Um dos expoentes da dança moderna e contemporânea do Brasil, a bailarina e coreógrafa Suely Machado (foto), diretora artística do Grupo de Dança Primeiro Ato, presenciou, nos mais de 30 anos de experiência na produção e fomento da arte, seu poder transformador. Além do grupo profissional, ela trabalha com a formação de bailarinos no centro de dança do grupo e em projetos sociais.
“Quando você dança, você pensa, se movimenta, desenvolve a sensibilidade, oxigeniza o corpo, libera as toxinas do prazer, ganha consciência do seu movimento, exercita o esqueleto, reduz a ansiedade, melhora sua percepção do espaço, da natureza, trabalha a concentração, sua expressividade, a respiração, o pulmão, o fígado, o intestino, as cordas vocais... É uma ferramenta de transformação, de conhecimento do corpo, consciência do toque, do olhar, da escuta”, enfatiza a artista. O Bem Viver foi conhecer um pouco da história de vida dedicada à dança de Suely, para, quem sabe, inspirar até os mais tímidos a experimentar um ou outro passo.
Deixe a vergonha de lado, sinta a música fluir no seu corpo e liberte-se. Dançar é remédio para o corpo e para a alma. Pode ser sozinho em casa, na pista de dança ou em uma academia.
Paixão para a vida inteira
Além de se fundar um centro de formação de dança, bailarina criou o projeto social Dançando na escola, que abriga cerca de 180 crianças de 6 a 12 anos
Dançar é muito mais que uma escolha profissional ou paixão, para Suely Machado, cofundadora e diretora artística do renomado Grupo de Dança Primeiro Ato. É uma ferramenta de autoconhecimento, de sensibilização e transformação de realidades.
Dos movimentos espontâneos ao ouvir músicas na infância a uma vida inteira de dedicação à arte. Até ingressar na faculdade de psicologia, Suely não vislumbrava a dança como carreira. Por sugestão de um amigo, aos 17 anos, descobriu vertentes menos tradicionais, como o balé, e passou a estudar dança moderna. Daí em diante, não abandou mais a atividade. Inspirada por grandes artistas e parceiros, ela começou a escrever sua história e deixar a sua marca na cena cultural brasileira.
Depois de se formar e de atuar por curto período em psicologia, ela e mais três bailarinas, cada uma com formação artística diferente, decidiram que era o momento de criar um centro de formação de dança, onde pudessem desenvolver a criação artística e formar profissionais dentro desse conceito. Assim, nasceu, em 1982, o Primeiro Ato, grupos de dança mineiro dos mais respeitados do país.
Sempre achei que a dança é uma linguagem que sofre interferência de outras linguagens, como artes visuais, teatro, poesia, dramaturgia, literatura, enriquecendo-a ainda mais. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que dialoga com outras áreas artísticas, tem a sutileza do movimento minimal, as nuances mais sutis do movimento humano. O que queríamos naquela época era apontar em um estilo de dança diversificada, que conversasse com essas outras linguagens. Para isso, tínhamos que atuar na formação, para criar bailarinos que tivessem em seu movimento a influência dessa nossa proposta”, conta Suely.
Depois de completar a maioridade, o Dançando na escola já formou, inclusive, bailarinos que, hoje, fazem parte do corpo profissional do grupo. Depois que a criança chega na idade limite do projeto, é oferecida uma bolsa no centro de formação para a continuidade na dança. “No projeto, podemos ver o poder modificador e transformador da dança. No começo, levamos cerca de seis meses para que conseguíssemos fazer com que as crianças pararem de bater umas nas outras. Observamos que essa era uma forma de contato entre elas, quase como uma brincadeira. Hoje, a situação é bem diferente. No centro de formação e no Dançando na escola, as crianças desenvolvem o que chamamos de sensibilização artística.
BENEFÍCIOS A coreógrafa estimula qualquer pessoa a se descobrir na dança. Não importa a idade, classe social, peso, origem. É uma das expressões artísticas mais democráticas que existem. Além de todos os benefícios físicos, a atividade desenvolve a sensibilidade, convívio em grupo, contato com culturas diversas, consciência corporal e espacial e coordenação motora. É, ainda, momento lúdico e de relaxamento.
E nem adianta vir com a famosa desculpa de não saber dançar: “Existe a pessoa que tem dificuldade de ritmo, a pessoa que é mais tímida. O famoso desajeitado. E se você pegar esse desajeito e colocar em uma música, você vai criar uma dança muito própria com ela. Não existe não saber dançar. Porque até o seu 'desengonço' pode ser uma dança muito bacana. Sou do juri do Dança dos Famosos (quadro do Domingão do Faustão). E o Fernando Rocha, um jornalista de Belo Horizonte, fez isso de uma forma maravilhosa. Ele é tão desconjuntado, desajeitado e sem ritmo que fez uma coisa tão diferente, que todo mundo adorou. Ele avançou muito mais no programa do que muitos que tinham mais ritmo e capacidade do que ele. Foi lá para ser feliz. E se conectou, mexeu com a nossa emoção. Cabe a cada um ter a coragem para se lançar nesse desafio, como para qualquer outra coisa na vida”.
De acordo com o perfil
Quem dança, seus males espanta. A adaptação do ditado popular faz todo o sentido. Além de colocar o corpo em movimento, a atividade traz uma série de benefícios para a saúde fisiológica e mental. Geralmente realizada em grupo, pode ser uma boa opção de exercício físico para quem não se adapta à academia ou outra prática esportiva, promovendo também o convívio social e alívio das tensões do dia a dia.
Tonificação muscular, melhora na capacidade cardiovascular, conscientização corporal, flexibilidade, socialização, combate ao estresse. Essas e outras qualidades atraem a cada dia mais pessoas às aulas de dança. De olho no mercado, e buscando quebrar a monotonia das salas de musculação, as academias já inseriram a dança em suas grades, com variada opção de estilos aliados à ginástica. A moda recente da zumba é um exemplo disso.
Um grupo de estudos da pós-graduação em ciência da saúde da Universidade Federal de Sergipe (UFS) realizou a pesquisa “Efeito da terapia por dança na pressão arterial e capacidade de exercício em indivíduos com hipertensão: revisão sistemática e meta-análise”, constatando os benefícios da atividade no controle da pressão arterial. Os responsáveis pela análise são Lino Sérgio Rocha Conceição, Mayra Alves Soares do Amaral, Paulo Ricardo Saquete Martins-Filho, Vitor Oliveira Carvalho e Mansueto Gomes Neto.
Conheça os benefícios da dança
MANTER A FORMA O fisioterapeuta explica que, pela gama de estilos, quem optar pela dança como maneira de se manter em forma, deve pesquisar sobre qual deles melhor se encaixa no perfil pessoal, respeitando, principalmente, os limites individuais.
“Pessoas com idades diferentes apresentam organismos diferentes e mecanismos fisiológicos diferentes. Respeitada as condições físicas, clínicas e funcionais para cada indivíduo, a dança pode ser sim, ferramenta tanto terapêutica quanto lúdica. Pode ser uma boa opção de atividade física, levando-se em conta esses limites individuais. Nosso estudo foi feito com um grupo específico, mas, na conclusão da pesquisa, ressaltamos a importância de que mais estudos relativos ao tema sejam realizados com rigor metodológico para que a dança possa ser colocada como boa opção para indivíduos normais, com hipertensão, com depressão...”, acrescenta Conceição.
Também para homens
“Um homem que dança, vai ser um homem mais harmonizado, mais gentil, mais educado, menos troglodita. E isso incomoda”, afirma Suely Machado. Infelizmente, o mundo da dança ainda convive com preconceito. E essa barreira afasta muitos homens de aproveitarem todos os benefícios da atividade, mesmo no momento de prazer. A coreógrafa explica que, em localidades em que os ritmos populares e folclóricos ainda são marcantes, a presença masculina é maior, como no Sul e Nordeste do país. Movimentos urbanos, como o funk, soul e até o passinho, também ajudam a quebrar essas limitações impostas pela nossa cultura machista. “Toda mulher gosta de um homem que sabe dançar. Porque o homem não pode aprender a ter consciência do próprio corpo? Isso é ridículo. Quantas vezes já dei oficinas em fábricas, para trabalhadores da indústria desenvolverem essa consciência corporal para não se machucarem. É impressionante que, ainda hoje, um pai tenha medo de colocar um filho numa escola de dança, porque acha que ele vai virar gay. É muito triste pensar que ainda existe isso”, acrescenta.