coluna, dado que correspondia a 18,5% da população. O trabalho não trouxe dados sobre ansiedade.
Doenças transmissíveis matam menos
Segundo o Global Burden of Disease Study 2015, um dos fatores que mais contribuíram para o aumento da expectativa de vida a nível mundial foram as grandes quedas de mortes provocadas por doenças transmissíveis nos últimos 10 anos, principalmente Aids, diarreia e malária. No Brasil, por exemplo, houve queda de 10,9% na mortalidade dos pacientes com Aids desde 2003, segundo o Ministério da Saúde. A taxa caiu de 6,4 óbitos por 100 mil habitantes em 2003 para 5,7 óbitos em 2014.
O relatório mundial de doenças e fatores de risco também revelou que, desde 1990, houve aumento do uso de drogas e exposição a agentes cancerígenos, como o benzeno, presente na fabricação de detergente e de outros produtos domésticos. Em contraste, as exposições a riscos considerados evitáveis — por exemplo, o tabagismo e o saneamento inseguro da água — reduziram, levando em conta dados 2005. Ainda assim, o fumo está entre uma das cinco principais causas de riscos associados à perda da saúde em 140 países, sendo os principais deles o Reino Unido e os Estados Unidos.
Sondagem anual
O Global Burden of Disease Study é um relatório feito anualmente, desde 1990. Nessa última edição, os cientistas realizaram uma análise mais refinada, considerando, pela primeira vez, o índice sociodemográfico dos países, o que inclui taxas de educação, renda e fertilidade. A mudança ajudou nas comparações entre as regiões analisadas, disseram os participantes.
“Nós vimos países que melhoraram mais rápido, considerando fatores além da renda, da educação ou da fertilidade. Também percebemos países — incluindo os Estados Unidos — que são muito menos saudáveis do que deveriam ser, dados os seus recursos”, detalhou, em comunicado à imprensa, Christopher Murray, diretor do Instituto de Metrologia da Saúde e Avaliação da Universidade de Washington e um dos autores do relatório. O estudo científico considerou mais de 300 doenças e lesões em 195 países e territórios.
Globalmente, o tempo de vida pulou de 62 para 72 anos, de 1980 a 2015. Uma criança nascida no Brasil em 2015 pode esperar viver até aos 74 anos, enquanto a mãe dela, se tiver nascido em 1990, tem uma expectativa de vida de 68. De acordo com os autores, a extensão de longevidade é positiva, mas evidencia os impactos dos maus hábitos adquiridos desde a juventude, como a ingestão alta de calorias.
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Para a especialista, melhoras no bem-estar dos brasileiros serão alcançadas se houver mudanças de comportamento. “A nossa preocupação é continuar com a redução da mortalidade, com interações que promovam a prevenção desses problemas e reduzam a perda de saúde. Para isso acontecer, temos que trabalhar agora, mudar, por exemplo, o comportamento alimentar, comer menos produtos industrializados, ingerir mais frutas e fazer mais exercícios físicos”, ilustrou.
Mães seguras
Outro ponto do estudo que impressionou os autores e que refletiu melhoras na saúde global foi a redução de mortes maternas (gestantes e mulheres com filhos recém-nascidos) e de crianças. O cenário brasileiro destacou-se nessas áreas. A nível mundial, 12,1 milhões de crianças com menos de 5 anos morreram em 1990. O número caiu 52% considerando 2015, quando foram registrados 5,8 milhões de óbitos. A queda foi ainda maior no Brasil: 73%, de 191.505 para 51.226.
Na maior parte do mundo, dar à luz é mais seguro para as mães e os recém-nascidos que há 25 anos. A morte dessas mulheres caiu de 3.081 em 1990 para 1.972 em 2015, um índice de 29% no país. “O Brasil teve uma redução grande, com a América Latina. Isso mostra uma melhora muito importante. O único país dessa região que ficou para trás foi o Haiti. Acredito que esse é um processo pelo qual estamos passando e que devemos evoluir. Os países ricos tiveram mais tempo e recursos para fazer isso, mas nós já melhoramos muito. Não tem muito tempo, nos anos de 1980, estávamos no mapa da fome”, relembrou Marinho.
Nathalia Sarkis, pediatra do Hospital Santa Lúcia em Brasília e membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), avalia que os dados do relatório refletem uma maior atenção à saúde infantil. “Esses números são muito positivos porque mostram que o país está investindo em saúde pública e no atendimento. Crianças menores de 5 anos geralmente morrem de asfixia, um problema recorrente na hora do parto. A queda é um sinal de que tem existido um cuidado maior na sala de cirurgia”, explicou.
A pediatra também ressalta que mudanças quanto à saúde das crianças é algo percebido nos consultórios. “Os pais têm sido mais cuidadosos, não temos mais lidado com as doenças e sim com o desenvolvimento da prevenção. A diarreia mesmo era um problema que antes causava morte e, agora, não gera a mesma preocupação do passado”, ilustrou. Para Sarkis, a redução de mortes maternas também merece destaque. “Essa sobrevida de gestantes e de mães asseguram o aleitamento materno, que é superimportante para garantir a saúde e o desenvolvimento das crianças.”
Milhões de pacientes
Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), levantamento realizado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2014, a depressão atingia 11,2 milhões de brasileiros com ao menos 18 anos. O número correspondia a 7,6% da população. O distúrbio psicológico é prevalente nas mulheres, com 10,9% casos contra 3,9% nos homens. O estudo também mostrou que 27 milhões de pessoas no Brasil foram diagnosticadas com problema crônico de coluna, dado que correspondia a 18,5% da população. O trabalho não trouxe dados sobre ansiedade.
Doenças transmissíveis matam menos
Segundo o Global Burden of Disease Study 2015, um dos fatores que mais contribuíram para o aumento da expectativa de vida a nível mundial foram as grandes quedas de mortes provocadas por doenças transmissíveis nos últimos 10 anos, principalmente Aids, diarreia e malária. No Brasil, por exemplo, houve queda de 10,9% na mortalidade dos pacientes com Aids desde 2003, segundo o Ministério da Saúde. A taxa caiu de 6,4 óbitos por 100 mil habitantes em 2003 para 5,7 óbitos em 2014.
O relatório mundial de doenças e fatores de risco também revelou que, desde 1990, houve aumento do uso de drogas e exposição a agentes cancerígenos, como o benzeno, presente na fabricação de detergente e de outros produtos domésticos. Em contraste, as exposições a riscos considerados evitáveis — por exemplo, o tabagismo e o saneamento inseguro da água — reduziram, levando em conta dados 2005. Ainda assim, o fumo está entre uma das cinco principais causas de riscos associados à perda da saúde em 140 países, sendo os principais deles o Reino Unido e os Estados Unidos.
Sondagem anual
O Global Burden of Disease Study é um relatório feito anualmente, desde 1990. Nessa última edição, os cientistas realizaram uma análise mais refinada, considerando, pela primeira vez, o índice sociodemográfico dos países, o que inclui taxas de educação, renda e fertilidade. A mudança ajudou nas comparações entre as regiões analisadas, disseram os participantes.
“Nós vimos países que melhoraram mais rápido, considerando fatores além da renda, da educação ou da fertilidade. Também percebemos países — incluindo os Estados Unidos — que são muito menos saudáveis do que deveriam ser, dados os seus recursos”, detalhou, em comunicado à imprensa, Christopher Murray, diretor do Instituto de Metrologia da Saúde e Avaliação da Universidade de Washington e um dos autores do relatório. O estudo científico considerou mais de 300 doenças e lesões em 195 países e territórios.