Pesquisa liga o zika a deformidades na articulação

Médica do Recife relata, em artigo científico, o caso de sete bebês que nasceram com artrogripose múltipla e têm um quadro típico da síndrome neurológica provocada pelo vírus. Outros sete foram registrados depois do estudo

por Paloma Oliveto 11/08/2016 09:45
Divulgação
"O feto fica com uma postura fixa no útero e isso faz com que aconteçam as deformidades neurogênicas. Não é um problema que surge na articulação" - Vanessa van der Linden, neuropediatra e autora do estudo (foto: Divulgação)
Há exatamente um ano, a neuropediatra Vanessa van der Linden recebeu em seu consultório, no Recife, um recém-nascido com microcefalia gravíssima. Na época, não havia suspeitas de que o vírus zika, então um total desconhecido da população brasileira, poderia migrar para o cérebro de um feto. A tomografia da criança, gêmea de outra que não apresentava alterações, revelou sinais de infecção congênita. Os testes de citomegalovírus, sífilis, toxoplasmose e rubéola, porém, foram negativos. Quando outros casos começaram a despontar no estado e na vizinha Paraíba, a médica percebeu que havia atendido o “paciente zero”, assim chamado por ter sido o primeiro registrado na epidemia de zika no país.

De lá para cá, foram feitas importantes descobertas. A microcefalia, por exemplo, é apenas um sintoma, que pode ou não estar presente nas crianças atingidas. A síndrome neurológica associada ao zika é composta por muitos outros. Um deles acaba de ser descrito por Vanessa van der Linden em um artigo publicado na revista médica The British Medical Journal. A partir do estudo de caso de sete pacientes atendidos na unidade de Recife da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), a equipe da médica constatou que uma das sequelas da infecção no feto é a artrogripose múltipla congênita (AMC), uma condição caracterizada por deformidades articulares em pelo menos duas áreas, como pé e mão ou pé e quadril. Quando o artigo foi escrito, eram sete pacientes com esse problema. Hoje, há 14, conta a neuropediatra.

De acordo com Vanessa van der Linden, não é possível afirmar, com certeza, que todas as crianças do estudo de caso tenham sido infectadas pelo vírus. Porém, além das deformidades típicas da AMC, as sete apresentam um quadro típico da síndrome neurológica associada ao zika. Foi o que levou a médica a desconfiar que a artrogripose seria mais um sintoma de uma doença sobre a qual ainda há mais questionamentos do que respostas. Em três dos pequenos pacientes, a análise do fluido cerebrospinal revelou a presença de anticorpos específicos para o vírus. Nos outros quatro, o exame foi inconclusivo. “A artrogripose pode acontecer por vários motivos. Qualquer coisa que leve à diminuição do movimento dentro do útero pode causá-la. Mas afastamos todos eles. Nesse caso, não tem outra possibilidade”, afirma.

Dois estudos anteriores haviam sugerido a AMC como sintoma da síndrome, mas esta é a primeira vez que se descobre por que o vírus pode levar ao desenvolvimento das anomalias. Além dos exames de imagem, a equipe da neuropediatra realizou, nas crianças, o exame eletromiografia, que avalia as células musculares e pode revelar comprometimentos de fundo neurológico. Os resultados indicaram que não se tratava de uma má-formação articular apenas. O problema está nos neurônios envolvidos na parte motora e, provavelmente, na medula. “O feto fica com uma postura fixa no útero e isso faz com que aconteçam as deformidades neurogênicas. Não é um problema que surge na articulação”, explica Vanessa van der Linden. “Esse é mais um sintoma da síndrome da zika. Por que só alguns têm? Não sabemos ainda.”

Sobram enigmas
Embora admita a evolução na compreensão da doença — como a associação bem clara —, hoje, com a alteração encefálica, o comprometimento visual e, em alguns casos, auditivo, a neuropediatra lembra que ainda há muito a se investigar. “Nós precisamos entender mais a evolução neurológica desses meninos. Alguns estão muito graves; outros, agora com 9, 10 meses, parecem que têm mais comprometimento motor que cognitivo. Alguns têm perímetro encefálico normal, mas apresentam quadro muito severo. Mas, para entender essa evolução neurológica, precisamos de tempo. A parte cognitiva, por exemplo, ainda não tem como avaliar. Eles são muito pequenos ainda”, explica.

Com poucos recursos para pesquisa, os médicos, segundo Vanessa van der Linden, estão aprendendo na prática dos consultórios. “Quem mais trabalha são os médicos que atendem os pacientes. Agora, até que reduziu o número de casos, mas ainda atendemos dois pacientes graves por dia. Antes, eram pelo menos 10”, recorda. A neuropediatra diz que não é possível prever, por ora, o reflexo das infecções do começo do ano, quando houve uma explosão de casos. “Algumas pessoas dizem que vai aumentar, outras que vai diminuir. Só em outubro (quando nascerem as crianças geradas no início do ano) é que conseguiremos saber.”