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Embora ainda não se saiba exatamente os motivos da predileção dos micróbios pelas lentes de contato, pesquisadores têm buscado mapear quais são esses invasores, como agem e formas de combatê-los. “Ainda temos um conhecimento limitado de como bactérias associadas às lentes de contato e aos estojos dessas lentes danificam as células da superfície do olho. Nosso estudo abre caminho para novas terapias que aliviam a inflamação associada a esse problema ocular, que é geralmente grave”, nota Robert Shanks, pesquisador da Universidade de Pittsburgh (EUA) e líder do estudo, apresentado no último encontro da Sociedade Americana para Microbiologia, no mês passado.
A equipe observou, em laboratório, córneas humanas contendo duas espécies de bactérias: a Proteus mirabilis e a Serratia marcescens, que causam infecções nos olhos e em outras partes do corpo. Especificamente na região ocular, esses micro-organismos provocam mudanças morfológicas na superfície da camada epitelial da córnea. De acordo com os cientistas, essas mudanças se assemelham a uma larga membrana com bolhas, o que causa a morte de células dos olhos.
Indo mais a fundo, o time de pesquisadores analisou a genética das bactérias para encontrar os genes responsáveis por causar as bolhas na membrana da córnea. Eles descobriram que existe uma proteína reguladora, a GumB, relacionada à expressão de Sh1A, a indutora da formação de bolhas. Outro aspecto que chamou a atenção dos pesquisadores é que a proteína Sh1A é comum a diversos tipos de bactérias que causam mal ao corpo humano. Como estratégia para prevenir a ação desses elementos, o estudo sugere que bloquear a expressão gênica da GumB e da Sh1A pode ser uma forma de prevenir a infecção associada à inflamação e aos danos oculares.
Falhas protetivas
Segundo Adriano Biondi, oftalmologista do Hospital Israelista Albert Einstein e não participante do estudo, o sistema ocular humano tem diversas formas de proteção, como sobrancelhas, cílios e o filme lacrimal. No entanto, é importante estar atento a possíveis falhas nesse sistema. “Quando todas essas barreiras falham, os sintomas passam a constituir um sinal de alarme importantíssimo para as devidas providências. Estruturas nobres, como a córnea, são muito sensíveis. Nesse caso, a dor pode ser um dos primeiros sinais de problema. Pode começar com uma sensação de corpo estranho e tende a piorar em intensidade com a evolução da infecção. A aversão à luz (fotofobia) e os olhos vermelhos (hiperemia) também estão presentes”, detalha.
Quanto às lentes de contato, Biondi chama a atenção para as recomendações de higienização e demais cuidados que devem ser um hábito dos usuários. “Elas são seguras se utilizadas de acordo com as recomendações, mas muitas pessoas abusam e se acostumam com o risco”, diz. O médico também lembra que a córnea é uma estrutura que não tem vasos sanguíneos, pois funciona como uma lente natural da retina e deve manter sua transparência. No entanto, demanda muito oxigênio, fornecido pela difusão dos vasos presentes nas pálpebras e no filme lacrimal. “Quando usamos as lentes de contato, diminuímos a oferta do oxigênio para a córnea, que fica mais suscetível aos ataques de micro-organismos. Por isso, em geral, se recomenda evitar dormir com elas”, alerta.
Transplante
Além das bactérias observadas no estudo norte-americano, Biondi aponta para os riscos da infecção causada pelo protozoário Acanthamoeba sp, que também provoca a ceratite. “Trata-se de um micro-organismo extremamente resistente, que pode viver durante anos em sua forma de cisto, aderir às lentes de contato por meio da contaminação pela água ou pelas mãos e, posteriormente, colonizar a córnea”, explica o médico.
O problema é que a córnea oferece as condições ideais para o desenvolvimento do micróbio, que pode provocar uma infecção de difícil controle. “Há o risco de evoluir de uma sensação de corpo estranho e irritação para um quadro de dor muito intensa, hiperemia e perda da transparência da córnea. Não é incomum a necessidade de realização de transplantes de córnea para o reestabelecimento da visão nesses casos”, complementa Biondi.
A mudança de alguns hábitos geralmente praticados por quem utiliza lentes de contato é uma forma de evitar os prejuízos da ceratite microbiana. “Dormir com lentes de contato, praticar esportes aquáticos com elas e não descartá-las no período recomendado pelo oftalmologista são fatores que aumentam o risco de complicações e infecções”, pontua Maria Regina Chalita, representante da regional de Brasília do Conselho Brasileiro de Oftalmologia.
E, para quem desconfia dos sintomas, a médica frisa: “No caso de suspeita de infecção, recomenda-se a suspensão imediata do uso das lentes e procurar imediatamente um oftalmologista. Quanto mais precoce for o diagnóstico e o início do tratamento, menor a chance de sequelas visuais”, justifica.
Quase sempre evitável
A Organização Mundial da Saúde estima que entre 60% e 80% dos casos de cegueira poderiam ser evitados com diagnóstico e tratamento precoces. No planeta, há 285 milhões de pessoas com baixa visão ou cegueira, sendo 1,2 milhão no Brasil. A estimativa é de que, em 2020, o número suba para 300 milhões. Na América Latina, a principal causa da perda da visão é a catarata, que pode ser curada cirurgicamente.