Na primeira infância, é quase impossível não passar por ela. Estimativas indicam que 90% das crianças com até 7 anos de idade foram acometidas pelo menos uma vez na vida pela otite média, e que 75% terão sofrido ao menos três episódios. Dificulta ainda mais a situação a forma como se dá a intervenção usual contra essa infecção do ouvido: ingestão de antibióticos por, em média, 10 dias, geralmente a cada oito horas. Cientistas dos Estados Unidos trabalham em uma solução que tem condições de revolucionar esse tratamento. A proposta, detalhada na edição de hoje da revista Science Translational Medicine, é aplicar apenas uma gota de medicamento no ouvido do paciente e pôr fim à complicação.
“Colocar o antibiótico na boca de uma criança é como uma arte marcial”, brincou Daniel Kohane, investigador sênior do estudo e diretor do Laboratório de Biomateriais e Entrega de Drogas do Hospital Infantil de Boston. “Com o gel que criamos, o pediatra pode administrar todo o medicamento de uma só vez e apenas quando for necessário”, completou Rong Yang, que trabalha com Kohane e é o primeiro autor do estudo. A solução proposta tem em sua composição a ciprofloxacina, substância antibiótica usada também para tratar pneumonia, sinusite e infecção urinária, mas, em formato usual, não indicada para crianças.
O gel foi testado em 10 chinchilas, roedores que têm uma estrutura de audição e do ouvido semelhante à dos humanos. Os animais estavam contaminados pela bactéria Haemophilus influenzae, causadora frequente da otite média em meninos e meninas — a infecção também pode ser provocada por vírus. Mesmo com baixa concentração do antibiótico, o gel curou 100% das cobaias. Gotas da mesma substância aplicadas de forma tradicional durante sete dias em oito chinchilas eliminaram o problema em cinco delas, ou seja, tiveram uma eficácia de 62,5%.
Passando o tímpano
Quando aplicadas no ouvido, as drogas em formato usual geralmente são bloqueadas pelo tímpano, não chegando ao local infectado pelo vírus ou pela bactéria. Por isso a opção de tratar os pacientes com a ingestão oral de antibióticos. O gel criado pela equipe da universidade norte-americana contém uma gordura que ajuda o medicamento a atravessar a membrana timpânica. Além disso, a solução, que contou com os avanços da bioengenharia, endurece rapidamente no local em que é aplicada e vai liberando a ciprofloxacina gradualmente.
Os cientistas não constataram toxicidade considerável nos animais nem detectaram a droga na corrente sanguínea deles. Houve uma ligeira perda de audição, mas, segundo a equipe de estudiosos, similar ao que é provocado pela presença de cera no órgão auditivo. Quando o gel foi ministrado em menor quantidade, a complicação reduziu. Esses resultados indicam que um futuro tratamento em humanos não afetaria o corpo inteiro do paciente, que também seria poupado dos efeitos colaterais da terapia padrão, como diarreia e erupções cutâneas.
Coautor da pesquisa, Stephen Pelton ressaltou que o novo tratamento também poderá ajudar a evitar um dos problemas de saúde que mais preocupam as autoridades da área: a redução da eficiência dos antibióticos. “A entrega transtimpânica (em gel) de antibiótico para o ouvido médio tem o potencial de permitir que as crianças se beneficiem da atividade antibacteriana rápida de agentes antimicrobianos sem a exposição sistêmica (ao medicamento) e poderá reduzir o surgimento de micróbios resistentes”, explicou. No tratamento tradicional, há o risco de os pais suspenderam a ingestão do medicamento quando os filhos apresentam melhoras, comportamento que ajuda nas adaptações do micro-organismo ao remédio usado.
Projeções da pesquisa Comission Antimicrobial Resistence (AMR), comandada pelo economista Jim O’Neill e divulgada no ano passado, indicam que, em 2050, as mortes anuais relacionadas a infecções por superbactéria chegarão a 10 milhões, a um custo de US$ 100 trilhões — o registro atual é de cerca de 700 mil óbitos. Para se ter uma ideia, as complicações em decorrência de cânceres tiram a vida de 8,2 milhões de pessoas no planeta.
Embora mais estudos sejam necessários até o antibiótico em gel chegar a hospitais e farmácias, Kohane planeja começar os testes com humanos nos próximos meses. Para isso, busca parcerias a fim de formar uma empresa que ajude na produção em maior escala do medicamento. “Nossa esperança é que isso mudará totalmente a forma como infecções de otite média são tratadas”, disse.
“Colocar o antibiótico na boca de uma criança é como uma arte marcial”, brincou Daniel Kohane, investigador sênior do estudo e diretor do Laboratório de Biomateriais e Entrega de Drogas do Hospital Infantil de Boston. “Com o gel que criamos, o pediatra pode administrar todo o medicamento de uma só vez e apenas quando for necessário”, completou Rong Yang, que trabalha com Kohane e é o primeiro autor do estudo. A solução proposta tem em sua composição a ciprofloxacina, substância antibiótica usada também para tratar pneumonia, sinusite e infecção urinária, mas, em formato usual, não indicada para crianças.
O gel foi testado em 10 chinchilas, roedores que têm uma estrutura de audição e do ouvido semelhante à dos humanos. Os animais estavam contaminados pela bactéria Haemophilus influenzae, causadora frequente da otite média em meninos e meninas — a infecção também pode ser provocada por vírus. Mesmo com baixa concentração do antibiótico, o gel curou 100% das cobaias. Gotas da mesma substância aplicadas de forma tradicional durante sete dias em oito chinchilas eliminaram o problema em cinco delas, ou seja, tiveram uma eficácia de 62,5%.
Passando o tímpano
Quando aplicadas no ouvido, as drogas em formato usual geralmente são bloqueadas pelo tímpano, não chegando ao local infectado pelo vírus ou pela bactéria. Por isso a opção de tratar os pacientes com a ingestão oral de antibióticos. O gel criado pela equipe da universidade norte-americana contém uma gordura que ajuda o medicamento a atravessar a membrana timpânica. Além disso, a solução, que contou com os avanços da bioengenharia, endurece rapidamente no local em que é aplicada e vai liberando a ciprofloxacina gradualmente.
Os cientistas não constataram toxicidade considerável nos animais nem detectaram a droga na corrente sanguínea deles. Houve uma ligeira perda de audição, mas, segundo a equipe de estudiosos, similar ao que é provocado pela presença de cera no órgão auditivo. Quando o gel foi ministrado em menor quantidade, a complicação reduziu. Esses resultados indicam que um futuro tratamento em humanos não afetaria o corpo inteiro do paciente, que também seria poupado dos efeitos colaterais da terapia padrão, como diarreia e erupções cutâneas.
Coautor da pesquisa, Stephen Pelton ressaltou que o novo tratamento também poderá ajudar a evitar um dos problemas de saúde que mais preocupam as autoridades da área: a redução da eficiência dos antibióticos. “A entrega transtimpânica (em gel) de antibiótico para o ouvido médio tem o potencial de permitir que as crianças se beneficiem da atividade antibacteriana rápida de agentes antimicrobianos sem a exposição sistêmica (ao medicamento) e poderá reduzir o surgimento de micróbios resistentes”, explicou. No tratamento tradicional, há o risco de os pais suspenderam a ingestão do medicamento quando os filhos apresentam melhoras, comportamento que ajuda nas adaptações do micro-organismo ao remédio usado.
Projeções da pesquisa Comission Antimicrobial Resistence (AMR), comandada pelo economista Jim O’Neill e divulgada no ano passado, indicam que, em 2050, as mortes anuais relacionadas a infecções por superbactéria chegarão a 10 milhões, a um custo de US$ 100 trilhões — o registro atual é de cerca de 700 mil óbitos. Para se ter uma ideia, as complicações em decorrência de cânceres tiram a vida de 8,2 milhões de pessoas no planeta.
Embora mais estudos sejam necessários até o antibiótico em gel chegar a hospitais e farmácias, Kohane planeja começar os testes com humanos nos próximos meses. Para isso, busca parcerias a fim de formar uma empresa que ajude na produção em maior escala do medicamento. “Nossa esperança é que isso mudará totalmente a forma como infecções de otite média são tratadas”, disse.