Essa história começou em 1999 quando Aloísio, ao manipular o urucum com as mãos machucadas, percebeu o efeito cicatrizante do produto. Foi então que ele procurou o professor universitário para relatar o acontecido. Paulo, que já trabalhava há muito tempo com extrato de urucum ficou instigado pela história e ambos se debruçaram nas sementes para obter o extrato bioativo natural. No início dessa trajetória, outro indício de que a dupla estava no caminho certo.
Os primeiros testes em animais, em 2004, foram realizados com o extrato puro de urucum e comparados com as duas pomadas de cicatrização mais utilizadas no mercado de fármacos para esse fim. “Para nossa surpresa constatamos, através de vários exames de bioquímica e também o exame visual, que a cicatrização era igual ou mais rápida que as dos fármacos. Foi aí que acendeu a ‘luzinha’ de que estávamos diante de um produto com eficácia”, conta Stringheta. Além disso, segundo o pesquisador, testes específicos mostraram que não houve alteração na bioquímica do sangue dos animais. Essa constatação era importante para descartar o risco de alergia, mesmo diante do urucum, o corante natural mais utilizado no mundo pela indústria alimentícia.
Foi então que ele e Aloísio começaram a distribuir o produto às pessoas e analisar os resultados. O professor Paulo César Stringheta explica que o extrato de urucum é extraído à base de álcool que na sequência é todo evaporado. Ou seja, não é utilizado solvente orgânico nessa extração. “Isso foi no final de 2005, início de 2006, e os resultados eram tão impressionantes que as pessoas começaram a nos procurar solicitando a pomada”, relembra.
Em 2006, foi criada a Profitus, empresa vinculada à Incubadora de Empresas de Base Tecnológica do CENTEV/UFV e o extrato foi patenteado. Depois disso, os recursos pessoais para tocar o desenvolvimento do produto acabaram e, até 2010, Paulo e Aloísio continuavam distribuindo as pomadas informalmente e acompanhando os resultados.
Nesse longo percurso, eles chegaram até a desistir por não encontrarem investidores dispostos a bancar a ideia. “Nós sempre éramos convidados para seminários no Brasil e no exterior para apresentar a pesquisa, sem que isso ajudasse a viabilizar a chegada do produto ao mercado. Estávamos decidindo que liberaríamos a patente quando, em meados de 2015, um grupo nos procurou. Em agosto daquele ano, conseguimos o suficiente para produzir as pomadas. Mas foi em dezembro que um grande grupo decidiu investir e aportou o recurso necessário para a implantação da Profitus”, detalha.
Impacto social
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) existem no mundo cerca de 400 milhões de diabéticos. Destes, 16 milhões estão no Brasil. No nosso país são registrados 55 mil casos de amputação anualmente em pacientes com lesões causadas por diabetes.
CURA A aposentada Dalva Maria Martins, 50 anos, mora em Viçosa e participou do grupo de teste com a pomada de urucum desenvolvida na UFV. Ela conta que, em 2010, passou por uma cirurgia para tirar calos dos pés, mas só depois do procedimento, em razão de a ferida não cicatrizar, descobriu-se que ela tinha diabetes. “No final de 2010, em 2011 e 2012 eu não tinha condições de andar por causa das feridas nos pés. Passei pela cirurgia sem o médico me pedir nenhum exame, quando fiz o hemograma, veio o diagnóstico de diabetes. Eu emagreci 30 quilos quando descobri que era diabética e não tinha cuidado da minha saúde”, fala.
Nesses três anos ela diz que usou “pomada cara, pomada barata, antibiótico” e passou por vários médicos. Até que ela foi colocada em contato com o professor Paulo César Stringheta que foi até a casa dela e levou a pomada de urucum. “Em dois meses eu estava andando. Cicatrizei todos os meus dedos. A minha situação estava tão crítica que o prognóstico era o de que eu amputaria meus pés. Hoje não tenho nada, meus pés estão totalmente normais, minhas unhas estão nascendo e posso ir a pedicure”, conta.
Paulo César Stringheta diz que conheceu pessoas que não podiam sair de casa e que só depois de muito tempo, graças à pomada à base de urucum, essa realidade foi transformada. “Eram feridas difíceis até de olhar e pensar que um ativo natural consegue atacar uma lesão que torna a vida difícil é um recompensa enorme. São pessoas que me ligam para contar que, depois de dois anos em casa, estão indo à missa. Como pesquisador, é uma satisfação ver o produto desenvolvido na bancada de uma farmácia. A ciência vale a pena, a gente sempre chega a algum lugar”, atesta.
Esperança
O produtor rural Eloiso Bastos de Souza, de 44 anos, tem uma história parecida para contar. Ele é filho de José Xavier Souza, 81, diagnosticado com diabetes há seis anos em razão de uma ferida na perna “que não sarava”. “Meu pai foi diagnosticado com câncer de pele. Ele fez o tratamento, tirou o câncer e foi curado. Durante o tratamento, descobriram que ele era diabético e disseram que para ele ficar bom mesmo teria que amputar a perna”, relata. Pai e filho moram no distrito de São José do Triunfo.
Desde 2010 que José Xavier convive com essa ferida na perna e, por isso, precisa de cuidados diários do filho. “Já tentamos de tudo, mas nada que fizesse sarar. Chegou num ponto que até a gente achava que o melhor era amputar”, diz. Nesse tempo, um enfermeiro chegou a ser o responsável pelo curativo diário e Eloiso afirma que essa foi a melhor fase da perna do pai. Por questões financeiras, o trabalho teve que ser suspenso. “Tem um ano que estou cuidando sozinho da perna dele, sem nenhuma melhora. Ela chegou a ficar tão inchada que parecia que iria estourar. Ele nem andava mais, de tanta dor”, salienta.
Há dois meses, a notícia da pomada de urucum chegou aos ouvidos do produtor rural. “Cheguei em casa e falei para minha esposa que pesquisadores mineiros tinham descoberto uma pomada para tratar feridas de pessoas com diabetes. Vendia na cidade pertinho aqui da gente. Fui lá, comprei e trouxe pra casa. No quarto dia, o pé do meu pai não estava mais inchado e ele não sentia mais dor”, fala.
A história não termina aí porque, segundo Eloiso, José Xavier está com uma infecção no nervo que está sendo tratada atualmente. “Depois que o tratamento da infecção estiver concluído, acho que a ferida na perna dele sara”, acredita.
Solução
Aparecida Morais Ribeiro, de 64 anos, foi empregada doméstica durante 36 anos. Nesse tempo, ela cuidava sozinha de uma casa com 18 cômodos na cidade de Além Paraíba e que, segundo ela, ainda tinha uma área de lazer bem grande que, em razão de cachorros, precisava ser lavada diariamente. Em 2002, ela começou a desenvolver um problema de pele que interferiu em sua qualidade de vida. Os pés de Aparecida viviam rachados e feridos e ela passou por diferentes médicos e especialidades para tentar descobrir a causa da suposta alergia que a impedia não apenas de usar calçados que gostava, mas que exigia repouso em situações mais críticas, deixava as caminhadas desagradáveis e o sono irregular já que “coçava muito”, nas palavras dela.
A aposentada define a sua busca por um diagnóstico e tratamento como uma verdadeira peregrinação em buscas de respostas e um troca-troca sem fim de pomadas na tentativa de conter o avanço da dermatite. “Fiz todos os exames que podiam ser feitos, tomei antibiótico várias vezes e modifiquei minha alimentação em razão da hipótese de alergia alimentar. Nada adiantou”, recorda-se.
Foi então que, de acordo com Aparecida, os especialistas que cuidavam dela começaram a suspeitar de alergia a produtos de limpeza. Mas ela não podia parar de trabalhar. Seu marido, que era marceneiro, faleceu aos 54 anos e ela cuidava sozinha do filho que, na época, cursava zootecnia na UFV. “Meu marido nem viu a formatura do filho”, conta. E então Aparecida ficou convivendo com o problema nos pés que às vezes se agravava, às vezes se abrandava.
Em 2010, com o filho já formado na UFV, ela decidiu se aposentar e mudou-se para Viçosa para morar com ele. “Eu me aposentei, não mexia mais tanto com produtos de limpeza, mas mesmo assim não melhorei”, diz. Hoje, Valdir, filho único de Aparecida, está terminando o pós-doc e orienta alunos de doutorado na universidade mineira.
Cinco anos depois da mudança de cidade, a aposentada se encheu de esperança ao ouvir, em um programa de rádio, falar de uma “tal pomada de urucum para pessoas com diabetes e que curava feridas difíceis”. Ela se recorda que, quando o filho chegou em casa, foi logo inquirindo: “Mas Valdir, escutei hoje no rádio falando que a faculdade está fabricando pomada e você não me conta?”.
Mãe e filho resolveram, então, comprar o produto - que em 2015 já era vendido em Viçosa – e três dias depois do uso, as feridas desapareceram. “Olhei para o meu pé e não acreditava, acabou tudo, a coceira, a dor, os machucados. Estou aqui em casa andando descalço e lavando o apartamento”, descreve Aparecida pelo telefone.
Feliz com o resultado, ela decidiu ligar para a universidade, contar a sua história e desde então tem concedido algumas entrevistas. “Em janeiro volto para Além Paraíba e vou levar umas pomadas para minhas amigas porque nas farmácias lá ainda não tem”, promete.
FUTURO Comprovada a eficácia da pomada à base de semente de urucum, os pesquisadores trabalham agora em testes para viabilizar o licenciamento de novos produtos para o tratamento de herpes, afta, acne, furúnculo e micoses. O urucum é uma planta perene. “Se você plantar hoje, ela vai produzir por 30 anos e ainda pode ser cultivada em qualquer região do país”, afirma Stringheta.
O próximo passo é fazer a pomada chegar a Belo Horizonte e, na sequência, São Paulo e Rio de Janeiro. “Já recebemos convites para montar unidades de produção em Portugal e no Canadá”, conta o pesquisador.
Anvisa
Como a pomada à base de urucum não é classificada como fármaco, ou seja, não tem dosagem pré-estabelecida e, por isso, não precisa de receituário médico. Ela foi registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como dermocosmético e não tem contraindicação. Outra grande diferencial do produto de origem natural é que, ao contrário das pomadas indicadas para cicatrização, não contém corticóide.
Tipos
Na formulação dos produtos varia a concentração do ativo natural e os ingredientes que entram na composição da pomada, a depender da indicação.
Millitus Derm: utilizada amplamente por diabéticos e não diabéticos para tratar feridas de difícil cicatrização. Pode ser utilizada também para o tratamento de escaras.
Profitus Newderm: utilizada no tratamento de doenças como psoríase, dermatite e outros problemas cutâneos.
Profitus Dermalive: utilizada no tratamento de queimaduras de 1º e 2º grau, auxiliando na redução da dor e na reconstrução dos tecidos.
Golden Age: indicada para peles já sensibilizada ou debilitada, auxiliando na recomposição celular e dos tecidos de pacientes idosos, além de lesões simples ou crônicas.
Onde comprar
A expectativa é a de as pomadas cheguem às farmácias de todo o Brasil até o final deste ano. Atualmente, os produtos estão sendo distribuídos na região da Zona da Mata, em Minas Gerais, em cidades como Viçosa, Visconde do Rio Branco, Ubá e Juiz de Fora. Outra opção é comprar pela internet no profitus.com.br..