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Diagnóstico precoce é imprescindível para salvar vidas de gestantes com Síndrome de Hellp

A Síndrome de Hellp é um agravamento da pré-eclâmpsia e se manifesta em 0,85% das gestações

Valéria Mendes
O diagnóstico de pré-eclâmpsia prescinde uma série de exames para detectar ou descartar a Síndrome de Hellp - Foto: SXC.huNo mundo acontecem por ano cerca de 76 mil mortes maternas e 500 mil mortes perinatais relacionadas à pré-eclâmpsia.
No Brasil, estima-se uma morte ao dia em razão de complicações da pré-eclâmpsia. Os dados do Ministério da Saúde são referentes ao ano de 2015. A doença se caracteriza pela pressão alta durante a gravidez e normalmente ocorre a partir da 20ª semana. Se não diagnosticada, pode evoluir para eclâmpsia ou Síndrome de Hellp e ambas colocam em risco a vida da mulher e da criança.

Na última semana, a morte da artista plástica belo-horizontina, Raquel Schembri, 32, diagnosticada com Síndrome de Hellp, colocou a doença em pauta em razão das manifestações de solidariedade que se estabeleceram nas redes sociais pela doação de leite humano para a pequena Marta Schembri Freitas que está internada no Hospital Sofia Feldman. “A Síndrome de Hellp não é uma doença separada da pré-eclâmpsia e não pode ser considerada uma síndrome rara. Por mês, atendo entre três e quatro casos”, afirma o Presidente do Comitê de Gravidez de Alto Risco e Mortalidade Materna da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), Frederico Peret.


De todas as gestações, 0,85% são acometidas por Síndrome de Hellp sendo que 70% dos casos ocorrem antes do parto e, na maioria das vezes, entre 27ª e 37ª semana. Estatísticas globais mostram que o índice de mortalidade nos casos da Síndrome de Hellp varia entre 5% a 40% e o fator que mais influencia essa taxa para mais ou para menos é o diagnóstico precoce. “A identificação dos sintomas é a porta de entrada para o diagnóstico precoce e essa identificação de risco melhorou muito no Brasil. O protocolo que determina a abordagem de pré-eclâmpsia é rastrear 100% das mulheres com hipertensão”, salienta Peret.

De acordo com o médico, esse protocolo inclui a contagem de plaquetas, exame de urina, hemograma completo, níveis de bilirrubina no sangue e função hepática. “É muito importante valorizar a queixa da paciente. Está grávida, mediu a pressão arterial e deu alta, vá direto ao hospital, não perca tempo mandando mensagem por WhatApp para o médico e muito menos se automedique. A hipertensão é um sinal importante na gravidez e no pós-parto e precisa de atenção imediata”, reforça.

Seis dias de espera
A jornalista Fernanda França Maciel Velasco não resistiu à Síndrome de Hellp. Tinha 32 anos e estava na 28ª semana de gravidez quando teve os primeiros sinais de que algo não ia bem. “Ela começou a ficar inchada no sábado, mas estava se sentindo bem, se alimentando. Nem me contou que estava inchada. Na segunda-feira, quando chegou ao trabalho, as colegas ficaram impressionadas e não a deixaram trabalhar.
Ela foi para casa, mas em vez de ir pro médico ficou esperando a consulta que já tinha marcada com obstetra para a quinta-feira. E de lá ela foi direto para o hospital”, lembra Vera Lúcia França Maciel, de 68 anos, mãe de Fernanda. “Passou da hora, nunca saberemos se iria dar tempo”, lamenta.

O médico explicou que teria que tirar o bebê naquele mesmo dia. Rafael, hoje com 3 anos, nasceu com 920 gramas, teve uma conjuntivite e precisou operar uma hérnia, mas é, hoje, um garoto saudável. Fernanda, após o parto, deu entrada na UTI e na mesma noite teve uma grave hemorragia. “As plaquetas foram a 20 mil, ela ficou entubada e precisou passar por uma nova cirurgia. Mas ela estava se recuperando. Chegou a ficar de pé. Seis dias depois do parto, o médico disse que ela precisaria fazer uma hemodiálise porque o rim havia parado. Nos disse que no dia seguinte ela já estaria melhor, mas quando chegamos ao hospital pela manhã ela tinha morrido”, emociona-se Vera, ao lembrar.

Rachel Louise Carnerio Romano, 23 anos, foi diagnosticada com Síndrome de Hellp na 30ª semana de gestação. Bernardo, hoje com 1 ano e três meses, ficou 60 dias na UTI neonatal e o chá de fraldas aconteceu depois da alta - Foto: Arquivo Pessoal

Diagnóstico precoce
O diagnóstico de pré-eclâmpsia prescinde uma série de exames para detectar ou descartar a Síndrome de Hellp.
“As alterações dos exames laboratoriais vêm antes de a paciente ter sintomas. O principal deles é dor abdominal, na parte superior, vômitos e dor de cabeça. É uma dor que não para e um sinal de que o fígado está sofrendo lesões. Além disso, a mulher pode ter um ganho de peso inesperado e edema (inchaço) nas mãos, pés, rosto. Existem alguns casos que a Síndrome de Hellp é a primeira manifestação de gravidade da pré-eclâmpsia”, explica.

Foram as fortes dores de cabeça e no abdômen que fizeram com que Rachel Louise Carnerio Romano, 23 anos, procurasse um hospital na 30ª semana de gestação mesmo com tudo correndo bem no pré-natal e sem registro de pressão alta na gravidez. “Nada tinha sido diagnosticado fora da normalidade. Mas, de repente, comecei a sentir algumas contrações, muita dor de cabeça e ânsia de vômito. Intui que tinha algo errado”, recorda-se a mãe de Bernardo, hoje com 1 ano e quatro meses.

O caminho para o diagnóstico de Síndrome de Hellp não foi fácil. O primeiro obstáculo foi justamente com o médico que fazia o pré-natal de Rachel. “Ele me mandou ir para casa, falou que eu estava dando um ‘piti’ e afirmou que se meu filho nascesse naquele momento, ele não sobreviveria. Toda a equipe que me atendeu naquele dia foi insensível, mas consegui convencer meu médico a me internar por 24 horas”, conta.

Doença da placenta
Frederico Peret reforça que, para o diagnóstico de pré-eclâmpsia, basta a alteração na pressão arterial e não precisa sequer detectar a perda de proteína na urina. Isso por que uma das características importantes dessa doença é a sua imprevisibilidade. Ou seja, mesmo em casos leves ou moderados, a progressão para as formas graves pode ocorrer de maneira súbita. Além disso, a pré-eclâmpsia pode evoluir para gravidade ou já abrir o quadro clínico como doença grave, seja a eclâmpsia ou a Síndrome Hellp. “Quanto mais se pensar na possibilidade de Síndrome de Hellp mais conseguiremos dar diagnósticos nas formas mais iniciais para se conseguir evitar complicações”, diz.

Interromper a gestação é o início do processo para solucionar o quadro de saúde da mulher e também para tentar garantir a sobrevivência do bebê. “A pré-eclâmpsia é uma doença causada pela má adaptação da placenta ao útero. Em um determinado momento essa placenta começa a liberar substâncias que provocam alterações no organismo da mãe, causando lesões. O início da cura é o parto e o cuidado clínico pós-parto a continuidade do tratamento”, afirma.

Em grande parte, a cesariana será a via de parto indicada já que usualmente os bebês são prematuros. “É preciso acelerar o processo de resolução da Síndrome de Hellp que é o ponto final de uma doença grave, não se pode perder tempo”, salienta. O especialista explica ainda que, nos casos de placenta doente (mal adaptada), os bebês crescem menos, têm certo grau de desnutrição dentro do útero e a oxigenação também pode ser comprometida. “Em alguns casos o feto dá o sinal da doença grave da mãe”, observa.

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Final feliz
A insistência e a intuição de Rachel propiciaram um final feliz para a história dela com Bernardo. “Enquanto todo mundo achava que eu estava tendo uma crise nervosa, meu exame de urina mostrou perda de proteína. Foi aí que recebi o diagnóstico de pré-eclâmpsia grave”, relata.

Na sequência, recebi três injeções para amadurecer o pulmão de Bernardo e fui avisada que, a qualquer momento, a gestação poderia ser interrompida. “Quando fui internada minha pressão estava 14 por 10. À noite, já estava 18 por 10 e minha cabeça doída insuportavelmente. Fui encaminhada para a sala de pré-parto e fiquei esperando vaga na UTI para mim e vaga na UTI neonatal para o Bernardo”, lembra ela.

O quadro geral de Rachel foi se agravando, segundo ela, muito rapidamente. “Quando desci para a sala de pré-parto já estava com insuficiência renal, dor nas costas, falta de ar e minha urina estava da cor de sangue. No entanto, a gente não conseguia vaga”, diz.

Rachel passou quatro dias nessa espera pelas vagas nas UTIs. “No quarto dia um médico sugeriu me cadastrar no SUS Fácil para tentar uma transferência de hospital em razão do quadro grave. A toda hora colhiam sangue e minhas plaquetas estavam muito baixas. Foi nesse momento que recebi o diagnóstico de Síndrome de Hellp”, detalha a jovem.

E foi nesse dia que mãe e filho conseguiram uma vaga em um hospital em Belo Horizonte. A família mora em Sete Lagoas. “Quando cheguei em BH os médicos conversaram com meu marido, explicaram que a situação era muito grave, que era um risco para mim e para o neném e que o nascimento de Bernardo não poderia ser filmado. Chegamos ao hospital às 21h e eles prometeram fazer a cesariana o mais rápido possível. À meia noite eu já não enxergava quase nada, estava toca inchada, rosto, pés, mãos, e também não estava muito consciente. A cirurgia foi feita às 2h”, fala.

Bernardo nasceu com 30 semanas e cinco dias, pesando 1 quilo e 100 gramas e medindo 39 centímetros. O garotinho foi direto para o UTI travar a sua primeira grande e vitoriosa batalha: pela sobrevivência. Foram 60 dias na UTI neonatal já que ele era um prematuro extremo. “Ele teve derrame cerebral, precisou receber sangue e teve infecção hospitalar. Foi muito difícil”, diz a mãe. Quando recebeu alta, o menino estava com 2 quilos e 230 gramas.

Como a Síndrome de Hellp se caracteriza pela má adaptação da placenta, é justamente o parto que vai curar a mãe e possibilitar a sobrevivência da criança. “Bernardo nasceu roxinho, ele já estava recebendo pouco oxigênio e poucos nutrientes. Indaguei várias vezes a razão de eu ter passado por isso, mas ainda é uma resposta que eu não tenho. A suspeita é de histórico familiar de trombofilia ou incompatibilidade genética entre mim e o pai do Bernardo. Fui orientada a não engravidar pelos próximos dois anos”, explica Rachel.

Frederico Peret salienta que o diagnóstico de Síndrome de Hellp não impede necessariamente uma segunda gravidez, mas que a decisão envolve uma série de fatores e exames para saber se será ou não liberada. A literatura científica mostra que mulheres acometidas por pré-eclâmpsia em sua primeira gestação têm sete vezes mais chances de desenvolver a doença na segunda gravidez. A história familiar como risco de pré-eclâmpsia já foi evidenciada e os estudos mostram que, possivelmente, existe um forte papel genético atuante. Além disso, cerca de 15% a 25% das gestantes hipertensas podem ser acometidas pela pré-eclâmpsia e condições clínicas pré-existentes também favorecem a doença como insuficiência vascular, diabetes mellitus, lúpus e doença renal.

Para Rachel, foi a intuição que salvou sua vida e a do filho. “Depois de dois dias que meu filho nasceu que eu fui conhecê-lo, mas lembro de escutar o barulhinho da incubadora que foi colocada ao lado de onde eu estava. Quando vi meu filho foi uma mistura de medo com um amor incondicional. Ele estava ali, mas não podia aconchegá-lo”, diz.

Com 40 dias de vida, Rachel pegou o filho nos braços pela primeira vez e durante todo o tempo que Bernardo ficou no hospital ela chegava pontualmente às 8h e saía às 23h do hospital. “Hoje meu filho está com 10 quilos, 80 centímetros, andando para tudo quanto é lado. Ele se desenvolveu (e desenvolve) super bem. Às vezes eu paro para olhar os papeis da internação e leio inúmeras vezes ‘estado grave’, ‘caso grave’, ‘grave’, ‘grave’ e fico me pergunto ‘como saí dessa?’. Infelizmente sei de muitas histórias que a mãe não sobreviveu”, lamenta.

(Colaborou Carolina Cotta).