

saiba mais
Segundo o especialista, a origem desse hábito está na necessidade de tornar o ambiente mais acolhedor e íntimo, algo parecido com o desejo de decorar o escritório com itens pessoais. “Há algo sobre nossos bens que os tornam nossa identidade, o que somos”, explica ao Correio. O problema é que, para alguns indivíduos, essa relação entre objetos e identidade pode se tornar um problema, a ponto de qualquer quinquilharia se tornar demasiadamente importante.
Impacto
Para investigar o tema, Ferrari e colegas contaram com a participação de 1.600 adultos que moram nos Estados Unidos e no Canadá e que já tinham procurado ajuda de uma entidade que ajuda pessoas com o problema. A média de idade dos participantes era de 54 anos, a maioria era casada e 78% eram proprietários do local onde moravam. O primeiro ponto que chamou a atenção dos autores foi a pouca procura de homens no serviço de apoio.

Os voluntários responderam a um questionário que abordava tanto aspectos sobre a casa quanto fatores emocionais. Os resultados, publicados na revista especializada Journal of Enviromental Psychology, mostraram que a maioria das pessoas tinha dificuldade em apontar sensações positivas ligadas ao lar, como considerá-lo seguro. Além disso, foram baixos os níveis de bem-estar e altos os sinais de problemas nos relacionamentos sociais.
“À medida que a desordem cresce, ela exige mais atenção. Tudo que importa é forçado a sair de sua vida. Você para de ver seus amigos, de ver a sua família, não trabalha mais tanto. Quando temos muitas posses, elas podem se transformar em desordem, e mostramos com o estudo que isso tem um impacto”, detalha Ferrari.
Descontrole
É importante ressaltar que guardar alguns objetos desnecessários não torna ninguém problemático. Afinal, como o pesquisador explica, itens ligados a momentos relevantes ganham importância e se tornam uma parte da identidade de cada um. É absolutamente esperado, portanto, que as gavetas da escrivaninha acabem recheadas.
O sinal de alerta deve acender quando o acúmulo foge do controle e passa a prejudicar outras áreas da vida. “Quando ele começa a interromper a vida e ganhar prioridade sobre seus relacionamentos, você precisa fazer alguma coisa. Esse é o problema com a desordem. Ela pode perturbar o seu senso de casa e sua capacidade de se relacionar com os outros”, frisa o professor.
Segundo Murilo Carvalho Lobato, psiquiatra do Instituto Castro e Santos, em Brasília, esse comportamento pode ser interpretado como uma espécie de sintoma para problemas internos. “Esse trabalho mostra como a construção do ambiente é um reflexo da natureza psíquica. Se você está com a mente desorganizada, ela reflete em um ambiente desorganizado”, observa o especialista, que não participou do estudo. “Ao fazer vínculos com objetos, a pessoa demonstra uma carência, uma espécie de amor perdido.”
Embora considere o estudo interessante, Helio Machado Lopéz, psicólogo do Quiron Instituto de Desenvolvimento Humano e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), pondera que o perfil desses indivíduos precisa ser analisado com cuidado. “É preciso saber quais são as motivações. Pode ter ligação, por exemplo, com uma relação ruim com a família ou com perdas que ele teve”, observa Lopéz. O psicólogo, que também não participou da pesquisa, acredita que o assunto precisa ser mais estudado e que é muito importante evitar rotular as pessoas, dando prioridade à compreensão dos processos que elas vivem. “Às vezes, a desorganização é uma tentativa que a pessoa está fazendo para se organizar”, ressalta.
Menos apego
Como próximo passo, os autores do estudo pretendem analisar um número maior de voluntários, já que a amostra usada era composta apenas por pessoas que procuraram ajuda profissional e já tinham algum entendimento sobre o problema. “O que me atraiu para esse tema foi a possibilidade de ajudar. Eu realmente quero que o público entenda o que está acontecendo. Capacidade de gestão, praticidade e o apego saudável é o que separa coleções pessoais de desordem prejudicial”, destaca Ferrari.
Lobato concorda com a importância de se estudar o tema. “É um problema que aparece progressivamente, e os parentes vão aceitando. Quando você vê, ganhou um tamanho maior e fica difícil quebrar esse hábito”, alerta o psiquiatra, que recomenda: “Olhe para os objetos que você não precisa usar depois de seis ou nove meses. Não espere morrer para deixar suas coisas para amigos e familiares. Doe-as enquanto você estiver vivo, para que possa ver a alegria dos outros ao recebê-las. Não precisamos de várias cópias da mesma coisa.Viva em abundância, sem a abundância”.