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Outras equipes de pesquisa já conseguiram transplantar, com sucesso, células-tronco da retina em ratos. Em humanos que têm doenças nessa membrana ocular, contudo, os benefícios são discretos: apenas 1% das células transplantadas sobrevive e consegue se integrar ao olho ao longo do tempo. “Queremos mudar essa estatística”, diz Deepak Lamba, pesquisador-sênior do novo estudo norte-americano. A ferramenta para alcançar as ambições, diz ele, chama-se fator neurotrófico mesencefálico derivado astrócitos (FNMDA).
“Identificamos esse sistema de modulação imunitária que ordena a interação entre células doentes da retina e células imunes para promover a reparação do tecido. Ele causa ativação alternativa das células imunológicas, reparação de tecidos, neuroproteção aumentada e maior sucesso de terapias com substituição de fotorreceptores”, acrescenta Lamba. Na pesquisa, o FNMDA foi injetado com fotorreceptores em ratos com cegueira congênita. Os animais tratados com a substância apresentaram melhor aderência das células-tronco ao tecido nativo e se recuperaram mais rápido.
Os cientistas notaram que o fator fez com que as células do sistema imune recrutadas para gerar a inflamação funcionassem, ao contrário do que foram programadas, como agentes anti-inflamatórios. Essas estruturas são, sobretudo, os macrófagos. Heinrich Jasper, coautor da pesquisa, acredita que, além de auxiliar terapias com células-tronco, o FNMDA pode evoluir para tratamentos preventivos nos estágios iniciais de doenças, de forma que os sintomas não evoluam.
No estudo, o FNMDA foi empregado também para proteger os olhos de três ratos com degeneração de fotorreceptores — cones, que distinguem as cores; e bastonetes, que são sensíveis à luz e participam da visão noturna. “Focar na modulação do sistema imunitário para promover um reparo e uma resposta saudáveis do tecido prejudicado em vez de tratar os processos inflamatórios deletérios é uma nova fronteira na pesquisa do envelhecimento”, acredita Jasper.
Ação alternativa
O FNMDA foi, anteriormente, descrito como um fator neurotrófico que pode proteger a retina; isto é, um elemento associado à sobrevivência neuronal e à comunicação dos sistemas nervosos periférico e central envolvido também na visão. Pesquisas com moscas sem hemócitos, um tipo de anticorpo específico dos insetos, mostraram que o FNMDA não conseguiu reparar tecidos lesionados. O mesmo foi detectado em retinas de mamíferos sem células do sistema imune inato ou que continham macrófagos ineficientes.
“Nós propomos, então, que o papel do FNMDA em promover a ativação alternativa de células do sistema imune seja central para a sua função regenerativa”, diz Lamba. A primeira vez que os autores se depararam com os efeitos desse fator ocorreu durante experimentos com moscas de fruta, cujo sistema imune secretava uma substância especial em resposta a danos na retina: era o FNMDA. Ele atuava em células infamatórias que, após a intervenção do fator, ganhavam características anti-inflamatórias e curativas, promovendo, então, o reparo da retina das cobaias lesionadas.
O mesmo experimento foi realizado em ratos e resultados semelhantes, detectados. Os pesquisadores acreditam que a identificação da ação do FNMDA nas células imunes pode acelerar a descoberta de mais vias de ação da substância. “Estudos mostraram que esse fator tem efeitos anti-inflamatórias em animais com Parkinson, que tem como característica a inflamação neurotóxica. É possível que os efeitos protetivos do FNMDA nessa doença sejam os mesmos que observamos nas retinas. É tentador especular que esse fator seja amplamente requisitado em vários contextos para auxiliar na conversão de macrófagos inflamatórios em macrófagos anti-inflamatórios, que ajudam na reparação dos tecidos”, ressalta Lamba.
Os cientistas admitem que os achados são iniciais e que mais estudos são necessários para determinar a contribuição específica de macrófagos e de outras células em mediar os efeitos curativos do FNMDA. Isso significa que, até chegar à prática clínica, um longo caminho deverá ser percorrido. “Embora nossos achados apontem para a função do macrófago como mediador, não se exclui a possibilidade de outras células estarem envolvidas no processo”, especula o pesquisador-sênior.
Aposta também em biomateriais
“O transplante de células-tronco pode ser a única esperança de reparo e restauração da função visual de indivíduos quando outras opções de tratamento não estão disponíveis. Enquanto progressos significativos foram feitos na geração de neurônios da retina a partir de diferentes fontes celulares; protocolos de transplantação, integração funcional e sobrevivência das células transplantadas na retina ainda precisam ser adequados e formulados. Esses procedimentos podem carecer de suporte estrutural para promover a sobrevivência de longo prazo, além da integração celular. O caminho apontado pelos autores é promissor, e outra estratégia que desponta como opção são os biomateriais. A aplicação potencial dessas estruturas inclui superfícies que promovem a adesão celular e sua diferenciação, além de suporte estrutural para facilitar a aplicação, a integração e a sobrevivência das células. Isso pode ser feito em conjunto com agentes farmacológicos ou até mesmo com fatores como o do estudo para que induziam a regeneração e o reparo da retina.”
Silke Becker, pesquisadora da University College London