Os responsáveis pelo estudo, publicado na revista especializada Art Therapy, usaram como ponto de partida pesquisas que apontaram a escrita como um instrumento de auxílio na diminuição do estresse. “Nós nos baseamos em resultados de colegas que realizaram um estudo sobre saúde de escrita expressiva. Eles descobriram que, quando as pessoas anotavam honestamente sobre como estavam se sentindo, seus níveis de cortisol eram reduzidos. Elas se sentiam menos estressadas, e sua saúde física melhorava”, conta ao Correio Girija Kaimal, pesquisadora da Universidade de Drexel e uma das autoras do trabalho.
Para encontrar mais dados sobre a relação entre arte e bem-estar, os cientistas realizaram um experimento com 39 adultos, que tinham entre 18 e 59 anos.
Os níveis de cortisol dos participantes foram medidos antes e depois das atividades por meio de amostras de saliva. Os resultados revelaram que 75% dos indivíduos mostraram redução nas taxas do hormônio após uma sessão da atividade, sem distinção entre aqueles que já trabalhavam com arte e os iniciantes. “Todo mundo é criativo e pode ser expressivo nas artes visuais quando se trabalha em um ambiente de apoio. Mesmo assim, eu esperava que, talvez, os efeitos seriam mais fortes para aqueles com prévia experiência”, confessa a autora.
Apoio
Em depoimentos, os participantes relataram se sentirem mais calmos após a atividade. Para eles, o resultado positivo pode ter sofrido a influência do acompanhamento de um especialista durante o experimento. “É possível que o ambiente de apoio e um não julgamento para a expressão da arte criada tenha ajudado a reduzir os sentimentos de estresse”, aponta Kaimal.
Os autores também acreditam que os benefícios para o bem-estar estejam relacionados à exteriorização dos sentimentos. “Oportunidades para expressar o que se está realmente sentindo e experimentando poderia ajudar com a comunicação e, portanto, melhorar o relacionamento com os outros. A arte nos ajuda muitas vezes a expressar sentimentos e experiências que não somos capazes de colocar em palavras”, acrescenta a pesquisadora.
Para Vera Oliveira, 64 anos, a arte sempre ajudou a expressar os sentimentos. A artista plástica, que também dá aulas em seu ateliê, conta que usa a pintura como uma válvula de escape em momentos difíceis. “Sempre trabalhei com atividades artísticas, mas a área que mais gostei foi a de artes plásticas. Nos meus quadros, sempre faço muitos caminhos, janelas... Acredito serem paisagens que procuro quando passo por momentos em que preciso me expressar.
Carmen Lícia Palazzo, historiadora, 68 anos, faz aulas de mosaico há meses e acredita que a atividade proporciona relaxamento, já que ela consegue esquecer seus problemas quando está criando. “Eu me sinto muito bem. O trabalho é relaxante e também gosto do grupo que fizemos. Damos festas, e isso é muito divertido. Quando tenho uma questão que não consigo resolver, eu me concentro na criação da peça, me sinto menos presa, e isso faz com que fique mais fácil resolver o que me incomoda”, relata.
Ela acredita que o beneficio relaxante da arte é algo que pode ser conquistado por todos. “Um dia, estava em casa e resolvi ensinar um pouco sobre mosaico para meu neto, que realmente ficou mais calmo, além de encantado com a atividade”, completa.
Auxílio médico
Para Sander Fridman, psiquiatra do Hospital Adventista Silvestre do Rio de Janeiro (RJ), o estudo americano, ao se aprofundar na arteterapia, explora uma discussão antiga, já que a área ainda é considerada por muitos uma intervenção menos científica. Para ele, a pesquisa sustenta a arteterapia como um estatuto novo, de ciência tão legítima quanto a biologia, a farmacologia e a neurologia.
“Com o mesmo tipo de questão se depararam no passado as psicoterapias.
Helena Moura, psiquiatra da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), acredita que o estudo precisa de mais aprofundamento, principalmente por ter usado uma quantidade pequena de participantes. Ainda assim, ela destaca que os resultados são importantes, pois mostram questões que antes não haviam sido vistas.
“O fato de o benefício ter ocorrido em participantes que não possuíam habilidade nenhuma com a arte é importante, pois, em estudos anteriores, muitas pessoas relataram se sentir até mais irritadas com atividades artísticas. Assim como alguns participantes desse estudo também relataram, de acordo com os autores. Podemos, com base nisso, supor que o tipo de atividade pode influenciar, pois a pessoa pode não gostar de pintar, mas de desenhar sim, por exemplo. Se ela possui experiência ou não, isso já não faria diferença”, analisa.
A psiquiatra também aponta a necessidade de se investigar mais por que a atividade produz calma. “Podemos usar como exemplo a dobradura chinesa, que funciona como a meditação, que já se mostrou benéfica para o corpo humano. Pode ser que a concentração que essas atividades exijam seja a resposta para esse benefício observado no estudo”, sugere. Moura também frisa que a arteterapia serve apenas como um auxiliar para tratamentos médicos. “Distúrbios psiquiátricos mais graves exigem um tratamento mais completo. Nesses casos, é importante frisar, a arteterapia serve apenas como uma ferramenta de apoio.”
O trabalho dos autores americanos terá continuidade. Eles pretendem ver a diferença nos níveis de estresse em atividades artísticas distintas e pesquisar indivíduos de origens socioculturais variadas. “Vamos estudar pessoas de diferentes culturas e comunidades, além dos Estados Unidos. Queremos explorar estratégias para reduzir os sintomas do transtorno de estresse pós-traumático”, adianta Kaimal.
Luta ou fuga
Cortisol é um hormônio liberado pelo corpo como resposta ao estresse, o que ocorre quando o cérebro percebe algum perigo no mundo exterior. Ele ajuda o corpo a se preparar para uma situação de luta ou fuga. Essa substância é necessária também, em alguns níveis, para nos ajudar a lidar com os “estressores” da vida diária. Depois de “vencer” determinado desafio, os níveis de cortisol caem..