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Substâncias químicas nos cosméticos aumentam busca por produtos naturais

Nyle Ferrari, autora do e-book Beleza Tóxica: conheça os perigos por trás do seu cosmético - Foto: Arquivo PessoalSeja nos laboratórios das universidades, seja em grupos de discussão sobre o tema, a sociedade está começando a se questionar sobre a real segurança da formulação de cosméticos. Uma das maiores polêmicas sobre o assunto foi o uso de formol em alisantes de cabelo. Em 2009, após muitos relatos de alergias e queimaduras nas usuárias, e também nos profissionais que aplicavam o produto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) baniu o componente em todo o país. Segundo a agência, os sintomas de intoxicação por causa da solução podem incluir, ainda, dor de cabeça, tontura, desmaio e até câncer.

A dermatologista Regina Buffman confirma o consenso da comunidade médica sobre o formol e ressalta que, caso não haja novas descobertas sobre a substância, o risco é indiscutível. "O formol é altamente cancerígeno, por isso, não existe uma dose considerada tolerável", alerta. Buffman também evita receitar para pacientes produtos que contenham parabeno, a polêmica do momento. Trata-se de um dos conservantes mais utilizados em cosméticos, composto por éter e álcool.

A cautela da dermatologista surgiu depois de um estudo conduzido pela cientista especializada em oncologia Philippa Darbre, da Universidade de Reading, na Inglaterra. Darbre foi uma das primeiras acadêmicas a levantar o debate sobre as altas concentrações de parabenos nos produtos de beleza, e, sem dúvidas, seu trabalho foi o de maior repercussão sobre o tema.

Em 2004, ela analisou a concentração do componente em células de mulheres que estavam com câncer de mama. O resultado foi alarmante: 99% do material recolhido no local do tumor tinham pelo menos um dos tipos de parabeno encontrado em desodorantes. A Comissão Europeia de Saúde e Defesa do Consumidor, no entanto, apontou falhas no estudo. A justificativa era o fato de que é baixa a porcentagem de desodorantes que contêm parabenos (cerca de 2%), além de a especialista ter desconsiderado os parabenos existentes nos medicamentos anticâncer utilizados por essas pacientes.

As alterações hormonais causadas pelo parabeno, porém, já haviam sido sugeridas em 1998, em uma pesquisa do endocrinologista molecular Edwin Routledge, da Brunel University London. A tese dele é de que o parabeno teria a capacidade de imitar o estrogênio, hormônio feminino, consequentemente, provocando uma alta hormonal e um desequilíbrio do organismo. Um outro estudo realizado em 2002 pelo Laboratório de Saúde Pública de Tóquio, no Japão, também apontou problemas de fertilidade em mamíferos machos expostos ao propilparabeno, depois de analisar ratos divididos em grupos, durante quatro semanas.

A dermatologista Regina Buffman reconhece a influência hormonal exercida pelas substâncias presentes nos produtos de beleza e lembra ainda que cosméticos podem desencadear puberdade precoce em crianças.
Ela conta que, nos anos 2000, houve um caso de surto de puberdade precoce em meninas negras, no Rio de Janeiro. Todas as crianças tinham uma característica em comum: usavam alisantes com parabenos, o que sugere uma relação entre os fatos.

Resultado similar foi publicado pelo American Journal of Epidemiology, após um estudo com afro-americanas. De 1997 a 2009, 23 mil mulheres foram acompanhadas, e foi detectada a puberdade precoce dentre as usuárias de alisantes. Além disso, foi identificada uma incidência de miomas uterinos de duas a três vezes maior que nas demais mulheres. Os miomas também seriam causados por desequilíbrios hormonais, especialmente pela puberdade precoce, o que gerou mais alerta. "Mesmo que não haja uma comprovação de que o parabeno realmente faz mal, a gente pede pra evitar", sugere a médica.

Apesar de o estudo não ter sido conclusivo, o alerta foi dado e, logo, outros pesquisadores começaram a investigar a questão. O dermatologista Erasmo Tokarski explica que justamente pelo fato do parabeno ser tão comum, a correlação pode ser apenas uma coincidência estatística, mas, na dúvida, também não recomenda o uso da substância em seus pacientes.

A servidora pública Sandra Ulhoa, de 55 anos, foi além e interrompeu completamente o uso de cosméticos convencionais ainda na adolescência. Graduada em química, Sandra conta que participou de um experimento que comparava a concentração de metais pesados na corrente sanguínea de homens e mulheres e se surpreendeu com o que descobriu: "A diferença era muito grande nas mulheres", conta.
Uma possível explicação para os dados é justamente o uso de metais pesados em artigos de maquiagem. O batom, por exemplo, tem alta concentração de chumbo.

Desde então, só hidratante e protetor solar fazem parte da rotina da servidora pública. Sandra se deparou com dermatologistas que tentaram fazê-la mudar de ideia, mas tem receio quanto às medidas de controle no segmento. "Existem algumas marcas que são responsáveis, pesquisam e investem muito na melhoria desses cosméticos, mas há muitos produtos que não passam por fiscalização", acredita.

ENTREVISTA - Nyle Ferrari

"Não somos cobaias." A polêmica das composições rendeu um livro eletrônico sobre o assunto, lançado em junho. O e-book Beleza Tóxica – Conheça os perigos por trás do seu cosmético, escrito por Nyle Ferrari, faz um apanhado dos principais componentes que são objeto de estudo de especialistas. A jornalista de 23 anos envolveu-se com a causa há cerca de quatro anos, quando começou a descobrir o que estava oculto nos produtos que usava. O aprofundamento de Nyle ficou cada vez maior e, a convite de uma marca de cosméticos naturais, escrever um livro. Nyle é também autora de um blog de beleza, e logo o tom das postagens assumiu um caráter mais engajado. A jovem hoje aborda, além da beleza natural, temas relacionados ao veganismo e ao consumo consciente.

Como você decidiu abandonar os cosméticos convencionais?

Aderir aos cosméticos orgânicos e naturais foi uma consequência quando descobri que os produtos de beleza comuns eram cheios de ingredientes nocivos. Mas essa mudança foi gradual.
Substituir todos os meus cosméticos de uma só vez sairia caro e jogar tudo o que eu tinha fora seria um enorme desperdício. Comecei trocando itens como sabonetes, xampu, condicionador e hidratantes, aos quais estava mais exposta diariamente, para depois ir para o resto. De pasta de dente a maquiagem, substituí tudo por versões naturais e o processo foi mais tranquilo do que imaginava.

Qual foi a reação dos dermatologistas quando você compartilhou a sua escolha?

Quando decidi usar cosméticos orgânicos, morava em uma cidade pequena. Fui desencorajada por uma dermatologista ao pedir ajuda. Apesar de estudos respeitados mostrarem o contrário, ela me disse que produtos naturais não eram eficazes, e que os cosméticos convencionais são completamente seguros. Fiquei chateada pela incompreensão da profissional e decidi fazer tudo por conta própria. Ao me mudar para São Paulo, tive à minha disposição muitos dermatologistas e esteticistas bem informados e dispostos a atender às minhas necessidades.

Quais as vantagens dos cosméticos naturais em relação a receitas caseiras?


As marcas de cosméticos orgânicos brasileiras investem em pesquisa para aprimorar seus produtos e fazer com que tragam resultados surpreendentes. Receitas caseiras são ótimas. Sou uma grande entusiasta delas, mas produtos industrializados podem ser mais potentes e entregar o efeito esperado em menos tempo.

Como surgiu a ideia de escrever o e-book Beleza Tóxica?

Diariamente, as pessoas estão expostas a dezenas de ingredientes associados a problemas como dermatite, distúrbios hormonais e até câncer. Nós precisamos falar sobre isso.
Há anos, luto para que as pessoas saibam o que está por trás dos rótulos dos cosméticos e façam as melhores escolhas.

Quais foram as maiores dificuldades durante a produção do livro?

Foi muito difícil encontrar informações confiáveis. Muitas mentiras são espalhadas na internet. Diversos sites afirmam que determinado ingrediente pode causar câncer ou outros males sem dizer de onde veio aquela informação. É muito fácil ser enganado. Levei ao menos quatro meses apenas apurando. Questionei tudo o que eu sabia até hoje, fui atrás de pesquisas e recorri a respeitadas organizações ligadas ao tema, como Campanha por Cosméticos Seguros e Grupo de Trabalho Ambiental, para oferecer um material realmente confiável. Foi necessário traduzir a linguagem dos cientistas para o público leigo. Existem muitos termos usados pela comunidade científica que são obscuros para a maioria das pessoas. Foi um desafio traduzir essa linguagem acadêmica sem distorcer a informação ou torná-la rasa demais.

Você acredita que com a popularização dos produtos naturais o Brasil está caminhando para uma onda de greenwashing?

O greenwashing já é uma realidade. Muitas empresas tiram proveito do contexto em que as pessoas estão, cada vez mais, adotando hábitos mais saudáveis, em busca de produtos naturais, mas ainda são leigas no assunto. Uma embalagem verde bem bonita e um rótulo que diz "amigo da natureza" não querem dizer que aquele produto é sustentável. O consumidor precisa estar ciente. Já existem muitas pesquisas que mostram também que o greenwashing é uma prática muito comum, e o Brasil está entre os países com mais apelos mentirosos.

O que falta para componentes possivelmente tóxicos, como formaldeído e parabeno, serem banidos?

Banir ingredientes nocivos para a saúde do consumidor é responsabilidade da Anvisa e ela deveria ser mais rígida nesse sentido. Existem dezenas de substâncias que são liberadas no Brasil, como hidroquinona, ftalatos e PPD, mas banidos na Europa, por oferecem risco à saúde. Existem estudos respeitados que mostram possíveis males causados por esses ingredientes. Não há razão para permitir que eles sejam usados. Não somos cobaias. As grandes empresas já estão começando a se adaptar, produzindo produtos sem parabenos, fragrâncias artificiais, preferindo óleos e manteigas vegetais em invés de ingredientes derivados de petróleo. Mas levará tempo até que elas abandonem totalmente ingredientes polêmicos.

Maquiagem empresarial


Com o debate sobre a composição de cosméticos, aumentou também a atenção que as marcas dedicam ao assunto. Nem sempre, porém, as mudanças na cadeia produtiva são significativas. A partir daí, pode ocorrer o processo de greenwashing. O termo, que em tradução literal significa lavagem verde, é usado para designar a construção da imagem ambiental da marca sem que as atitudes sejam efetivas. De acordo com o estudo The Sins of Greenwashing (Os pecados do Greenwashing) de 2010, realizado pela consultoria canadense TerraChoice, o Brasil é um dos campeões mundiais na manobra, junto com o próprio Canadá. Além do segmento cosmético, um dos ramos que mais tem seu funcionamento atrelado ao greenwashing é o da produção de papel. Para evitar a falsa imagem, existem selos e órgãos reguladores em todo o mundo que atestam as formulações, como o internacional Ecocert e o brasileiro IBD, órgão responsável por garantir a formulação não tóxica do cosmético. Produtos naturais, por exemplo, só recebem esse rótulo do Ecocert caso tenham 5% de componentes orgânicos e o restante de insumos naturais, sejam eles orgânicos ou não. Somente essas certificações podem comprovar se é verdade o que consta no rótulo.

Potencial alérgico

Segundo Erasmo Tokarski, o processo alergênico é diferente do de intoxicação: o alumínio, por exemplo, é tóxico. Nesses casos, basta suspender o uso para que o organismo elimine naturalmente o fator estranho. Já a alergia, uma vez instalada, impede o uso da substância que a desencadeia. Uma das consequências da instalação do processo alérgico é a dermatite de contato, inflamação que pode causar bolhas e desconforto.

Para tratar a dermatite, é necessário fazer a troca por produtos hipoalergênicos, que, apesar de não serem necessariamente orgânicos ou naturais, também buscam uma formulação mais enxuta. A fragrância, usada não só em perfumes mas na maioria dos produtos de beleza, é um dos fatores de risco. Segundo Regina Buffman, outras possibilidades são o tolueno e o formaldeído, componentes de esmaltes. "Esses componentes em pequeníssimas quantidades, mas, mesmo assim, muitas mulheres têm relações alérgicas e deixam de tolerar a substância", afirma. Apesar do risco, o risco varia em cada organismo. "São várias as substâncias que podem causar alergia, mas a pessoa tem que ter predisposição para desenvolver o processo alérgico".


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