14 dias na realidade aumentada
Sala de parto, banheiro, casamento e até velório. Não há limite para os tais monstrinhos de bolso. A cada dia, eles aprontavam mais alguma.
De pouco em pouco, Pokémon Go se aproximava cada vez mais o Brasil. Um ou outro conseguiu baixar o game antes do lançamento, o que me motivava a conferir diariamente (umas 10 vezes por dia) se já estava liberado ou não. Sem sucesso, só restava esperar. A agonia demorou quase um mês para findar. Enfim, em 3 de agosto, os monstrinhos dominaram o território nacional, causando o mesmo alvoroço que em países estrangeiros. De uma hora para outra, Belo Horizonte passou a abrigar diversos pokéstops e ginásios e foi tomada por Pikachus, Bulbasaurs, Charmanders, Krabbys, os infames Zubats e outra infinidade de personagens da animação japonesa.
PARA ENTENDER
PERFIL
Homem, casado, jornalista, 34 anos, pai de um cachorro (o Bartholomeu). Convivo com jogos eletrônicos desde a infância. Do famoso Donkey Kong portátil aos consoles mais modernos, sempre gostei de games, quadrinhos, desenhos animados, super-heróis e afins. Pode parecer meio infantil, mas é perfil comum entre pessoas da minha idade, que nasceram na era dos videogames e cartoons.
O COMEÇO
FINALMENTE, À RUA!
No dia seguinte, a empolgação era notória. Relatei para a esposa das criaturas capturadas e, antes mesmo de checar, como de costume, o WahtsApp e redes sociais, já estava com Pokémon Go ligado. O passeio diário com o Barthô ficou para mais tarde, pois queria sair logo e começar minha jornada concentrado em caçar os tais bichos. Caminhando pelas ruas com um olho no celular e outro nas pessoas, era fácil identificar quem estava jogando. Homens de terno, crianças atrasando pais impacientes, adolescentes com uniforme escolar. Impossível definir um tipo padrão de jogador. Na van escolar que levava alunos a uma tradicional escola da Zona Sul de BH, era possível escutar, do carro vizinho parado no sinal, a empolgação dos estudantes. “Já peguei tal e tal”, se empolgava um. “Sei um jeito de começar com o Pikachu”, gritava outro. Todos com os olhos nos computadores de bolso, empolgadíssimos com a novidade. E é bom o motorista do escolar preparar o ouvido, pois ele ainda vai escutar muita conversa animada sobre caçar pokémons. Na Praça ABC, no cruzamento das avenidas Getúlio Vargas e Afonso Pena, jovens em grupos ou sozinhos aproveitavam a aglomeração de pokéstops e ginásios. Enquanto prestava atenção nos outros, começava a colecionar zubats, ainda sem entender a dinâmica do jogo.
EVOLUINDO
OCASIÃO FAZ O LADRÃO
Quem não leu as notícias sobre acidentes de trânsito e até atropelamentos motivados pela irresponsabilidade de pessoas jogando Pokémon Go no carro? Pois é... Estava empolgado, querendo evoluir rápido. Na volta para casa, não consegui evitar: deixei o celular ligado no app enquanto dirigia. E realmente é bastante arriscado. Ao surgir um desses monstrinhos de bolso inédito na minha coleção, era inevitável a tentativa de capturá-lo. Só que direção e celular realmente não combinam. Recebida a devida buzinada do veículo na faixa ao lado, assustado com a investida sem sentido do meu carro para cima, deixei o smartphone no banco do passageiro e concentrei em chegar em casa sem causar nenhum acidente. Em todas as locomoções motorizadas que fiz, presenciei vários e vários motoristas (de carro ou motocicleta) jogando. Não vi nenhum acidente, mas era fácil perceber quem se aventurava a caçar dirigindo. Demora para arrancar o carro, paradas bruscas do nada, uma mão no volante outra no celular. Essa infração de trânsito já é comum, depois que redes sociais e aplicativos de mensagens ganharam força. Mas era notório que a nova mania mundial estimulava o comportamento ainda mais. Sem hipocrisia, criei algumas regras pessoais para jogar enquanto dirigia: só tentava capturar um pokémon se ele surgisse enquanto estava parado no engarrafamento (que, nessa situação, 'graças a Deus', são rotineiros em BH) ou no semáforo. Aproveitava a locomoção mais para encubar os ovos e coletar itens nos pokéstops do caminho do que para aumentar minha coleção. Mesmo assim, tenho certeza que irritei várias pessoas no trânsito nos primeiros dias dessa saga. Depois, vendo o papelão que estava fazendo, larguei a prática, me concentrando no jogo somente nas caminhadas.
O Bartholomeu é um cachorro grande, que até mora em um espaço razoável. Mesmo assim, caminhadas diárias são imprescindíveis para a felicidade do xodó daqui de casa. Andamos cerca de uma hora por dia no sobe e desce dos morros típicos de BH. Só que, nos últimos dias, Barthô não tem ficado satisfeito com a dinâmica dos nossos passeios. Ele não entendia as paradas repentinas e a minha concentração no celular. Geralmente, nem levo o aparelho ao andar com ele. Queria continuar, mas precisava pegar mais e mais zubats. O percurso que costumamos fazer também foi alterado, guiado pelos poucos pokéstops e ginásios que existem na vizinhança. Para minha sorte, na Praça da Saúde, na Avenida Silva Lobo, bem perto de casa, um brinquedo público infantil virou uma parada para coleta de itens. Se o cachorro sofria com minha nova postura nas caminhadas, reclamando com o devido choro inconformado a atenção dividida entre ele e os bichos virtuais, qualquer motivo era suficiente para me fazer sair de casa para caminhar pelo bairro. Uma viagem à padaria, que fica a duas quadras do meu prédio, levava 20 minutos, meia hora. O pão era o menos importante. Queria mesmo era caçar pokémon.
PERAMBULANDO
No começo, a empolgação justifica. Depois, vai perdendo o sentido. Mesmo assim, Pokémon Go me motivou a sair de casa e andar pela cidade. Além do meu bairro e o do jornal, principais lugares das minhas investidas, passei pelo Gutierrez, Prado, Centro, Savassi, Praça da Liberdade, Santa Amélia, Ouro Preto e Lagoa da Pampulha. Onde ia, sacava o celular do bolso e começava a jogar. O comportamento das pessoas é diferente em cada uma dessas localidades. Nas vizinhanças da Região Centro-Sul, jogadores andam tranquilos, com smartphones em riste, comemorando cada conquista. Já no Centrão de BH, os mais desconfiados andavam com a mão e o telefone no bolso, provavelmente no modo silencioso, esperando a vibração que anuncia a aparição de um pokémon, checando de tempos em tempos a tela. Na praça que abrigava a antiga sede do governo do estado, uma multidão aproveita a segurança e abundância de pokéstops e ginásios para avançar no jogo. No dia 7 de agosto, um domingo, impressionava a concentração de jovens completamente voltados para a tela do celular, reunindo mais pessoas que evento cultural promovido por uma mineradora. Os estudantes Guilherme Alcântara e João Augusto Soares, de 18 e 19 anos, respectivamente, combinaram de se encontrar no local depois do almoço para jogar. Depois de uma hora caçando as criaturas, os dois não demonstravam sinal de cansaço. “Jogar aqui é bom demais. É cheio de pokéstops e a toda hora alguém usa um Lure Module”, afirma Guilherme. Os Lure Modules funcionam como um imã de pokémons quando aplicados nas paradas de coleta de itens. Durante os 30 minutos que o recurso funciona, a cada utilização, todos os jogadores próximos aproveitam o efeito. Depois de ajudar com a decoração do bolo do aniversário do meu afilhado, pedi licença a minha mãe e à minha esposa e segui para a praça. Nesse dia, bati meu recorde de capturas: 50 monstrinhos. Vai lá que quase 60% eram os infames zubats, mas consegui aumentar consideravelmente minha coleção. Voltando para a casa dos meus pais, um garoto, que aparentava ter 5 anos, exigia da mãe comprometimento e eficiência na caça dos bichinhos. “Tem que pegar todos, viu, mãe!?”, falava, ao sair de um restaurante. Percebi que minhas jornadas a pé começavam a se alongar por demais. Para coletar mais itens e aumentar as chances de captura, fui criando percursos diferentes para locomoções rotineiras. Se acrescentasse quatro quarteirões na caminhada entre o carro e o trabalho, mais três pokéstops cruzavam o caminho. Mais seis quadras, quatro novos pontos de coleta de itens.
INJUSTIÇA E TRANSFORMAÇÃO
CONSPIRAÇÃO E OPORTUNISMO
Em uma quinta-feira, o eletricista que atende à minha família Heleno Resende foi resolver algumas pendências lá em casa. Enquanto ele trabalhava, sabendo de seu gosto por videogames, perguntei se o filho dele já havia sido tomado pela febre do Pokémon Go. “Olha, Gustavo, depois que li umas coisas falando que a CIA espiona a gente por meio desse jogo, não deixei o Arthur jogar não. Falei pra ele esquecer disso e se concentrar em ir bem na escola nova. Tem também essas notícias de assalto, ele é muito novo... melhor não mexer com isso, não”, contou ressabiado, questionando se eu acreditava ou não. Respondi que não sabia, mas que tudo era possível. Realmente, surgiram notícias relacionando o criador da produtora do jogo com o gigante da tecnológica Google e a central de inteligência norte-americana. Então, quem não gosta de ser vigiado, é melhor pensar duas vezes antes de baixar o game. Boatos de que os monstrinhos auxiliavam na espionagem mundial aparecem a cada dia. Até relação com o demônio as coitadas criaturas animadas foram acusadas de ter. Cada um acredita no que quer, não é?! Preferi deixar de lado todas essas teorias e seguir em frente. Da mesma forma que essas notícias tomavam a internet, e-mails das redações de todo o país começavam a ser bombardeados com releases buscando aproveitar do sucesso do jogo para promover alguém ou alguma marca. É o trabalho de assessores de imprensa e empresas de comunicação e marketing, mas deixam um gostinho de forçação de barra. “Pokémon Go sinaliza problemas de visão”, “Pokémon Go – aprenda o significado das palavras em inglês do game de celular que virou mania mundial” e “Varejo Go” são alguns exemplos. Menos, minha gente...
PASSA...
MALDITOS ZUBATS
Os últimos cinco dias de jogatina começaram a me cansar. Sem conseguir ganhar nenhuma luta, sem dominar nenhum ginásio, com um exército de golbats completamente ineficaz, coletar itens e mais e mais pokémons foi perdendo, aos poucos, o propósito. Para você entender, a maioria desse monstrinho evoluem, se transformando em outra criatura mais forte. E o Golbat é um Zubat evoluído. Com a quantidade do segundo que conseguia capturar, era um dos poucos que tiveram a oportunidade de desenvolver ao ponto de ter alguma chance de vitória num combate. O celular começou a precisar de menos carga de bateria (no começo, eram necessários, no mínimo, quatro recargas diárias). Já não me interessava mais pelos morcegos venenosos e toda a experiência frustrada foi ficando sem graça. A ideia é apagar o app depois de finalizada a matéria, dar atenção ao Barthô durante nossas caminhadas e ter de volta para mim o tempo gasto com essa atividade, que, mesmo divertida no início, carece de sentido. Durante as duas semanas, aprendi a lançar as pokébolas com maestria, capturei mais de 500 pokémons (de 55 tipos diferentes) e choquei 18 ovos. Saio com um cartel decepcionante: 37 lutas, 6 vitórias, 31 derrotas e nenhum ginásio conquistado.
GLOSSÁRIO POKÉMON
Ginásios
São os locais específicos para as batalhas. Depois de dominados, o jogador só sai se sua equipe for derrotada pelo desafiante. Existem três times disponíveis:Valor, Instict e Mystic.
Incubadora
Item essencial para chocar os ovos de pokémons. Uma vez que uma Incubadora esteja guardando um deles, é preciso andar pela quilometragem pré-definida chocar o monstrinho. Antes, era possível fazer o percurso de carro, mas uma atualização acabou com a 'trapaça”.
Medida que aponta o nível de força de um pokémon. Se o seu monstrinho tiver um CP maior do que o do oponente, a chance de vitória é grande.
Ovos
Itens encontrados ao longo do jogo e que, ao serem chocados, dão vida a um novo pokémon.
Evolução
Quando um pokémon se transforma em uma versão mais forte de si mesmo, aumentando o CP e mudando de aparência. Para evoluir um monstrinho, é necessário gastar uma quantidade específica de doces.
Item utilizado para evoluir e aumentar o nível dos pokémons. Cada monstrinho trabalha exclusivamente com seu próprio doce, que pode ser obtido ao capturar as criaturinhas ou vendendo os repetidos.
Pontos de Experiência
É a medida que aponta seu progresso como treinador no game. É possível ganhar experiência ao capturar e evoluir pokémons, além de derrotar outros jogadores e conquistar ginásios. Ao atingir determinado número de pontos, seu personagem sobe de nível.
Incenso
Item que, ao ser utilizado, atrai pokémons selvagens para sua proximidade por 30 minutos, facilitando sua captura.
(Módulo de Atração)
Item que pode ser inserido por qualquer treinador em um pokéstop. Uma vez ativo, aumenta o número de pokémons selvagens na área. Diferente do incenso, beneficia todos os jogadores que estejam próximos do pokéstop.
Pokébolas
Ferramenta para capturar pokémons selvagens e adicioná-los à sua equipe de monstrinhos. Existem tipos diferentes de pokébolas: normais, great balls, ultra calls e master balls.
Pokéstop
Pontos no mapa nos quais o jogador pode conseguir itens gratuitamente.
Poções
Itens utilizados para recuperar a saúde dos pokémons depois das batalhas..