A jornalista Maíra Lobato, de 32 anos, gostaria que o Outubro Rosa fosse não apenas o período do ano para conscientizar mulheres sobre a importância do diagnóstico precoce do câncer de mama, mas também um mês em que se pudesse falar mais honestamente sobre a doença. Para isso, segundo ela, deveríamos evitar os estigmas que a enfermidade carrega – sofrimento, dor, morte, luto –-, e focar nas atitudes de quem recebe o diagnóstico: coragem, luta, superação, disposição e vontade de viver. O que não significa dizer que todas as histórias terão um final feliz, mas mudar a perspectiva pode, inclusive, ajudar mulheres que enfrentaram, enfrentam e vão enfrentar o tratamento para esse tipo de tumor. “A dificuldade de passar pelo câncer de mama está mais relacionada a coisas que envolvem a doença na sociedade do que a doença em si. Quer saber quais foram as minhas dificuldades? Encontrar as pessoas e elas se espantarem por eu estar bem. O câncer não foi nem de longe a pior experiência da minha vida”, afirma.
A vontade de colocar essa discussão em pauta surgiu depois que ela e o marido, Rafael Campos, receberam uma negativa em uma das etapas do processo de adoção de uma criança para o qual se inscreveram. O tema virou um post no Facebook: “Essa semana, passamos por uma das entrevistas do processo de adoção. (...) E na entrevista a psicóloga/assistente social disse que nós não fomos aprovados por conta do meu tratamento. Segundo ela, o câncer é uma experiência muito traumática, difícil e que, por isso, não estávamos prontos para sermos pai e mãe logo após um trauma tão grande... Segundo ela, eu preciso elaborar meu luto. Ooooi?! (...) Luto por quê? Devo ter luto por estar curada? Saudável? E muito mais forte que antes? Na verdade, fico indignada pois estabelecem um enquadramento e te encaixam nele. Tipo quem tem câncer deprime, sofre muito e fica com questões psicológicas sérias. (...) Bem-vinda ao rótulo do câncer de mama! Não há a possibilidade de que o câncer que você enfrentou tenha sido uma oportunidade de crescimento, de empoderamento e de amadurecimento, sobretudo, como foi pra mim”. (Texto na íntegra está no final da matéria)
Publicado em 9 de outubro, o texto tem gerado indignação entre os amigos e amigas de Maíra, mas ela faz questão de ressaltar que não é uma crítica ao processo de adoção no Brasil, que ela considera “muito cauteloso e criterioso” e sim, em como o estigma da doença influenciou a decisão da assistente social que emitiu o laudo técnico com o parecer que ela expôs na rede social. “Entendo o quão delicado é um processo de adoção. A justiça fala para a gente que ‘uma criança colocada para adoção já sofreu violação de direitos e temos por obrigação proteger essas crianças’. É assim que deve ser.”
Em 2015, Maíra Lobato sentiu uma fisgada em um dos seios e num autoexame notou um nódulo. Ao procurar um especialista veio a notícia que a pegou de surpresa já que ela é jovem e não tem histórico de câncer de mama na família. “Apenas uma irmã do meu pai teve câncer de mama, mas ela já era mais velha”, diz. Estava nos planos dela e do companheiro, casados há seis anos, 'encomendar' um bebê para o final deste ano. Ambos fazem mestrado, a especialização será concluída em 2016 o que, para o casal, seria um bom momento para iniciar as tentativas.
Com o diagnóstico, recebemos várias recomendações para fazer o congelamento de óvulos e preservar a minha fertilidade. “Mas o diagnóstico assusta muito e, com a notícia, vem um tanto de informação. Na época, foi até meio confuso pra gente, que tinha que pensar em tantas coisas: tratamento, cirurgia, quimioterapia, pensar no sonho de ter filhos e no congelamento de óvulos. Era tudo ao mesmo tempo. Consultamos especialistas em medicina reprodutiva e optamos por não fazer o congelamento de óvulos por uma série de questões, ia atrasar o início do tratamento, precisaria passar por mais exames e mais procedimentos. Já estava com uma lista e não queria mais coisas na minha cabeça. A médica que nos atendeu falou da possibilidade de inseminação artificial com banco de óvulos e, naquela época, nos pareceu uma solução boa. Diante da questão, me lembro de me pegar dizendo à medica que as características que gostaria que um filho (ou filha) puxassem de mim não era a cor do cabelo, dos olhos, mas valores, caráter, coisas que não são genéticas. Guardar material genético só para ter uma menina ou um menino que se parecesse comigo não fez sentido pra mim naquele momento. Tenho 10 anos de psicanálise. Imagina se eu não tivesse conseguido resolver essa questão da vaidade de ter uma criança parecida com a gente...”, brinca a jornalista.
E, então, Maíra deu início à quimioterapia, que ocorreu entre outubro de 2015 a abril de 2016. Na sequência, passou por uma cirurgia para retirar toda a mama esquerda. A cirurgia de reconstrução mamária foi imediata e realizada pelo plano de saúde. Depois, fez 25 sessões de radioterapia e agora, está na fase, de administrar uma vacina (anticorpo) que vai até março de 2017. “Essa vacina não tem efeito colateral. Além dela, tenho que tomar um comprimido – que integra a fase do tratamento chamada hormonioterapia – por 10 anos. Esse remédio me impede de engravidar pela possibilidade de causar malformação no feto”, explica. A jornalista conta que chegou a cogitar suspender a medicação, tentar engravidar e depois retomá-la, mas o oncologista que a acompanha não autorizou. “Imagino que seja uma conduta que pode variar de médico para médico”, salienta.
A verdade é que o casal que já tinha decidido ter um bebê resolveu não alterar os planos e, por isso, entrou na fila de adoção em março. “Meu tratamento foi tranquilo, não parei minha vida, continuou praticamente tudo igual, continuei estudando e trabalhando. Tive um ou outro mal-estar. Como sabemos que o processo de adoção é demorado, decidimos nos candidatar logo na esperança de, no final de 2016, já ter uma criança chegando pra gente. Minha vontade de ter um filho não mudou por causa do câncer de mama. Eu só mudei o caminho, mas esse desejo já fazia parte do nosso planejamento”, reforça.
Em julho, o casal passou por um curso e, na sequência, o juizado realizou uma visita na casa deles. “E aí foram marcadas as entrevistas com a assistente social e com a psicóloga em dias separados. Cada uma delas conversou sozinha comigo, sozinha com o Rafael e depois com nós dois juntos. Para você ter uma ideia, a primeira entrevista [com a assistente social] começou às 13h30 e saímos de lá depois de 16h30”, conta.
Maíra diz que quando chegou, na semana passada, para a conversa com a psicóloga ouviu dela que a assistente social havia feito um relatório dizendo que considerava cedo para o casal prosseguir com o processo de adoção e que o mais adequado era esperar o final do tratamento e “dar um tempo porque eu tinha acabado de passar por um trauma muito grande, que precisava digerir o processo para depois retornar com o andamento do processo de adoção”. O tratamento ao qual a assistente social se refere é o término da administração das vacinas, previsto para março do ano que vem.
A jornalista diz que ela e o marido não fizeram restrição de raça e nem de sexo, mas queriam uma criança de até oito meses, e isso fez Maíra crer que conseguiria mais rapidamente adotar um menino ou menina. “Na entrevista deixamos claros que a gente se sentia preparado, que o câncer de mama era uma página virada, que estou apenas cumprindo o protocolo de tratamento. Não tenho nenhuma crítica ao processo de adoção, a minha crítica é a forma como a sociedade olha o câncer de mama e esse estigma ter influenciado um parecer técnico. Não adiantou eu dizer que estava superado, que não foi uma drama na minha vida, que não foi traumático. Não bastou a assistente social me ver bem e saudável. Não foi suficiente. Ela olha pra mim e vê uma pessoa vítima de um trauma. O câncer não é a pior coisa que pode acontecer na vida de uma pessoa. Meu post no Facebook é neste sentido de a gente conseguir olhar para uma pessoa que teve ou está enfrentando um câncer e entender que é uma doença como várias outras. Essa pessoa que nos avaliou atribuiu um estado de sofrimento pelo qual a gente não está passando. Essa interpretação é por conta do estigma da doença”, explica.
Maíra diz que, no ano que vem, é provável que ela dê prosseguimento ao processo de adoção. Segundo ela, o mais difícil do tratamento é a queda de cabelo. “Está fazendo um ano que comecei a quimioterapia e sempre que sonho comigo estou de cabelo grande: sonho que estou penteando meu cabelo e que ele é grande. Esse é outro preconceito em relação à mulher, essa coisa de que não ‘podemos’ ter cabelo curto”, diz.
O que diz o TJ
A reportagem entrou em contato com as assessorias do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e do Fórum Lafayete e foi informada que os processos de adoção são sigilosos e que, por essa razão, não comentaria esse caso especificamente. A assessoria disse ainda que os critérios técnicos para adoção são públicos. (Clique e tire suas dúvidas na cartilha 'Adoção passo a passo', elaborada pela AMB - Associação dos Magistrados do Brasil). Sobre se doença é impeditivo para adoção, o departamento de comunicação afirmou que averiguaria e daria um retorno. Até o fechamento desta matéria, a dúvida não foi esclarecida.
Fique atenta
O câncer de mama é a segunda maior causa de morte de brasileiras. Em 2016, a estimativa é que 60 mil mulheres receberão o diagnóstico desse tipo de tumor. Quanto mais cedo o diagnóstico, maiores são as chances de cura. A recomendação da Sociedade Brasileira de Mastologia é de que mulheres com mais de 40 anos devem fazer a mamografia anualmente. Já o Ministério da Saúde não valida a inclusão de mulheres com 40 a 49 anos no rastreamento e justifica que a prática tem evidência limitada de redução da mortalidade e, por isso, recomenda o exame a partir dos 50 anos.
A vontade de colocar essa discussão em pauta surgiu depois que ela e o marido, Rafael Campos, receberam uma negativa em uma das etapas do processo de adoção de uma criança para o qual se inscreveram. O tema virou um post no Facebook: “Essa semana, passamos por uma das entrevistas do processo de adoção. (...) E na entrevista a psicóloga/assistente social disse que nós não fomos aprovados por conta do meu tratamento. Segundo ela, o câncer é uma experiência muito traumática, difícil e que, por isso, não estávamos prontos para sermos pai e mãe logo após um trauma tão grande... Segundo ela, eu preciso elaborar meu luto. Ooooi?! (...) Luto por quê? Devo ter luto por estar curada? Saudável? E muito mais forte que antes? Na verdade, fico indignada pois estabelecem um enquadramento e te encaixam nele. Tipo quem tem câncer deprime, sofre muito e fica com questões psicológicas sérias. (...) Bem-vinda ao rótulo do câncer de mama! Não há a possibilidade de que o câncer que você enfrentou tenha sido uma oportunidade de crescimento, de empoderamento e de amadurecimento, sobretudo, como foi pra mim”. (Texto na íntegra está no final da matéria)
Publicado em 9 de outubro, o texto tem gerado indignação entre os amigos e amigas de Maíra, mas ela faz questão de ressaltar que não é uma crítica ao processo de adoção no Brasil, que ela considera “muito cauteloso e criterioso” e sim, em como o estigma da doença influenciou a decisão da assistente social que emitiu o laudo técnico com o parecer que ela expôs na rede social. “Entendo o quão delicado é um processo de adoção. A justiça fala para a gente que ‘uma criança colocada para adoção já sofreu violação de direitos e temos por obrigação proteger essas crianças’. É assim que deve ser.”
Em 2015, Maíra Lobato sentiu uma fisgada em um dos seios e num autoexame notou um nódulo. Ao procurar um especialista veio a notícia que a pegou de surpresa já que ela é jovem e não tem histórico de câncer de mama na família. “Apenas uma irmã do meu pai teve câncer de mama, mas ela já era mais velha”, diz. Estava nos planos dela e do companheiro, casados há seis anos, 'encomendar' um bebê para o final deste ano. Ambos fazem mestrado, a especialização será concluída em 2016 o que, para o casal, seria um bom momento para iniciar as tentativas.
Com o diagnóstico, recebemos várias recomendações para fazer o congelamento de óvulos e preservar a minha fertilidade. “Mas o diagnóstico assusta muito e, com a notícia, vem um tanto de informação. Na época, foi até meio confuso pra gente, que tinha que pensar em tantas coisas: tratamento, cirurgia, quimioterapia, pensar no sonho de ter filhos e no congelamento de óvulos. Era tudo ao mesmo tempo. Consultamos especialistas em medicina reprodutiva e optamos por não fazer o congelamento de óvulos por uma série de questões, ia atrasar o início do tratamento, precisaria passar por mais exames e mais procedimentos. Já estava com uma lista e não queria mais coisas na minha cabeça. A médica que nos atendeu falou da possibilidade de inseminação artificial com banco de óvulos e, naquela época, nos pareceu uma solução boa. Diante da questão, me lembro de me pegar dizendo à medica que as características que gostaria que um filho (ou filha) puxassem de mim não era a cor do cabelo, dos olhos, mas valores, caráter, coisas que não são genéticas. Guardar material genético só para ter uma menina ou um menino que se parecesse comigo não fez sentido pra mim naquele momento. Tenho 10 anos de psicanálise. Imagina se eu não tivesse conseguido resolver essa questão da vaidade de ter uma criança parecida com a gente...”, brinca a jornalista.
E, então, Maíra deu início à quimioterapia, que ocorreu entre outubro de 2015 a abril de 2016. Na sequência, passou por uma cirurgia para retirar toda a mama esquerda. A cirurgia de reconstrução mamária foi imediata e realizada pelo plano de saúde. Depois, fez 25 sessões de radioterapia e agora, está na fase, de administrar uma vacina (anticorpo) que vai até março de 2017. “Essa vacina não tem efeito colateral. Além dela, tenho que tomar um comprimido – que integra a fase do tratamento chamada hormonioterapia – por 10 anos. Esse remédio me impede de engravidar pela possibilidade de causar malformação no feto”, explica. A jornalista conta que chegou a cogitar suspender a medicação, tentar engravidar e depois retomá-la, mas o oncologista que a acompanha não autorizou. “Imagino que seja uma conduta que pode variar de médico para médico”, salienta.
A verdade é que o casal que já tinha decidido ter um bebê resolveu não alterar os planos e, por isso, entrou na fila de adoção em março. “Meu tratamento foi tranquilo, não parei minha vida, continuou praticamente tudo igual, continuei estudando e trabalhando. Tive um ou outro mal-estar. Como sabemos que o processo de adoção é demorado, decidimos nos candidatar logo na esperança de, no final de 2016, já ter uma criança chegando pra gente. Minha vontade de ter um filho não mudou por causa do câncer de mama. Eu só mudei o caminho, mas esse desejo já fazia parte do nosso planejamento”, reforça.
Em julho, o casal passou por um curso e, na sequência, o juizado realizou uma visita na casa deles. “E aí foram marcadas as entrevistas com a assistente social e com a psicóloga em dias separados. Cada uma delas conversou sozinha comigo, sozinha com o Rafael e depois com nós dois juntos. Para você ter uma ideia, a primeira entrevista [com a assistente social] começou às 13h30 e saímos de lá depois de 16h30”, conta.
Maíra diz que quando chegou, na semana passada, para a conversa com a psicóloga ouviu dela que a assistente social havia feito um relatório dizendo que considerava cedo para o casal prosseguir com o processo de adoção e que o mais adequado era esperar o final do tratamento e “dar um tempo porque eu tinha acabado de passar por um trauma muito grande, que precisava digerir o processo para depois retornar com o andamento do processo de adoção”. O tratamento ao qual a assistente social se refere é o término da administração das vacinas, previsto para março do ano que vem.
A jornalista diz que ela e o marido não fizeram restrição de raça e nem de sexo, mas queriam uma criança de até oito meses, e isso fez Maíra crer que conseguiria mais rapidamente adotar um menino ou menina. “Na entrevista deixamos claros que a gente se sentia preparado, que o câncer de mama era uma página virada, que estou apenas cumprindo o protocolo de tratamento. Não tenho nenhuma crítica ao processo de adoção, a minha crítica é a forma como a sociedade olha o câncer de mama e esse estigma ter influenciado um parecer técnico. Não adiantou eu dizer que estava superado, que não foi uma drama na minha vida, que não foi traumático. Não bastou a assistente social me ver bem e saudável. Não foi suficiente. Ela olha pra mim e vê uma pessoa vítima de um trauma. O câncer não é a pior coisa que pode acontecer na vida de uma pessoa. Meu post no Facebook é neste sentido de a gente conseguir olhar para uma pessoa que teve ou está enfrentando um câncer e entender que é uma doença como várias outras. Essa pessoa que nos avaliou atribuiu um estado de sofrimento pelo qual a gente não está passando. Essa interpretação é por conta do estigma da doença”, explica.
Maíra diz que, no ano que vem, é provável que ela dê prosseguimento ao processo de adoção. Segundo ela, o mais difícil do tratamento é a queda de cabelo. “Está fazendo um ano que comecei a quimioterapia e sempre que sonho comigo estou de cabelo grande: sonho que estou penteando meu cabelo e que ele é grande. Esse é outro preconceito em relação à mulher, essa coisa de que não ‘podemos’ ter cabelo curto”, diz.
O que diz o TJ
A reportagem entrou em contato com as assessorias do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e do Fórum Lafayete e foi informada que os processos de adoção são sigilosos e que, por essa razão, não comentaria esse caso especificamente. A assessoria disse ainda que os critérios técnicos para adoção são públicos. (Clique e tire suas dúvidas na cartilha 'Adoção passo a passo', elaborada pela AMB - Associação dos Magistrados do Brasil). Sobre se doença é impeditivo para adoção, o departamento de comunicação afirmou que averiguaria e daria um retorno. Até o fechamento desta matéria, a dúvida não foi esclarecida.
Fique atenta
O câncer de mama é a segunda maior causa de morte de brasileiras. Em 2016, a estimativa é que 60 mil mulheres receberão o diagnóstico desse tipo de tumor. Quanto mais cedo o diagnóstico, maiores são as chances de cura. A recomendação da Sociedade Brasileira de Mastologia é de que mulheres com mais de 40 anos devem fazer a mamografia anualmente. Já o Ministério da Saúde não valida a inclusão de mulheres com 40 a 49 anos no rastreamento e justifica que a prática tem evidência limitada de redução da mortalidade e, por isso, recomenda o exame a partir dos 50 anos.