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Ciência explica por que é tão difícil resistir a petiscos e guloseimas

Investigações buscam as respostas em vários fatores, de circuitos cerebrais à educação que os pais dão aos filhos

Humberto Rezende
- Foto: Cristiano Gomes / CB / D.A Press
Inúmeros problemas de saúde surgem devido a uma combinação de fatores genéticos, ambientais e comportamentais. Em poucos, no entanto, essa confluência de causas fica tão evidente quanto na obesidade. Se alguns estudos indicam que certas pessoas têm maior predisposição a ganhar peso, outros mostram que essa tendência só se confirma se os hábitos alimentares são ruins. Esses, por sua vez, costumam se formar em dinâmicas familiares nas quais se dedica pouco tempo ensinando a criança sobre quais produtos são saudáveis e quais devem ser evitados.

Torna-se, assim, impossível apontar uma só origem para esse mal, que, segundo projeções da Organização Mundial da Saúde (OMS), daqui a 10 anos afetará 10% da população mundial, ou 700 milhões de pessoas - sem contar aquelas com sobrepeso, que representarão um contingente de 2,3 bilhões. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, 50% dos cidadãos estão acima do índice de massa corporal ideal.

Por isso, na busca por compreender a obesidade e encontrar as formas mais eficazes de combatê-la, especialistas tentam as mais diferentes abordagens, como fica claro no conjunto de estudos apresentados no encontro anual da Sociedade para Estudos sobre o Comportamento Ingestivo (SSIB, na sigla em inglês), que ocorre esta semana em Porto (Portugal). Na reunião, que terminará no sábado, pesquisas sobre mecanismos cerebrais que dificultam o autocontrole diante de uma guloseima dividem espaço com trabalhos que correlacionam a frequência com que crianças recorrem a petiscos com o tipo de postura adotada pelos pais na educação dos filhos, passando por uma inédita análise que monitorou ao mesmo tempo o estômago e o cérebro de indivíduos enquanto eles se alimentavam.

Veja alguns dos trabalhos expostos na reunião que você pode seguir:

Água pode ajudar?

Você provavelmente ouviu de algum especialista que é melhor evitar tomar grandes quantidades de líquido durante as refeições, pois atrapalha a digestão e provoca maior distensão do estômago, o que pode fazer com que a vontade de comer mais cresça. No entanto, um estudo liderado por Guido Camps, da Wageningen University, na Holanda, sugere que adicionar um copo grande de água aumenta a saciedade e ajuda a pessoa a comer menos.

O estudo de Camps foi o primeiro a monitorar, por meio de ressonância magnética e ressonância magnética funcional, o cérebro e o estômago de indivíduos durante uma refeição, além de complementar os dados com questionários sobre como os participantes se sentiam.
Dezenove voluntários receberam como refeição um shake batido e em seguida tomavam um pequeno copo d’água (de 50ml) ou um maior (de 350ml).

Os exames mostraram que o grupo que ingeriu mais água ficou com o estômago mais distendido e que isso foi registrado pelo cérebro. Além disso, nos questionários, esses participantes se disseram mais satisfeitos algumas horas depois, demonstrando menos vontade de comer. “Descobrimos que adicionar água aumenta a distensão do estômago, controla o apetite no curto prazo e aumenta a atividade de certas regiões cerebrais”, diz Camps.

O especialista, contudo, esclarece ao Correio que o estudo é inicial e integra um projeto mais amplo que busca estratégias que ajudem as pessoas a comer de forma melhor. “Ainda é muito, muito cedo para aconselhar as pessoas a adotarem esse hábito como rotina”, ressalta o autor.

Problema de memória
Estudos anteriores com animais tinham encontrado evidências de que a dieta ocidental — rica em gordura e açúcar e pobre em frutas, vegetais e fibras — prejudica a capacidade do cérebro de inibir memórias que não são mais úteis, função que cabe a uma região chamada hipocampo. Essa descoberta levou à hipótese de que uma alimentação pouco saudável estimula a comilança porque impediria o cérebro de inibir lembranças relacionadas à comida a partir do momento em que a pessoa estivesse satisfeita. Assim, mesmo com o estômago cheio, o indivíduo se sentiria tentado a atacar uma guloseima exposta em uma vitrine porque a memória de que aquilo lhe causa prazer continuaria existindo.

No encontro em Portugal, pesquisadores da Universidade Macquaire, na Austrália, mostraram que, de fato, o processo observado em bichos também acontece nas pessoas. O autor do trabalho, Tuki Attuquayefio, aplicou nos participantes testes de aprendizado e memória que costumam exigir mais do hipocampo e também investigou seus hábitos alimentares. Os voluntários mais engajados na dieta ocidental se mostraram mais lentos no aprendizado e com uma memória pior.
Além disso, esse grupo admitiu que, mesmo quando está satisfeito, continua com pouca capacidade de resistir a petiscos. “Esse efeito estava fortemente relacionado à performance nas tarefas de aprendizado e memória, sugerindo um link entre os dois via o hipocampo”, afirma Attuquayefio, em comunicado.

Diferença entre gêneros
Em momentos de estresse, tanto mulheres quanto homens recorrem a alimentos doces ou gordurosos, que, nessas ocasiões, recebem o nome de comida de conforto (do inglês, comfort food). Agora, um estudo com ratos indica que os mecanismos cerebrais por trás do fenômeno muda de acordo com o gênero e que, no caso das mulheres, o ciclo menstrual pode desempenhar um importante papel.

No trabalho, cientistas da Universidade de Cincinnati deram a ratas, durante 14 dias, uma solução de água com açúcar, enquanto outro grupo de fêmeas bebia água pura. Depois, quando os animais forma colocados sob situações desafiadoras, fêmeas acostumadas ao doce tiveram uma resposta hormonal ao estresse menor, como observado anteriormente em machos. Contudo, essa resposta reduzida só se deu nas ratas que estavam com altos níveis de estrogênio. Além disso, algumas áreas cerebrais ativadas pela comida de conforto em machos também só foram ativadas nas fêmeas durante esse período do ciclo estral (o ciclo menstrual em animais).

“Sabemos que tanto homens quanto mulheres comem alimentos saborosos como uma estratégia para reduzir o estresse.
Esse estudo é importante porque sugere que machos e fêmeas podem usar regiões cerebrais um pouco diferentes e que o alívio do estresse nas mulheres pode também ser afetado pelo ciclo estral”, explica Ann Egan, principal autora do trabalho.

Cuidado com o lanche
Em uma pesquisa que buscou examinar como os pais contribuem para o hábito dos filhos de petiscar constantemente, cientistas da Universidade de Michigan e da Faculdade de Saúde Pública da Universidade Temple, ambas nos EUA, identificaram que crianças cujos responsáveis não controlam com afinco o que elas comem acabam ingerindo 40% de todo o açúcar que consomem por meio de guloseimas como sobremesas, refrigerantes e salgadinhos.

“Esses pais, geralmente, são engajados em muitos outros aspectos, mas se envolvem pouco quando se trata da alimentação dos pequenos”, afirma Sheryl Hughes, da Universidade de Michigan. O estudo acompanhou famílias de origem hispânica nos Estados Unidos — entre as quais a obesidade infantil é muito mais comum — por 18 meses, observando os hábitos alimentares de crianças em idade pré-escolar ou no início do ensino fundamental.

“Sabemos que uma porção significativa das calorias diárias ingeridas pelas crianças americanas vêm dos lanches, que são uma parte importante da dieta  infantil. Nossos achados sugerem que filhos de pais pouco envolvidos na educação alimentar estão sob maior risco de cometer excessos”, acrescenta Kate Bauer, principal autora do trabalho.

Como resistir?
A dieta vai bem até que, na hora de pagar o almoço no self-service, você se depara com seu chocolate preferido exposto no balcão ao lado do caixa. Buscar uma maneira de ajudá-lo a resistir a essa tentação foi o principal objetivo de um time da Universidade de Illinois em Chicago (EUA). O grupo levou ao encontro em Portugal um estudo no qual investigaram, em ratos, os mecanismos cerebrais por trás de comportamentos ativos (apertar uma alavanca para ganhar bolinhas de açúcar) e de evitação (quando os animais recebiam um sinal de eles deveriam parar de pedir mais doces).

Curiosamente, os pesquisadores notaram que tanto para agir quanto para resistir, os animais acionavam uma mesma área cerebral, o córtex pré-frontal medial, já relacionado com execução de tarefas. “Vimos que interromper um comportamento que tipicamente traz prazer também é um processo ativo”, diz Jamie Roitman, principal autora do trabalho. “É intuitivo pensarmos que temos de ser ativos quando queremos iniciar uma ação, mas dar um basta em certos tipos de comportamento também é um processo ativo”, completa.

Dando prosseguimento à pesquisa, os cientistas viram que, quando estimularam o córtex pré-frontal medial dos ratos, eles se tornaram mais capazes de atender ao comando de interromper o pedido por mais bolinhas de açúcar. “Os resultados sugerem que essa área do cérebro pode ser usada para frear um comportamento se algum estímulo ambiental o ativá-lo”, diz a pesquisadora, que imagina ser possível criar aplicativos de celular que desempenhem esse papel..