Antes do procedimento de Baylor, foram feitas 17 cirurgias semelhantes no mundo, incluindo a brasileira. Até agora, porém, apenas cinco resultaram no nascimento de bebês. De acordo com os médicos responsáveis pelos procedimentos nos Estados Unidos, realizados entre 14 e 22 de setembro, a equipe reviu, ao longo de dois anos, todos os transplantes prévios antes de decidir se aventurar nessa área.
A identidade e a motivação das doadoras não foram divulgadas.
Por meio de uma nota, a assessoria de imprensa do hospital disse que as quatro receptoras, com idade de 20 a 35 anos, sofrem da síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser, uma anomalia congênita do aparelho reprodutor que afeta uma em cada 5 mil ou 7 mil mulheres em todo o mundo. Quem tem o problema nasce sem útero e ovários, e com pouca profundidade vaginal. Não há estatísticas da incidência dessa doença rara no Brasil.
O procedimento do Hospital das Clínicas da USP também foi executado em uma mulher com essa síndrome. Ela recebeu o útero de uma paciente de 40 anos que teve morte cerebral. Por enquanto, não há sinais de complicações. Chefe do serviço de transplantes e professor da USP, Luiz Augusto Carneiro D’Albuquerque explicou que a equipe foi à Suécia aprender melhor sobre o procedimento. Em Baylor, os cirurgiões receberam uma equipe da Universidade de Gotemburgo que participou dos quatro transplantes. “Eles são os maiores especialistas em transplante uterino, na medida em que cinco nascimentos resultaram das cirurgias que fizeram”, disseram na nota.
Remoção
Em três das quatro pacientes operadas na instituição norte-americana, depois de vários testes, os médicos notaram que não havia suprimento sanguíneo suficiente para abastecer o novo órgão, por isso, os úteros foram removidos. Os cirurgiões disseram que esses casos vão ajudá-los a aprimorar o procedimento. “Os testes de acompanhamento da quarta paciente indicam um resultado muito diferente”, disseram os cirurgiões.
Em fevereiro, um procedimento semelhante foi realizado pelo Hospital da Universidade de Cleveland, nos Estados Unidos. Porém, dois dias após a divulgação de que havia sido um sucesso, a instituição anunciou que teve de retirar o útero porque a receptora rejeitou o órgão. Depois disso, o programa experimental de transplantes uterinos de Cleveland foi suspenso.
Diferentemente de outros órgãos, o útero transplantado tem de ser retirado do corpo em, no máximo, três anos. Toda pessoa que recebe um transplante precisa tomar fortes medicamentos para evitar a rejeição. As drogas imunossupressoras, embora sejam fundamentais para o sucesso da adaptação do corpo ao novo órgão, podem causar tumores. Para minimizar esse risco, as receptoras têm de retirar o útero logo após o nascimento do filho, gerado naturalmente ou por reprodução assistida.
A paciente brasileira vai começar tratamento hormonal para engravidar daqui a seis meses. “Tudo correndo bem, a expectativa é de que, em um ano, ela possa tentar engravidar”, disse Luiz Augusto Carneiro D’Albuquerque, da USP, em nota do Portal do Governo de São Paulo. Ele explicou que a equipe tem oito embriões fertilizados com o sêmen do marido. De seis a 12 meses também foi o prazo indicado pela equipe de Baylor para a americana começar a tentar engravidar.
Técnica precisa ser aprimorada
Diretor do Centro de Reprodução Humana FertilCare, Frederico Corrêa ressalta que o transplante de útero não se trata de um procedimento simples.
O médico esclarece que, mesmo que esse transplante se torne mais comum, poucas mulheres precisariam recorrer a ele. “A principal causa da infertilidade na mulher está associada ao ovário, não ao útero. O útero, só quando há a síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser ou quando a mulher teve de retirar por causa de uma doença, como câncer”, diz. O transplante de ovário, por sua vez, já é mais usual e, geralmente, se realiza com o órgão da própria paciente, que é congelado antes da realização de tratamentos como a quimioterapia. Mas também existem casos documentados de transplante de outra doadora.
Desde o anúncio dos primeiros transplantes de útero, uma questão ética foi colocada na mesa: valeria a pena expor a mulher a um procedimento complexo e às drogas imunossupressoras já que o útero não é um órgão vital? Especialista em reprodução assistida, Frederico Corrêa acredita que sim. “O conceito de saúde envolve o bem-estar físico e social. Uma mulher que quer muito engravidar e não consegue pode até tentar suicídio. Há muitos casos de depressão, de separação... Não dá para dizer que esse tipo de transplante não é importante porque o desejo de ter um filho é um problema de saúde como qualquer outro.”.