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Esse cenário, no entanto, ainda não é realidade para a oncologia, área onde medicamentos inovadores chegam mais rapidamente à rede privada do que à pública. Com diversas especificidades e pesquisas simultâneas apresentando novas opções de tratamento, o câncer acaba ficando para trás no que diz respeito à inclusão de novas tecnologias e medicamentos, quando comparado a outras doenças.
Neurologista da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (Abem), Liliana Russo diz que o SUS tem ganhado reconhecimento no tratamento da doença por oferecer alguns dos medicamentos mais modernos que estão disponíveis no mercado. "O tratamento está bem equalizado com o que tem no mundo, podemos considerar o tratamento de primeira linha no Brasil. Para esclerose múltipla, temos nove medicações e seis já estão disponíveis (no SUS). Três aguardam liberação."
A oferta na rede pública é fundamental, de acordo com Liliana. "É um tratamento de alto custo. As medicações giram em torno de R$ 5 mil por mês. É uma doença que faz com que a pessoa se aposente precocemente, então, o custo é menor com a droga do que com a problemática individual e social."
Segundo a neurologista, estima-se que a doença atinja, em média, 15 pessoas em cada 100 mil habitantes. A esclerose múltipla afeta principalmente as mulheres, e os pacientes costumam ter entre 20 e 40 anos, fase em que estão no auge da produtividade. Se não for tratada, pode ser incapacitante. "Estão listados 86 sintomas, como perda visual de um olho, desequilíbrio, perda de força, descontrole de urina, fadiga. O tratamento modifica a evolução da doença. A pessoa passa a ter qualidade de vida maior com menos incapacidade."
Apesar da oferta de medicamentos mais avançados, Liliana diz que o diagnóstico ainda é um gargalo. "Algumas pessoas procuram ajuda e encontram dificuldade de acesso a serviços neurológicos especializados. Isso limita o diagnóstico e o início do tratamento. Sabemos que quanto mais precoce, melhor a resposta terapêutica", afirma.
Karina Juliete do Nascimento, de 28 anos, convive com a doença há cinco anos e foi acompanhada pelo SUS desde o diagnóstico. Ela começou a sentir um formigamento no braço direito que passou, mas procurou um médico quando acordou com a visão turva. "Estava estrábica e fui ao posto de saúde. O médico já me conhecia, viu que tinha algo errado e me mandou para o Hospital (Estadual) Sapopemba. Fiz tomografia e já fiquei internada. Foi muito rápido", relembra. Em menos de 15 dias, passou por uma bateria de exames e recebeu o diagnóstico. Após algumas consultas com uma neurologista, foi encaminhada para tratamento no Hospital das Clínicas.
"Não tenho do que reclamar, o tratamento é muito bom e nunca mais tive surtos. Quando tinha, ficava com problemas na visão, andava descoordenada, as pernas falhavam. Quando estou bem, parece que não tenho esclerose múltipla."
HIV
A aids pode ser considerada o melhor exemplo de oferta de tratamento de forma universal e gratuita, como previsto na Constituição, segundo Mario Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
"A resposta à aids é peculiar. Houve uma coincidência entre o início da epidemia e o fortalecimento do SUS. Além disso, a resposta governamental foi rápida com programas, corpo técnico, e teve a mobilização vigorosa das pessoas afetadas, porque era uma doença que não tinha tratamento."
Scheffer diz que, desde a década de 90, o Brasil oferece os melhores tratamentos disponíveis para os pacientes e um grande corpo de especialistas sempre discute quando há novos medicamentos para verificar a necessidade de incorporação. "Mas, há muitos anos, não temos uma grande novidade para a aids. É diferente do câncer, que sempre tem inovações."
Segundo o professor, outra doença que passou a se destacar no SUS foi a hepatite. "É mais recente. A inclusão de tratamentos de primeira linha é de 2015. Não tinha muita tecnologia a ser incorporada."
Scheffer avalia que, por serem problemas de saúde mais delimitados, aids e hepatite C têm mais potencial para conseguir tratamentos de primeira linha na rede pública do que o câncer. "É uma classe única de medicamentos, o que aumenta o poder de compra e negociação. A oncologia é um campo à parte. Há uma imensa prevalência e os tratamentos são complexos e caros", explica.
Complexidade
Coordenadora da oncologia clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), Maria Del Pilar Estevez Diz afirma que a incorporação de novos tratamentos na área do câncer é mais complexa e precisa ser feita após discussões. "É difícil fazer comparações entre o câncer e outras doenças. Mas, para fazer qualquer inclusão, é preciso saber qual é o benefício para o paciente e qual é o impacto econômico. Tem uma demora na incorporação e temos muitas coisas para discutir para definir o que é incorporado, mas a discussão precisa ser feita de forma clara e transparente."