As estatinas salvaram milhares de vidas — estimativas publicadas na revista The Lancet apontam uma redução de 30% na mortalidade por eventos cardiovasculares. Mas, para algumas pessoas, não funcionam. Seja por terem mutações genéticas, seja por não tolerarem os efeitos colaterais (o principal é a dor muscular), ou por fazerem parte de uma população de risco cardíaco elevado. Para esse público, a indústria investe em uma nova classe de drogas, os inibidores da PCSK9, uma proteína com papel fundamental na destruição do colesterol “ruim” e que só foi identificada há pouco tempo graças a estudos do genoma humano. Um desses medicamentos acabou de ser aprovado no Brasil e deve começar a ser vendido ainda neste mês.
Os cientistas reviraram o DNA da mulher até descobrirem a causa de um colesterol “ruim” tão baixo: ela carregava duas mutações no gene PCSK9 que faziam com que quase toda molécula de gordura circulante fosse capturada por receptores específicos e destruídas. Era a deixa pra que companhias farmacêuticas se lançassem numa corrida para tentar sintetizar medicamentos que imitassem esse efeito.
Atualmente, há duas drogas aprovadas pelo Food and Drugs Administration (FDA), o órgão de regulamentação de medicamentos dos EUA: o alirocumab, da Sanofi; e o evolocumabe, da Amgen. Esse último, com nome comercial de Repatha, é o primeiro a ser aprovado no Brasil pela Anvisa e deve estar disponível no mercado até o fim do mês. Dos 37 mil pacientes envolvidos nos testes clínicos, 764 são brasileiros — 19 deles, de Brasília.
“O Brasil tem uma das mais elevadas taxas de mortalidade por doença arterial coronariana e por acidente vascular cerebral do mundo. Existe um elo muito forte entre colesterol e doença cardiovascular”, diz o cardiologista Francisco Fonseca, professor e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Fonseca, que também é presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, diz que o controle da taxa de LDL leva à diminuição de riscos. “Se tivéssemos níveis ideais de colesterol no país, aproximadamente 50% dos casos de infarto seriam evitados e haveria uma redução de 18% de derrame cerebral.”.
Isso tem impacto na mortalidade, observa. De acordo com o médico, um estudo com 1.000 pacientes mostrou que o tratamento com estatinas evitou, em cinco anos, 142 ocorrências, como infarto e AVC, e 46 mortes.
Complicação genética
Enquanto as estatinas atendem a maior parte dos pacientes , para alguns grupos, elas têm pouco impacto. É o caso de pessoas que sofrem de uma doença genética e hereditária, a hipercolesterolemia familiar, que se caracteriza por taxas extremamente elevadas de LDL. Associado a mutações em quatro genes — incluindo o PCSK9 —, o mal se apresenta em duas formas. A heretozigótica (HFEe) é a mais branda, e os níveis de LDL dos pacientes variam de 310mg/dl a 580mg/dl. Na versão mais rara e severa, a homozigótica (HFHe), os doentes — crianças, inclusive — apresentam níveis que chegam a 1.160mg/dl.
De acordo com o cardiologista Francisco Fonseca, a HFEe tem prevalência de uma em cada 200-500 pessoas e, no Brasil, a estimativa é que atinja 300 mil indivíduos. Contudo, ele acredita que o número possa ser maior, pois há desconhecimento sobre a doença, o que pode levar a um diagnóstico deficiente “É possível que até 800 mil pessoas no Brasil tenham HFEe”, afirma. Nos testes clínicos com pacientes de hipercolesterolemia familiar, o repatha associado à estatina alcançou uma redução adicional de 75% do colesterol LDL.
Dificuldade de adesão
Além das pessoas com problemas de colesterol alto por doença genética, o evolocumabe poderá beneficiar um grupo de pacientes que apresenta um somatório de condições adversas e, por isso, risco aumentado de eventos cardiovasculares. “Por exemplo, quem já sofreu um infarto e tem pressão alta, diabetes e colesterol alterado tem seis vezes mais chance de sofrer um novo evento”, diz o chefe do Serviço de Arterosclerose e Prevenção Cardiovascular do Instituto Nacional de Cardiologia (INC), Marcelo Assad. Ele lembra que as previsões para o Brasil são drásticas, com aumento de 250% no número de mortes por doenças cardiovasculares de 2000 a 2040 — como comparação, nos Estados Unidos, essa elevação será de 50%.
Esses pacientes com múltiplas condições, além do risco aumentado, têm um problema de adesão ao tratamento. “Eles já ingerem muitos remédios e podem parar de tomar as estatinas”, observa. Segundo Assad, uma pesquisa com 5.556 europeus que precisavam fazer uso desse tipo de medicamento mostrou que apenas 61% seguia corretamente a prescrição. “No Brasil, a adesão oscila de 10% a 15%”, diz. “Se o paciente é hipertenso, diabético e tem colesterol alto, não adianta tratá-lo com subdoses ou drogas menos potentes”, destaca. Uma vantagem do inibidor de PCSK9 é que ele é injetável (o próprio paciente aplica com um dispositivo que parece uma caneta e não deixa a agulha à mostra) e só requer uma aplicação a cada 15 dias.
Intolerantes
Outra indicação do medicamento é para o grupo de pacientes com intolerância às estatinas.
Com poucos efeitos colaterais — os mais frequentes foram faringite, cefaleia e infecção no trato superior —, o medicamento biológico, contudo, não será para todos os bolsos. O preço máximo ao consumidor ainda não foi definido pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), que deve fazê-lo nos próximos dias. Nos Estados Unidos, a caixa com duas doses (suficiente para um mês) custa por volta de US$ 1 mil. Nos países europeus, ele chegou custando metade disso. “Esse é um tratamento fabuloso, mas que não deve ser indicado para todas as pessoas que têm colesterol alto. As estatinas ainda são o tratamento padrão”, lembra o cardiologista Francisco Fonseca, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)..