Você sabe o que é ortorexia?

A busca pela alimentação mais natural é uma excelente escolha. O alerta soa quando a pessoa deixa de frequentar bares e restaurantes por medo do que é servido, para de visitar amigos e familiares em função da restrição da dieta. A ortorexia é considerada um transtorno obsessivo-compulsivo ou disfunção alimentar

por Gustavo Perucci 11/09/2016 08:53

Há limite na busca pela saúde perfeita? Por mais estranha que possa parecer, a resposta é sim. Todas as pessoas que procuram se alimentar bem e praticar exercícios rotineiramente, entre outras atitudes e mudanças de comportamento que visam equilibrar o corpo e mente, têm a melhor das intenções. Evitar a ingestão de agrotóxicos, conservantes, hormônios, açúcar, corantes, sal em excesso, álcool e gorduras trans é, sem a menor sombra de dúvida, benéfico. O problema é quando a idealização do estilo de vida saudável beira a compulsão, podendo, inclusive, resultar num quadro de desnutrição. Essa falta de controle tem nome: ortorexia nervosa.

Quinho / EM / D.A Press
(foto: Quinho / EM / D.A Press)


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Ainda pouco conhecido, o termo foi cunhado em 1997 pelo médico norte-americano Steve Bratman para definir o transtorno que acomete, a cada dia, mais pessoas pelo mundo. Orthos vem do grego e significa correto, e orexis, apetite. Este último também compõe o nome de anorexia, mas as duas condições se diferem, mesmo apresentando similaridades.

Quando a busca por se sentir bem, comendo apenas alimentos ‘limpos’, restringe muito a variedade e a quantidade do que se ingere, é real a possibilidade de desnutrição. Mas a ortorexia nervosa vai além disso, flutuando entre ser um transtorno obsessivo-compulsivo alimentar e uma disfunção alimentar.

Você gasta vários minutos conferindo as informações nutricionais de tudo o que come? Deixa de frequentar lanchonetes, bares e restaurantes por medo do que é servido, quais equipamentos foram usados na cozinha e dúvidas sobre o processo de cada item do prato? Para de visitar amigos e familiares por causa das restrições da dieta? Está com as unhas fracas e queda acentuada de cabelo? Vê-se a cada dia mais preso e ocupado com suas refeições? Cuidado! Pode ser ortorexia.

Em um mundo onde a indústria alimentícia e o agronegócio dão preferência aos lucros à qualidade do que oferecem aos clientes, fast foods pipocam em toda esquina e o tempo é cada vez mais escasso para se preparar uma alimentação em casa, fica difícil não se render à comodidade de esquentar uma lasanha pronta no micro-ondas. Por isso, é realmente importante que as pessoas busquem hábitos saudáveis e conscientes social e economicamente. Mas, como martela o ditado popular, tudo em excesso faz mal. Inclusive quando o propósito é nobre.

Beto Novaes/EM/D.A PRESS - 2/11/05
Salada, com folhas e legumes é muito bom para a saúde, mas restringir a alimentação somente a ela pode gerar perda nutricional ao organismo (foto: Beto Novaes/EM/D.A PRESS - 2/11/05)


Desequilíbrio em busca do equilíbrio
Como o ortoréxico é uma pessoa atenta à qualidade de vida e da alimentação, muitas vezes não percebe o quanto está neurótico em rótulos, marcas e na vida social

Tudo começa bem. Buscando melhor qualidade de vida, repensamos nosso hábitos, procuramos informações sobre atividades físicas e dietas equilibradas. No prato, vegetais orgânicos dão lugar à carne vermelha. Frituras, doces, gordura e refrigerantes são substituídos por alimentos crus, frutas e sucos naturais. Quem seria capaz de criticar uma atitude como essa num mundo cada vez mais rendido aos alimentos industrializados, cheios de produtos químicos, conservantes, acidulantes, realçadores de sabor, sal e açúcar? Com o tempo, porém, o ideal do que é ser saudável passa a ser uma obsessão, limitando cada vez mais o cardápio. No final, as refeições se tornam tão restritas em quantidade e variedade, que acabamos ficando desnutridos.

E um dos grandes problemas da ortorexia está na blindagem que o termo saudável dá a ela. Como convencer alguém que existem limites até na busca pela saúde perfeita? “Meu maior desafio é fazer o paciente e seus familiares aceitarem o diagnóstico de que o conceito de alimentação saudável que ela desenvolveu virou uma obsessão. As pessoas que desenvolvem o transtorno têm uma sensação de que seus comportamentos disfuncionais estão corretos, já que são, simplesmente, uma forma de cuidar da saúde. E isso mascara a doença, levando a uma identificação muitas vezes tardia, em um estágio em que as consequências já estão avançadas”, relata a neuropsicóloga Edinalva Borges.

A ortorexia ainda não foi reconhecida como um transtorno alimentar, pois também tem características semelhantes às do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Diferentemente de quadros de disfunções na dieta mais conhecidos, como a anorexia e bulimia (veja quadro na página 4), os ortoréxicos não se preocupam propriamente em emagrecer. Mas, embora o objetivo do anoréxico seja perder peso, e o do ortoréxico ficar saudável, ambos os transtornos restringem a alimentação do indivíduo, colocando sua vida em risco.

Edinalva Borges explica que não existe uma única etiologia responsável pelos transtornos alimentares, mas sim uma junção de fatores com participação de componentes biológicos, genéticos, psicológicos, socioculturais e familiares. A neuropsicóloga também afirma que a ortorexia atinge uma gama mais diversa de pessoas que outros distúrbios, como a anorexia, bulimia e vigorexia. Em seu consultório, a presença mais constante com o quadro é de adolescentes de ambos os sexos. Outros fatores também podem dar início no problema, como a cirurgia bariátrica e o período pós-gravidez.

MULHERES E ADOLESCENTES “Acomete principalmente adolescentes mulheres, mas não é regra. Recebo pacientes encaminhados principalmente por psiquiatras e hebiatras, muitas vezes sem diagnóstico definido, com suspeita de TOC, anorexia, esquizofrenia ou distimia. É um transtorno pouco conhecido. Por isso essa confusão. Confunde-se com anorexia porque o paciente, com a dieta restrita e aumento do volume de exercícios físicos, emagrece muito, inclusive com sintomas de desnutrição. É confundida com o TOC, porque a pessoa passa a controlar tudo o que come, inclusive as marcas que compra, passando a dedicar mais e mais tempo à dieta. Tenho uma paciente que ficou duas horas no supermercado para escolher um leite. Ela só saiu do local porque ia fechar. Adulta, mãe, trabalhadora, com outros afazeres no dia, ficou parada em frente a gôndola, checando as informações nutricionais das marcas de leite. Esse tipo de comportamento que foge do normal é que deve ligar o sinal de alerta na pessoa e nos seus familiares. Também leva ao isolamento social do indivíduo, que deixa de frequentar eventos, bares e restaurantes para não sair da dieta”, acrescenta.

Se cuidar é essencial para a qualidade de vida. Mas ao procurarmos um comportamento saudável podemos cair em armadilhas. E a internet é cheia delas. O acesso irrestrito a informações sobre pesquisas científicas, novos paradigmas da alimentação, além, é claro, de dietas mirabolantes que prometem resultados incríveis em poucos dias, podem deixar qualquer um confuso em relação ao que come. Açúcar reconhecidamente faz mal e é um dos grandes vilões dos tempos modernos. Alguém com ortorexia, ao verificar o valor nutricional de uma maçã, por exemplo, deixa de comer a fruta pois ela é rica em açúcares. E, de pouco em pouco, a gama de alimentos que a pessoa se permite ingerir fica cada dia mais restrita. É o desequilíbrio na busca do equilíbrio.

“É uma atitude doentia. O açúcar das frutas é a frutose, que consumida nas frutas, é perfeito, pois as fibras vão ajudar a metabolizá-lo. Com isso, a alimentação fica cada vez mais restrita, deixando, consequentemente, o cardápio mais e mais repetitivo, com menos opções. E isso é ruim pois gera várias deficiências nutricionais. A pessoa começa a ter anemia, hipovitaminose, cansaço, ansiedade, irritabilidade, depressão, risco maior de osteoporose, perda de massa muscular. Se for mulher, começa a ter alterações no ciclo menstrual. A imunidade diminui, começa a ter queda acentuada de cabelo, as unhas ficam fracas. Tudo porque ela não dá ao organismo os nutrientes necessários”, alerta a médica nutróloga Alice Amaral, explicando que além da qualidade e procedência dos alimentos, o ortoréxico se preocupa com a forma e utensílios utilizados no preparo.

Dieta é individual

Alimentos industrializados, que são ricos em produtos químicos, açúcar, gordura trans e sal, devem ser evitados pela maioria das pessoas. A prioridade deve ser uma dieta rica em fibras e nutrientes, dando preferência a orgânicos. Mas, se a opção é comer uma maçã com agrotóxico ou nada, melhor comer a maçã. “Mesmo que contaminada, ela vai te trazer mais benefícios do que não comer a fruta. Tem que haver um ponto de equilíbrio, uma visão do todo”, aponta a médica nutróloga Alice Amaral, que também enfatiza a importância de se procurar um especialista antes de fazer mudanças drásticas na dieta, pois este profissional vai respeitar as individualidades de cada um. Quando um alimento importante é cortado do cardápio, a reposição deve ser feita ou com outro alimento ou com suplementos, caso dos vegetarianos, que, aos não consumir carne, deixar de ingerir algumas vitaminas essenciais ao corpo. Para a nutróloga, é possível equilibrar bem a alimentação, mas regimes e restrições que pipocam na internet não respeitam essas individualidades.

“Cada um é cada um. Uma série de fatores estão envolvidos na alimentação adequada para cada indivíduo. Daí a importância de cada um ter sua dieta individualizada. A dieta de um homem de 70 anos não pode ser igual à de um adolescente de 15, assim como não pode ser igual à de uma mulher de 40 anos. A alimentação de alguém que passa o dia inteiro sentado numa mesa de escritório não pode ser igual à de um trabalhador braçal”, completa.

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A neuropsicóloga Edinalva Borges tem percebido um aumento de casos de ortorexia em seu consultório (foto: EDÉSIO FERREIRA/EM/D.A PRESS)
TRATAMENTO A neuropsicóloga Edinalva Borges explica que o tratamento da ortorexia deve ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar, com psicólogos, psiquiatras e nutricionistas. Mas a neuropsicóloga diz que cada etapa deve ser realizada com extremo cuidado, para não afastar os pacientes da terapia. “É muito difícil fazer o paciente aceitar ingerir alimentos que ela considera ruins. Isso não se resolve em uma, duas sessões. O primeiro tratamento é a terapia, porque, geralmente, esse paciente nem quer ver um nutricionista, com medo das alterações no cardápio. O psicólogo que tem que saber a hora certa de incluir o nutricionista no tratamento, porque, senão, o paciente foge, deixa de ir às sessões e volta às atitudes que considera ideal em busca da saúde perfeita”, completa.

Sem fórmula mágica
É fato que a alimentação mundial mudou drasticamente nos últimos anos. Mas quem busca adotar uma dieta equilibrada no dia a dia deve prestar atenção nas suas atividades e necessidades individuais. Ouvir um especialista é sempre recomendado


Em pouco mais de cinco décadas, o cardápio das famílias do Brasil e do mundo mudou drasticamente. A indústria alimentícia, ao mesmo tempo que trouxe comodidade e facilidades ao dia a dia das pessoas, alterou a forma, a qualidade e a quantidade do que se come. Com a correria usual dos tempos atuais, é difícil não se curvar à comida pronta ou fast food. E o saldo não é positivo para a população, que viu aumentar drasticamente a incidência de casos de obesidade, diabetes, pressão alta, entre outras doenças. De acordo com a pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde, 52,5% da população está acima do peso ideal.

“Às vezes, você toma um suco de abacaxi de caixinha que nem abacaxi tem. O sabor é artificial. Olha que absurdo. Nos últimos 50 anos, a indústria alimentícia tomou conta do mercado. As pessoas não cozinham mais. Com essa vida corrida, para que a pessoa vai perder tempo cozinhando? Mas nossos corpos não acompanharam essa evolução. E estamos adoecendo por causa disso”, alerta a médica nutróloga Alice Amaral. Para ela, devemos sim repensar nossa alimentação, mas com o devido cuidado. Quem resolve, por exemplo, se tornar vegetariano, tem que repor as vitaminas e nutrientes que deixa de ingerir ao não consumir mais carnes. E essa regra vale para outros grupos alimentícios.

No mundo cada vez mais conectado, é comum acessar sites com soluções milagrosas para a perda de peso ou alimentação saudável. O problema é que essas indicações não respeitam a individualidade biológica da pessoa, e não levam em conta sua rotina e particularidades. Ou seja, para emagrecer ou levar uma vida mais saudável, com alimentação equilibrada, consulte, antes de tomar qualquer atitude em relação a uma mudança drástica na dieta, um nutrólogo ou nutricionista. Assim, além da orientação de um profissional qualificado, o acompanhamento constante evita o surgimento de problemas, respeitando o corpo e mente de cada um. O Saúde Plena traz também algumas das dietas mais difundidas no Ocidente e no Brasil.


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