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Estudos mostram problemas sociais e psicológicos em dependentes do crack

O perfil ajuda na criação de políticas de prevenção ao vício e de estratégias de tratamento eficazes

Vilhena Soares
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Longe da sala de aula, perto de mazelas sociais e familiares, do álcool e do tabaco desmedidos. Assim, jovens brasileiros afundam-se no vício do crack, indicam estudos científicos. Além de traçar o perfil dessas pessoas — elas representavam 14% dos dependentes da droga em 2014 —, as pequisas servem de parâmetro para o desenvolvimento de medidas de prevenção e tratamentos mais eficazes, defendem os próprios cientistas e outros especialistas da área.

“Muitas têm problemas mentais desde criança. Isso mostra a necessidade de um tratamento integrado. Acredito que o grande ponto é você fazer com que os dependentes, que moram na rua ou passam boa parte do tempo nelas, procurem os locais de assistência social e de tratamento que estão próximos. São dois braços: as pessoas perto das comunidades e as equipes multiprofissionais”, defende Francisco Inacio Bastos, pesquisador da Fiocruz e um dos autores de um estudo, realizado a pedido do Ministério da Justiça, que fez uma espécie de raios X do uso do crack no país.

Constatou-se que cerca de 370 mil brasileiros eram, em 2014, dependentes de crack e de drogas similares, como a merla e a pasta base de cocaína. Desse total, cerca de 50 mil eram crianças e adolescentes. Em busca de mais informações quanto às origens do vício em jovens, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) entrevistaram 90 adolescentes internados em duas clínicas de reabilitação entre 2011 e 2012.
As taxas altas de distúrbios psicológicos, como transtorno de conduta e transtorno de deficit de Atenção e hiperatividade, chamaram a atenção da equipe.

“No perfil psicossocial, a grande maioria tem problemas familiares e baixa escolaridade. Para muitos, o crack é mais uma das dificuldades enfrentadas, algo que transformou tudo em um grande caos social. Por isso, combater a dependência dessa droga é algo muito complexo”, explicou ao Correio Thiago Pianca, psiquiatra do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e um dos autores do estudo, publicado recentemente na revista internacional The Journal of Clinical Psychiatry.

Pianca ressalta que resultados de outros trabalhos científicos, incluindo os que indicam índices altos de recaída após internações, reforçam a necessidade de mudanças na estratégia de tratamento. “O que criticamos é que as internações são curtas e não têm as condições ideais. Não estamos dizendo que não são necessárias, são importantes e, em algumas situações, indispensáveis, mas precisam ter uma estrutura que permita a essas pessoas ter uma vida diferente”, destacou.

Segundo o psiquiatra, o envolvimento de outros especialistas no tratamento de intoxicação é um dos pontos mais importantes. “Os problemas mais frequentes que detectamos, como falta de trabalho, desestruturas familiares e prisões, mostram como a situação pode ser grave. Para isso, você precisa de um assistente social, de alguém que trabalhe na área de direito, de um psicólogo, ou seja, todo tipo de ajuda é necessário”, complementou.

Helena Moura, psiquiatra especialista em dependência química, também acredita que um acompanhamento multidisciplinar é essencial para a recuperação de dependentes do crack. “Com essa pesquisa, vimos que a maioria dos jovens tem algum problema psiquiátrico. Na maioria das vezes, só um psiquiatra faz o acompanhamento do paciente, mas ele precisa da ajuda de outros profissionais. Temos que mudar isso, precisamos de outros especialistas que estejam presentes durante a internação e na pós-alta, além do apoio da equipe do serviço social, que abordará os problemas sociais detectados na pesquisa.”

Obstáculos
Segundo Francisco Inacio Bastos, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAS) e os Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) são os locais mais procurados pelos dependentes químicos, mas a demanda por tratamento especializado, como as clínicas, costuma ser baixa, apesar de o estudo do qual ele participou mostrar que 78,9% dos usuários tinham o interesse de se tratar. “Acreditamos que isso ocorre porque é difícil ultrapassar a barreira do preconceito e encontrar ajuda. Há também o fator econômico. Vimos muito isso em Brasília, em que as pessoas das regiões administrativas enfrentavam mais dificuldade porque faltava dinheiro para chegar a esses locais, localizados no Plano Piloto”, exemplificou.

O pesquisador acrescenta novas demandas também urgentes aos dependentes do crack.
“Essas pessoas surgem com muitos problemas físicos, como feridas e problemas respiratórios. Precisam de assistência odontológica porque o processo de ingestão da droga queima a gengiva e faz com que elas adquiram muitas cáries. Imagine aquela substância vaporizada, com cerca de 40 graus de temperatura, queimando a boca”, complementou. Segundo ele, uma nova pesquisa será divulgada ainda neste ano com dados em nível municipal. “Essas novas informações mostrarão qual o tipo de substância usada em cada região, por exemplo. Dessa forma, acredito que contribuiremos em melhores estratégias de combate a essa substância.”

Ingresso por drogas lícitas
As pesquisas da Fiocruz e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul constataram que drogas  como tabaco, álcool e maconha costumam ser a primeira dependência dos jovens que ficam reféns do crack. Além disso, quanto mais cedo o contato com essas primeiras substâncias, mais vulnerável a pessoa fica.  Há, inclusive,  uma orientação preventiva. “Nossos cálculos mostraram que cada ano que se retarda para o uso da droga pode reduzir em 18% a chance de o vício ocorrer”, explicou Thiago Pianca, psiquiatra do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e um dos autores do estudo gaúcho.

A psiquiatra Helena Moura também destaca que o uso de drogas lícitas na juventude necessita de mais atenção e vigilância dos adultos. “São substâncias legalizadas, muitas vezes apresentadas pelos familiares. Temos pais que dizem preferir que os filhos usem do lado deles do que longe, por exemplo.
Isso é muito perigoso porque o jovem está com o cérebro ainda em desenvolvimento, a experiência pode fazer com que ele fique ainda mais predisposto a usar substâncias tóxicas”, alertou.

José Silva Pinto, 63 anos, começou assim. Aos 13 anos, em Belém. “Usei primeiro a maconha e fui para cocaína. Depois, a merla e o crack. Usei muito pouco, mas achei a mais pesada. As drogas me levaram para o crime e para a cadeia. Respondi diversos processos, mas, com a espiritualidade, consegui me libertar”, conta.

Agora, usa a liberdade para ajudar outros que se prenderam ao vício. Há quase 10 anos, José comanda com a mulher, Maria Lúcia Souza, 54, o Centro de Recuperação Salomão, em Planaltina. A clínica já antendeu mais  de  700 mulheres.  “Acho que quem se envolve com drogas sofre com problemas de autoestima e, por isso, precisa de apoio, de pessoas com que possa contar. Só quando senti mais confiança, por meio da religião, consegui largar o vício”, diz. Atualmente, o casal busca dar auxilio a homens, mas enfrenta dificuldades porque vive de doações. “Trabalhamos com ajuda e estamos recebendo pouco. Tanto que, no momento, só temos um jovem morando conosco, mas seguimos com nosso trabalho, dando auxílio e com esperança de melhoras no futuro”, relatou Maria Lúcia..