A enquete, que vai nortear as próximas campanhas da SBD, foi feita com 600 internautas, incluindo 145 pacientes. Dez por cento dos participantes não sabiam dizer se tinham a doença. O resultado mostrou que a compreensão da gravidade do diabetes é baixa.
“O infarto agudo do miocárdio tem uma prevalência de duas a quatro vezes maior nos diabéticos do que na população em geral, e as pessoas não se dão conta disso”, surpreende-se a endocrinologista Márcia Queiroz, do Hospital das Clínicas de São Paulo e da SBD. “A segunda maior causa de diálise no Brasil é o diabetes. Nossos pacientes com diabetes estão indo para a diálise em uma idade economicamente ativa, estão infartando e morrendo de problemas cardiovasculares em uma idade produtiva. Esse desconhecimento chama muito a atenção”, diz. A médica também destaca que o acidente vascular cerebral (AVC) é de duas a quatro vezes mais frequente nos pacientes de diabetes.
Para o presidente do Departamento de Diabetes da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), Walter José Minicucci, os resultados da pesquisa são preocupantes. “Embora esperasse algum nível de desconhecimento, ficamos surpresos com o grau de desinformação. O diabetes está sendo olhado como uma doença que não é grave”, observa. Sem considerar a gravidade do mal, quem não se preocupa em prevenir e quem tem a doença pode não levar o tratamento — que é para a vida toda — tão a sério. “O problema é que, como o tipo 2 da doença (que tem maior prevalência) demora a mostrar os sinais, as pessoas vão levando a vida normalmente até começarem a pagar um preço alto”, diz Minicucci.
Urgência
A bibliotecária aposentada Elair Lopes Alcântara Gomes, 57 anos, sabe bem que a doença pode ter consequências graves. Ela tem o tipo 1, que, geralmente, surge na infância.
Elair conta que, antes de se descobrir diabética, tinha pouco conhecimento sobre a doença. Hoje, em tratamento com uma endocrinologista, sabe o que precisa fazer para controlá-la, mas, mesmo conhecendo as consequências do diabetes não tratado, confessa que, às vezes, escorrega nas recomendações. “É muito difícil controlar a alimentação. De vez em quando, como carboidrato mesmo.
Impacto de estigmas e falhas políticas
O endocrinologista Flávio A. Cadegiani, membro da Associação Brasileira para Estudos da Obesidade e da Associação Americana de Endocrinologistas Clínicos, entre outras, lamenta que as estratégias educativas sobre a doença não sejam comuns no Brasil. Nos Estados Unidos, onde fez alguns cursos de especialização, o médico conta que os programas de educação em diabetes são considerados tão ou mais importantes que o tratamento médico. “Aqui, não temos quase nada do tipo. Nem os profissionais sabem fazer o preparo dos pacientes para a educação em diabetes. Há apenas alguns programas isolados”, critica.
Procurado pelo Correio, o Ministério da Saúde não informou em quantas unidades vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) o serviço é oferecido. Por meio da Assessoria de Imprensa, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal disse que, além do Hospital Regional de Taguatinga (referência no tratamento de diabetes), outras unidades de saúde disponibilizam o programa de educação. “O paciente deve procurar o Centro de Saúde mais próximo da sua residência, falar com o enfermeiro responsável pelo Programa de Diabetes, que prestará todas as informações pertinentes e o que está disponível de atividades na unidade”, disse, em nota. No DF, há 150 mil pessoas com diabetes.
Para Flávio A. Cadegiani, a falta de informação reforça os estigmas sobre o diabetes, atrapalhando ainda mais o tratamento. “Os pacientes têm um mecanismo de negação muito grande. Eles não querem admitir que têm uma doença”, diz. O médico lamenta a situação, lembrando da importância de se começar a tratar o distúrbio metabólico antes que a enfermidade se instale. “Na verdade, o diabetes não é uma doença, é a fase final de uma doença, quando já começa a haver a falência das células que produzem insulina”, lembra.
O presidente do Departamento de Diabetes da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), Walter José Minicucci, critica a falta de campanhas por parte do governo federal, que não tem estratégias de comunicação sobre a doença, assim como faz com HIV/Aids e tuberculose, por exemplo. “As campanhas acabam nas mãos das sociedades médicas e de pacientes, que têm um orçamento limitado. O governo fala muito pouco sobre diabetes, mas deveria olhar mais para isso. Essa doença é o primeiro caso de cegueira não causada por traumas, a primeira causa de amputação de membros inferiores, a primeira causa de insuficiência renal. Ou partimos para uma medicina preventiva, os custos com as complicações se tornarão impagáveis.”
Foco na diabesidade
Em outubro, Brasília vai sediar o primeiro simpósio de diabesidade do Brasil. O termo, recente, é formado pela junção das palavras diabetes e obesidade, pois, hoje, os especialistas consideram que são condições intimamente ligadas. “Do ponto de vista metabólico, é quase impossível separar uma da outra. Menos de 3% dos pacientes de diabetes 2 não têm síndrome metabólica (caracterizada por obesidade, entre outros sintomas)”, diz o endocrinologista Flávio A. Cadegiani, que vai presidir o simpósio. De acordo com ele, os novos tratamentos já buscam atacar as duas frentes, ao mesmo tempo.