Pesquisadores publicam carta aberta contra "PL da Prematuridade"

Projeto de lei nº5687 quer liberar cesarianas eletivas a partir de 37 semanas. Prematuridade é a principal causa de mortalidade infantil no primeiro mês de vida

por Valéria Mendes 14/07/2016 15:53
STRINGER/COLOMBIA
A pesquisa Nascer no Brasil mostra que 35% dos recém-nascidos brasileiros nasceram a termo precoce, índice que corresponde a mais de um milhão de bebês imaturos (foto: STRINGER/COLOMBIA)
Menos de uma semana depois que o Conselho Federal de Medicina publicou resolução que obrigava que cesarianas eletivas (sem indicação médica) só pudessem ser marcadas a partir da 39ª semana, o deputado federal Victorio Galli (PSC-Mato Grosso) protocolou o projeto de lei nº 5687/2016 na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) que libera a cirurgia a partir de 37 semanas. A iniciativa tem gerado repercussões negativas entre pesquisadores e especialistas em saúde, ativistas pelo parto normal e famílias.

Apelidado de “PL da Prematuridade”, um bebê que nasce de cesariana antes de 39 semanas tem grandes chances de nascer prematuro e com baixo peso. Para sensibilizar a comunidade e os deputados que irão votar o projeto de lei, pesquisadores de diferentes instituições científicas publicaram uma carta aberta afirmando que o PL “contraria todas as evidências científicas que apontam prejuízos para a saúde da mãe e, principalmente, do bebê”.

A resolução do CFM segue normas do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG) e tem o objetivo de reduzir o nascimento de crianças imaturas, denominadas de termo precoce, que nascem entre 37 e 38 semanas e seis dias gestacionais. “As últimas semanas de vida da criança dentro do útero e o trabalho de parto são fundamentalmente dedicados à preparação fina do bebê para sua convivência com o mundo exterior. Isso inclui adaptações à pressão atmosférica, mudanças de temperatura, ruídos, luz, bactérias e a necessidade de respirar e se alimentar. A interrupção abrupta desse processo de amadurecimento, na 37ª semana, gera perdas múltiplas. A literatura científica tem mostrado que esse grupo de recém-nascidos apresenta maiores riscos para a sua saúde a curto, médio e longo prazo”, diz a carta assinada por 22 entidades.

Realizada com 24 mil mulheres entre 2011 e 2012, a pesquisa Nascer no Brasil mostra que 35% dos recém-nascidos brasileiros nasceram a termo precoce, índice que corresponde a mais de um milhão de bebês imaturos. “Esses bebês apresentaram um risco quatro vezes maior de morte ao nascer e duas vezes maior de internação em UTI neonatal em relação aos nascidos com 39 semanas de gestação. Quando esses nascimentos se deram por meio de uma cesariana, os riscos aumentaram para 10 e três vezes, respectivamente”, informa a carta.

Segundo os pesquisadores, os dados brasileiros são coerentes com a literatura científica, que aponta não somente riscos para a saúde dos recém-nascidos imediatamente após o nascimento como também nos primeiros meses de vida. “A literatura científica internacional também descreve danos a longo prazo, como maior risco de morte e hospitalização na infância e maiores chances de desenvolver obesidade, hipertensão, diabetes, asma e alergia na vida adulta. As pesquisas identificaram também prejuízos ao aprendizado de línguas e de matemática e pior desempenho escolar”, salienta o documento.

O texto diz inda que “o Projeto de Lei nº 5687 é um retrocesso e um desserviço ao esforço que o país tem feito nos últimos anos para promover a saúde, principalmente no período de gestação e de nascimento, e reduzir doenças e mortes maternas e infantis”. O Brasil é campeão mundial de cesariana com taxas que chegam a 85% na rede privada frente a uma recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de apenas 15%.

Autonomia da mulher
Sobre a sustentação de que a cesariana a pedido é para preservar a autonomia da mulher, os pesquisadores também rebatem o argumento que sustenta o projeto de lei: “É importante ressaltar que somos defensores da autonomia ampla da mulher, desde que ela seja exercida por meio da escolha informada, consciente e baseada em evidências científicas. Acreditamos que repassar exclusivamente para a gestante a decisão sobre o momento e tipo de parto significa isentar de responsabilidade o profissional que realiza o pré-natal e o parto. Essa decisão deve ser uma escolha consciente e compartilhada entre família e equipe de saúde.

Além disso, consideramos que é preciso investir na qualidade do atendimento à mulher no pré-natal, durante e depois do parto com um cuidado centrado em suas necessidades. Isso elimina o excesso de intervenções obstétricas desnecessárias que acabam por funcionar como propaganda para as cesarianas, que somente deveriam ser realizadas por justificada indicação clínica”.

Por fim, os pesquisadores e profissionais de saúde encerram a carta ressaltando que é papel deles defender os direitos de todos os bebês brasileiros de completarem seu desenvolvimento intrauterino e terem assegurada uma assistência adequada no nascimento e uma vida futura saudável, com capacidade de atingir todo o seu potencial de crescimento, desenvolvimento e inserção social. “A privação desses direitos é eticamente inadmissível”, afirmam.

Veja quem assina a carta:

Ana Paula Esteves - ENSP – Fiocruz (RJ)
Antonio Fernandes Moron – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-SP)
Bernardo Jefferson de Oliveira – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG-MG)
Carmen Gracinda Silvan Scochi – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (USP-SP)
Iná S. Santos – Universidade Federal de Pelotas (UFPel-RS)
João Guilherme Alves - Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP)
José Guilherme Cecatti – Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP-SP)
José Maria Lopes – Instituto Fernandes Figueira (IFF-RJ)
José Simon Camelo Júnior – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP-SP)
Luiz Roesch – Universidade Federal do Pampa (Unipampa-RS)
Marcos Augusto Bastos Dias – FIOCRUZ (RJ)
Maria da Conceição do Rosário – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-SP)
Maria do Carmo Leal – Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ (RJ)
Maria Elizabeth Moreira - Instituto Fernandes Figueiras –Fiocruz (RJ)
Maria Yury Travassos Ichihara - Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz/FIOCRUZ (BA)
Mauricio Lima Barreto – Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz/FIOCRUZ (BA)
Paulo Saldiva – Universidade de São Paulo (USP-SP)
Renato Soilbelmann Procianoy – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-RS)
Rita de Cássia Silveira – Hospital das Clínicas de Porto Alegre – (HCPA-RS)
Ricardo Tavares Pinheiro – Universidade Católica de Pelotas-RS
Rodolfo de Carvalho Pacagnella – Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP-SP)
Sergio H Martins-Costa- Hospital das Clínicas de Porto Alegre – (HCPA-RS)
Silvia Regina Dias Medici Saldiva – Instituto de Saúde (IS-SP)
Sonia Isoyama Venancio – Instituto de Saúde de São Paulo (SP)
Sônia Lansky – Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA-BH),
Tania Maria Ruffoni Ortiga – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-RJ)

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Thaíla Corrêa Castral – Faculdade de Enfermagem Universidade Federal de Goiás (FEN-UFG)