O primeiro modelo de infecção vaginal de zika foi desenvolvido pela equipe da imunobióloga Akiko Iwasaki. “Até cinco dias depois de o vírus ter se alojado na mucosa do órgão reprodutor das fêmeas, ele continuava se replicando de forma significativa. De lá, migrou para o cérebro fetal em desenvolvimento”, afirma a pesquisadora. De acordo com Iwasaki, aparentemente, o micro-organismo encontra um nicho ideal de multiplicação na vagina, o que traz importantes implicações para a reprodução.
No Laboratório de Imunologia Celular de Yale, a equipe de Iwasaki vem, há muito tempo, estudando as infecções virais na mucosa genital. Outros micro-organismos, como o citomegalovírus e os causadores de sífilis e herpes, também se alojam no órgão reprodutivo feminino quando transmitidos por um parceiro infectado e, assim como o zika, têm o potencial de provocar defeitos no desenvolvimento do feto.
Como os ratos parecem imunes ao zika, foi preciso usar animais geneticamente modificados. Nesse caso, os cientistas retiraram os genes que regulam proteínas do sistema imunológico conhecidas como interferons tipo I — essas substâncias são fundamentais para controlar a multiplicação viral em roedores. Para fins de controle, os cientistas infectaram tanto as fêmeas cujo DNA foi manipulado quanto as selvagens, que não sofreram alterações genéticas. Surpreendentemente, o vírus se instalou e se replicou em ambos os grupos — e isso por muitos dias após a infecção. “Em outras rotas de infecção, o zika não replica, a não ser que você bloqueie os interferons tipo I. O que mais nos surpreendeu foi que o vírus conseguiu se multiplicar na vagina de fêmeas selvagens com resposta imunológica intacta”, observa a bióloga.
Além do potencial de reprodução viral, os pesquisadores tinham interesse em rastrear o zika desde o órgão reprodutor feminino até o feto. Eles notaram que, da vagina, o patógeno se espalhou pelo organismo, alcançando o útero. No caso das fêmeas selvagens, não manipuladas geneticamente, houve interferência no desenvolvimento do feto, que ficou mais lento. Já nos ratos mais suscetíveis, cuja resposta imunológica foi bloqueada pelos cientistas, o efeito foi mais devastador. “Ao ultrapassar a placenta e chegar ao feto, os vírus continuaram a se replicar incontrolavelmente. O resultado foram abortos espontâneos”, conta cientista.
Agora, a equipe de Iwasaki está investigando, no modelo desenvolvido em Yale, como bloquear a entrada do vírus pelo trato vaginal. “É possível que um caminho para isso seja o interferon”, diz. Contudo, a cientista lembra que nem sempre o que acontece nos modelos animais é verdadeiro para humanos.
Microcefalia
Também na Universidade de Yale, um grupo de pesquisadores constatou que a microcefalia associada ao vírus zika, uma das mais dramáticas características físicas da doença, é causada pelo desvio de função de uma proteína-chave para a divisão celular no desenvolvimento fetal. A descoberta, publicada na revista Cell Reports, sugere que o micro-organismo pode ser suscetível a drogas antirretrovirais existentes que previnem a interrupção da formação do sistema nervoso central.
Segundo os pesquisadores, o zika mata células-tronco no cérebro e interrompe o processo de fabricação de novas estruturas. Uma análise mostrou que ele desvia uma forma da proteína TBK1 de sua função primária, que é organizar a divisão celular na mitocôndria, centro de energia, onde ela ajuda a iniciar a resposta imune. Com a falta da proteína, as células morrem, em vez de formarem novos neurônios, o que resulta na microcefalia. Os dados sugerem que esse mecanismo pode contribuir também com a redução do volume cerebral associado a outras infecções virais congênitas, como sífilis.
A equipe observa que a substância sofosbuvir, originalmente desenvolvida para tratamento de hepatite C e já aprovada por órgãos regulatórios, evitou os danos às células-tronco neurais em uma cultura de laboratório. Ela também ajudou a manter a proteína ativa durante a divisão celular. Mais estudos são necessários para provar a eficácia da droga como terapia para o zika.
Permanência longa em bebê
Estudiosos brasileiros anunciaram, nesta semana, o primeiro caso reportado de infecção prolongada por zika em um bebê. A criança nasceu em janeiro deste ano e permaneceu infectada pelo vírus por dois meses e uma semana de vida. No parto, tinha 48cm de comprimento e perímetro da cabeça de 32,5cm, pouco menor que os 33cm recomendados. Inicialmente, os médicos não detectaram sinais de anormalidade neurológica, mas imagens obtidas por ressonância magnética mostraram focos de calcificação e dilatação anormal no cérebro do bebê, que foi, então, diagnosticado com microcefalia leve. Segundo os médicos da Santa Casa de Misericórdia e os pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, em seis meses, o pequeno paciente apresentou desenvolvimento psicomotor retardado, que piorou ao longo do tempo, provavelmente como resultado da permanência prolongada da infecção..