Os sintomas estão cada vez mais sérios. Aumento da temperatura, acidificação dos oceanos, exacerbação de desastres naturais, perda de biodiversidade, embranquecimento de corais, elevação do nível do mar, derretimento de geleiras... O diagnóstico é bem conhecido: o paciente sofre com a liberação de dióxido de carbono e outras substâncias poluentes há mais de um século e meio, desde a Revolução Industrial. O planeta, contudo, não adoece sozinho.
As evidências científicas indicam que o homem já está sofrendo, na pele, as consequências das mudanças climáticas. Para o futuro, caso a tendência de emissões de gases do efeito estufa se mantenha, a Terra será um desafio para a saúde humana. Projeções baseadas nos cenários divulgados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas mostram que o aumento de temperatura — que tem atingido níveis recordes mês a mês neste ano — está associado a doenças infecciosas, pulmonares, cardiovasculares e a óbitos por ondas de calor.
De acordo com o IPCC, caso não seja feito nada para deter o avanço das emissões, no próximo século, a temperatura pode ficar 4ºC acima dos níveis pré-industriais, um quadro considerado extremo, mas não impossível. “É como a queda de um avião. É algo muito raro de acontecer. Mas, pode acontecer. E, se o avião cai, todo mundo morre”, compara a enfermeira especialista em saúde pública Beatriz Oliveira, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Nessa semana, ela apresentou, no seminário Mudanças Climáticas e Biodiversidade, do Instituto Chico Mendes (ICMBio), um relatório que mostra as consequências desse cenário extremo para a saúde dos brasileiros.
O trabalho, produzido com a também investigadora da Fiocruz Sandra Hacon, faz parte do relatório Riscos de mudanças climáticas no Brasil e limites à adaptação, realizado com apoio da embaixada britânica no primeiro semestre. Com base em publicações do IPCC, do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), do Banco Mundial e da Organização Mundial da Saúde, além de artigos científicos, as pesquisadoras investigaram os impactos diretos (estresse por calor, morte por eventos extremos), os indiretos (mortalidade e morbidade por todas as causas e causas específicas), a distribuição de enfermidades vetoriais e a vulnerabilidade sociodemográfica e econômica, tendo como modelo um país 4ºC mais quente que no fim do século 19.
As projeções para esse cenário são dramáticas. Entre 1999 e 2000 — período usado para a comparação no trabalho — a sensação térmica no país já não era das melhores: enquanto no Sul, no Sudeste, em partes da Bahia e no Distrito Federal o estresse térmico era moderado, o restante do Brasil sofria com estresse por calor forte. Em 2090, todas as regiões estarão sob estresse muito forte ou extremo. Nessa última condição, da qual apenas o litoral escapará, a sobrevivência humana é praticamente impossível. “Algumas vacas conseguem viver no estresse extremo. Vacas”, ressalta Beatriz Oliveira.
A enfermeira explica que estresse por calor é uma condição fisiológica que ocorre quando o organismo não consegue mais manter a temperatura corporal. “Quando você está em um ambiente muito quente, o seu corpo vai suar para tentar dissipar o calor e manter sua temperatura entre 36,5ºC a 37ºC. Quando você está em um ambiente muito quente e muito úmido, o corpo começa a ter dificuldade de dissipar esse calor. Então, vai chegar um momento em que o organismo não consegue mais se adaptar àquela condição climática. O corpo entra em colapso e pode acontecer morte.”
Idosos e pobres sofrerão mais
“À medida que a temperatura sobre, as ondas de calor se tornarão mais frequentes e também poderão ser mais duradouras e severas. Essas ondas provocarão um aumento nas mortes, e os mais afetados serão os idosos, os que já têm a saúde fragilizada e as pessoas em situação de pobreza, sem acesso a ar-condicionado. Também haverá um aumento na frequência de eventos cardiovasculares devido às altas concentrações de ozônio na superfície — e esse é um poluente-chave no ar, conhecido por causar irritações nos pulmões. A distribuição de alérgenos também deve se expandir. E há a preocupação de que certas doenças infecciosas se espalhem devido ao clima mais quente. No passado, invernos frios ajudaram a mitigar a disseminação de algumas doenças. Finalmente, as mudanças climáticas vão trazer enchentes e chuvas excessivas, que podem aumentar o risco de enfermidades infecciosas e alérgicas.”
De infartos à zika
O cientista climático Bill Hare, presidente-executivo da organização australiana Instituto do Clima, adverte que o Brasil e o restante do mundo já podem ter uma ideia do que vem pela frente pela experiência australiana de 2009, quando o país sofreu sua pior onda de calor da história, com temperatura máxima até 15°C acima da média em Victoria, e os termômetros ultrapassando os 43ºC em Melbourne durante três dias.
Durante esse evento, houve 46% mais chamados de emergência e aumento de 34 vezes das condições associadas ao calor (como desmaios e desidratação). As ocorrências de paradas cardíacas entre 26 de janeiro e 1º de fevereiro daquele ano foram 2,8 vezes maiores que a média. No total, houve 374 óbitos a mais na população acima de 75 anos, comparado a 2008. A situação foi tão crítica que os hospitais e funerárias em Victoria não tinham mais onde acomodar os corpos. “As ondas de calor já estão durando mais tempo que no passado, com consequências graves para a saúde humana e a produtividade na Austrália e no globo”, diz Hare.
Há duas semanas, o Instituto do Clima divulgou um novo relatório sobre os impactos do aquecimento global, mostrando que basta 0,5°C a mais na média de temperatura para piorar um cenário já drástico. “Você começa a perceber a influência das mudanças climáticas na vida dos indivíduos em vários setores, e na saúde também”, concorda a especialista em saúde pública Beatriz Oliveira, da Fiocruz. “Por exemplo, mudanças de aves migratórias, que traz aumento de epidemias; mudanças nos padrões do El Niño, desastres naturais; chuvas excessivas, que aumentam os casos de leptospirose... Não podemos dizer que foram as alterações climáticas que causaram, mas elas influenciam”, diz.
Em um futuro de temperaturas extremas, epidemias de doenças disseminadas por mosquitos, como o Aedes aegypit, poderão se intensificar. O calor excessivo no Norte e no Centro-Oeste devem afastar o vetor, mas, no resto do país, as condições se mantêm favoráveis à reprodução do mosquito. Contudo, é possível que uma espécie ainda não existente no Brasil, o Aedes albopictus, aproveite a falta de concorrência do Aedes aegypit para chegar ao país e transmitir os agentes patógenos de dengue, zika e chicungunha, por exemplo.
“Ele pode se tornar um potencial vetor. Alguns estudos mostram que ele é mais resistente a algumas condições ambientais, incluindo a temperatura. O ruim desse vetor é que o Aedes aegypit é urbano, mas o albopictus não. Ele transita tanto na área urbana quanto na rural, então pode tanto propagar essas doenças para a área rural como trazer novos vírus para dentro da cidade”, diz a pesquisadora.
As evidências científicas indicam que o homem já está sofrendo, na pele, as consequências das mudanças climáticas. Para o futuro, caso a tendência de emissões de gases do efeito estufa se mantenha, a Terra será um desafio para a saúde humana. Projeções baseadas nos cenários divulgados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas mostram que o aumento de temperatura — que tem atingido níveis recordes mês a mês neste ano — está associado a doenças infecciosas, pulmonares, cardiovasculares e a óbitos por ondas de calor.
De acordo com o IPCC, caso não seja feito nada para deter o avanço das emissões, no próximo século, a temperatura pode ficar 4ºC acima dos níveis pré-industriais, um quadro considerado extremo, mas não impossível. “É como a queda de um avião. É algo muito raro de acontecer. Mas, pode acontecer. E, se o avião cai, todo mundo morre”, compara a enfermeira especialista em saúde pública Beatriz Oliveira, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Nessa semana, ela apresentou, no seminário Mudanças Climáticas e Biodiversidade, do Instituto Chico Mendes (ICMBio), um relatório que mostra as consequências desse cenário extremo para a saúde dos brasileiros.
O trabalho, produzido com a também investigadora da Fiocruz Sandra Hacon, faz parte do relatório Riscos de mudanças climáticas no Brasil e limites à adaptação, realizado com apoio da embaixada britânica no primeiro semestre. Com base em publicações do IPCC, do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), do Banco Mundial e da Organização Mundial da Saúde, além de artigos científicos, as pesquisadoras investigaram os impactos diretos (estresse por calor, morte por eventos extremos), os indiretos (mortalidade e morbidade por todas as causas e causas específicas), a distribuição de enfermidades vetoriais e a vulnerabilidade sociodemográfica e econômica, tendo como modelo um país 4ºC mais quente que no fim do século 19.
As projeções para esse cenário são dramáticas. Entre 1999 e 2000 — período usado para a comparação no trabalho — a sensação térmica no país já não era das melhores: enquanto no Sul, no Sudeste, em partes da Bahia e no Distrito Federal o estresse térmico era moderado, o restante do Brasil sofria com estresse por calor forte. Em 2090, todas as regiões estarão sob estresse muito forte ou extremo. Nessa última condição, da qual apenas o litoral escapará, a sobrevivência humana é praticamente impossível. “Algumas vacas conseguem viver no estresse extremo. Vacas”, ressalta Beatriz Oliveira.
A enfermeira explica que estresse por calor é uma condição fisiológica que ocorre quando o organismo não consegue mais manter a temperatura corporal. “Quando você está em um ambiente muito quente, o seu corpo vai suar para tentar dissipar o calor e manter sua temperatura entre 36,5ºC a 37ºC. Quando você está em um ambiente muito quente e muito úmido, o corpo começa a ter dificuldade de dissipar esse calor. Então, vai chegar um momento em que o organismo não consegue mais se adaptar àquela condição climática. O corpo entra em colapso e pode acontecer morte.”
Idosos e pobres sofrerão mais
“À medida que a temperatura sobre, as ondas de calor se tornarão mais frequentes e também poderão ser mais duradouras e severas. Essas ondas provocarão um aumento nas mortes, e os mais afetados serão os idosos, os que já têm a saúde fragilizada e as pessoas em situação de pobreza, sem acesso a ar-condicionado. Também haverá um aumento na frequência de eventos cardiovasculares devido às altas concentrações de ozônio na superfície — e esse é um poluente-chave no ar, conhecido por causar irritações nos pulmões. A distribuição de alérgenos também deve se expandir. E há a preocupação de que certas doenças infecciosas se espalhem devido ao clima mais quente. No passado, invernos frios ajudaram a mitigar a disseminação de algumas doenças. Finalmente, as mudanças climáticas vão trazer enchentes e chuvas excessivas, que podem aumentar o risco de enfermidades infecciosas e alérgicas.”
De infartos à zika
O cientista climático Bill Hare, presidente-executivo da organização australiana Instituto do Clima, adverte que o Brasil e o restante do mundo já podem ter uma ideia do que vem pela frente pela experiência australiana de 2009, quando o país sofreu sua pior onda de calor da história, com temperatura máxima até 15°C acima da média em Victoria, e os termômetros ultrapassando os 43ºC em Melbourne durante três dias.
Durante esse evento, houve 46% mais chamados de emergência e aumento de 34 vezes das condições associadas ao calor (como desmaios e desidratação). As ocorrências de paradas cardíacas entre 26 de janeiro e 1º de fevereiro daquele ano foram 2,8 vezes maiores que a média. No total, houve 374 óbitos a mais na população acima de 75 anos, comparado a 2008. A situação foi tão crítica que os hospitais e funerárias em Victoria não tinham mais onde acomodar os corpos. “As ondas de calor já estão durando mais tempo que no passado, com consequências graves para a saúde humana e a produtividade na Austrália e no globo”, diz Hare.
Há duas semanas, o Instituto do Clima divulgou um novo relatório sobre os impactos do aquecimento global, mostrando que basta 0,5°C a mais na média de temperatura para piorar um cenário já drástico. “Você começa a perceber a influência das mudanças climáticas na vida dos indivíduos em vários setores, e na saúde também”, concorda a especialista em saúde pública Beatriz Oliveira, da Fiocruz. “Por exemplo, mudanças de aves migratórias, que traz aumento de epidemias; mudanças nos padrões do El Niño, desastres naturais; chuvas excessivas, que aumentam os casos de leptospirose... Não podemos dizer que foram as alterações climáticas que causaram, mas elas influenciam”, diz.
Em um futuro de temperaturas extremas, epidemias de doenças disseminadas por mosquitos, como o Aedes aegypit, poderão se intensificar. O calor excessivo no Norte e no Centro-Oeste devem afastar o vetor, mas, no resto do país, as condições se mantêm favoráveis à reprodução do mosquito. Contudo, é possível que uma espécie ainda não existente no Brasil, o Aedes albopictus, aproveite a falta de concorrência do Aedes aegypit para chegar ao país e transmitir os agentes patógenos de dengue, zika e chicungunha, por exemplo.
“Ele pode se tornar um potencial vetor. Alguns estudos mostram que ele é mais resistente a algumas condições ambientais, incluindo a temperatura. O ruim desse vetor é que o Aedes aegypit é urbano, mas o albopictus não. Ele transita tanto na área urbana quanto na rural, então pode tanto propagar essas doenças para a área rural como trazer novos vírus para dentro da cidade”, diz a pesquisadora.