Estudo desvenda o segredo da 'supermemória' (idosos que têm desempenho cerebral equivalente aos dos jovens)

Idosos com a habilidade de pensamento equiparada à de jovens não sofreram redução de tamanho de áreas-chave do cérebro, como o córtex pré-frontal

Correio Braziliense 18/10/2016 15:00
ATTILA KISBENEDEK / AFP
Com 87 anos, a húngara Brigitta Sinka bate recordes de partidas simultâneas de xadrez em junho de 2015 (foto: ATTILA KISBENEDEK / AFP)
Ir perdendo gradativamente a memória é esperado quando se chega à terceira idade. Há um grupo de homens e mulheres, porém, que não amarga esse efeito do tempo. Pelo contrário. Chamados de super agers, esses idosos têm um desempenho cerebral equiparado ao de jovens. Por meio de testes e de exames de imagens, pesquisadores do Massachusetts General Hospital (MGH), nos Estados Unidos, constataram a performance inusitada e identificaram áreas-chave do cérebro que podem estar ligadas a ela. Detalhes do estudo foram divulgados, neste mês, no The Journal of Neuroscience e abrem caminho para avanços importantes na prevenção e no tratamento do problema.

Participaram do estudo 81 voluntários, sendo que 40 tinham entre 60 e 80 anos; e 41, de 18 a 35 anos. Os integrantes do grupo mais velho apresentaram desempenhos diferentes nos testes de memória. Dezessete marcaram pontuações equivalentes às de participantes 40 a 50 anos mais jovens e foram classificados como super agers. Os 23 restantes apresentaram um resultado esperado para a faixa etária, assim como os adultos jovens. Os exames de imagem mostraram que o cérebro dos idosos com supermemória tinha características juvenis. Por exemplo, o córtex —  camada do órgão rica em neurônios e onde ocorrem fenômenos como processamento de informações multissensoriais e compreensão da linguagem —, não perdeu o tamanho com o envelhecimento.

“Olhamos para um conjunto de áreas do cérebro conhecido como a rede de modo padrão, que tem sido associada à capacidade de aprender e lembrar novas informações, e descobrimos que essas áreas, particularmente o hipocampo e o córtex pré-frontal medial, eram mais espessas nos super agers do que em outros adultos mais velhos (…) Em alguns casos, não houve diferença de espessura entre os super agers e os adultos jovens”, informou, em comunicado à imprensa, Alexandra Touroutoglou, coautora sênior do estudo com Bradford Dickerson e Lisa Feldman Barrett, todos do MGH.

Segundo Barrett, a equipe também voltou os olhos para a rede de saliência cerebral, que monitora eventos externos importantes e concentra recursos do corpo para se dedicar a eles. “Encontramos espessura preservada nos super agers em várias dessas regiões, incluindo a ínsula anterior e o córtex orbitofrontal”, disse a também professora da Universidade Northeastern (EUA). Uma das maiores correlações entre o tamanho do cérebro e a memória nesses idosos foi detectada em um cruzamento entre a rede de modo padrão e a de saliência cerebral. Trata-se, explica Touroutoglou, de um ponto-chave do órgão, pois permite que diferentes redes cerebrais se comuniquem de forma eficiente. “Acreditamos que a comunicação eficaz entre essas redes é muito importante para o envelhecimento cognitivo saudável.”

Demências

A equipe sugere, no artigo, que o resultado do trabalho pode levar a novas formas de enfrentamento à perda de memória relacionada à idade, como tratamentos e terapias preventivas, e também contribuir para estudos contra o Alzheimer e demências menos comuns. “Nós precisamos desesperadamente entender como alguns adultos mais velhos são capazes de funcionar muito bem em sua sétima, oitava e nona décadas de vida. Isso pode fornecer pistas importantes sobre como prevenir o declínio da memória e do pensamento que acompanha o envelhecimento na maioria de nós”, ressaltou Dickerson, também professor da Harvard Medical School (EUA).

À medida que um indivíduo envelhece, alterações no cérebro dele podem diminuir a memória de curto prazo e a capacidade de aprendizagem, fazendo com que ele, por exemplo, perca algum objeto ou esqueça detalhes de uma conversa. No caso do Alzheimer e de outras demências, o paciente esquece por completo alguns acontecimentos e enfrenta dificuldade para realizar atividades diárias, como dirigir e cuidar das finanças. Segundo o Manual Merck de Informação Médica, a estimativa é de que entre 6% e 8% das pessoas com idade entre 65 e 85 anos tenham esse comprometimento. Depois dessa faixa, a incidência sobe para 30%.