A disseminação dos casos de zika tem motivado pesquisadores a buscar formas de acabar, ou manter sob controle, a doença. E uma das maiores esperanças dos especialistas é a criação de uma vacina. Essa alternativa pode estar mais próxima depois dos resultados apresentados por um grupo de estudiosos do Brasil e dos Estados Unidos na edição desta semana da revista britânica Nature. A equipe desenvolveu duas substâncias que foram testadas com sucesso em ratos. Segundo Dan Barouch, da Universidade de Harvard e líder do estudo, trata-se da primeira demonstração de uma proteção contra o zika vírus obtida com uma vacina em um animal.
Para a equipe — que conta com cientistas da Universidade de São Paulo (USP) —, os resultados significam um grande potencial de uso futuro das fórmulas na proteção de humanos. “Desperta esperanças de que uma vacina segura e eficaz é possível”, indicaram, em relatório divulgado. Foram criados dois tipos de vacina com base no vírus. “Uma delas tem um plasmídeo, um pedaço do genoma vírus, que contém duas proteínas que agem de forma distinta ao entrar em contato com o sistema imune. A segunda possui todo o vírus silenciado”, explicou ao Correio Jean Pierre Peron, um dos autores do estudo e professor do Departamento de Imunologia da USP.
Os investigadores usaram as duas fórmulas em três linhagens de ratos. Quatro semanas após a infecção, os roedores foram expostos a duas estirpes do zika, uma brasileira e outra de Porto Rico. Todos os animais vacinados mostraram proteção total aos patógenos, o que se repetiu quando eles foram postos em contato com o vírus novamente oito semanas depois. “O resultado positivo diante das duas linhagens de zika é muito interessante. Também temos visto que as variações entre as cepas não são muito grandes, mais um detalhe que contribui para a maior eficácia das vacinas. Outro ponto importante é que cada linhagem desses animais tem um perfil de resposta imune diferente, assim como os humanos, o que nos dá mais esperança de que elas venham a funcionar em testes futuros”, detalhou Peron.
Nos experimentos, os cientistas também perceberam que as reações do sistema imune dos ratos vacinados eram semelhantes ao efeito gerado por outras imunizações utilizadas em humanos. “Mostramos que a proteção era o resultado de anticorpos induzidos pela vacina em níveis que são semelhantes aos de outras vacinas de flavivírus para humanos e bem-sucedidas. Isso nos oferece um otimismo substancial: quer dizer que temos um caminho livre para o desenvolvimento de uma fórmula segura e eficaz”, destacou Barouch.
Para Alberto Chebabo, infectologista do Laboratório Exame, em Brasília, e chefe do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a pesquisa traz dados positivos ao usar uma estratégia já utilizada na criação de outras formas de imunização. “Assim como no caso do sarampo e da rubéola, você usa o vírus como base para a fórmula. Isso porque, desativado e modificado, ele pode mostrar um efeito protetor”, explicou.
O especialista acredita que o trabalho precisa de mais testes a fim de que o resultado alcançado em ratos possa se repetir em humanos. “Para desenvolver uma vacina, você precisa de várias fases de testes, principalmente para saber se ela não vai gerar efeitos colaterais graves. Precisamos de acompanhamento e isso demora alguns anos, como temos visto com a vacina da dengue. Essa é uma das melhores estratégias de combate ao zika, uma vacina seria a arma com maior potencial para diminuir o número de casos da doença”, frisou.
Microcefalia
Chebabo defende que um dos focos principais no desenvolvimento de fórmula imunizadora contra zika seja a proteção de grávidas, pois a infecção pelo vírus causa malformação fetal, incluindo a microcefalia. “Na maioria dos estudos, não incluímos essas mulheres pelo risco envolvido; mas, nesse caso, isso muda porque que uma das principais vantagens que uma vacina para essa enfermidade deve ter é a proteção ao bebê”, defende.
Simon-Lorière, pesquisadora do Instituto Pasteur, faz observação na mesma linha e sugere uma alternativa à pesquisa com mulheres. “Temos que fazer testes em macacos e, especialmente, em animais em gestação para verificar se essas vacinas protegem contra a ameaça do zika, ou seja, da microcefalia, porque o objetivo é principalmente proteger o feto”, declarou à Agência France-Presse de Notícias (AFP), ao comentar a pesquisa.
Peron adianta que o próximo passo do estudo dará foco aos efeitos da vacina durante a gestação. “Realizamos pesquisas anteriores que mostraram a ligação do zika na ocorrência da microcefalia e, agora, queremos tratar esse tema também nesse trabalho. Vamos testar ratas grávidas e ver se temos o mesmo efeito”, disse.
Ao menos 60 estudos
De acordo com um levantamento feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em abril, 60 laboratórios e agências nacionais de pesquisa trabalham em fórmulas de vacinas contra o zika vírus. Entre os trabalhos, 18 fórmulas de proteção têm como foco mulheres em idade de procriação. Assim como o estudo da Nature, o Instituto Walter Reed, do Exército norte-americano, trabalha em uma versão criada com base em uma forma inativa do vírus. O grupo planeja realizar testes com humanos antes do fim do ano.
Outra solução testada por cientistas para desenvolver uma vacina é criar uma forma sintética de DNA, alternativa escolhida pela empresa norte-americana Inovio Pharmaceutical em parceria com a companhia de biotecnologia sul-coreana GenOne Life Sciences. Após testes em laboratório com resultados positivos — a fórmula criou anticorpos contra o vírus —, o grupo recebeu recentemente uma autorização para realizar um experimento em estágio inicial com 40 pessoas a fim de testar os efeitos da imunização.
Relação comprovada
Em maio, os mesmos pesquisadores brasileiros mostraram, na Nature, a relação entre a microcefalia e o vírus zika ativo no país. Os cientistas infectaram camundongos com a cepa e notaram malformações congênitas semelhantes às detectadas em bebês de mães contaminadas. Também comprovaram os achados ao infectar minicérebros feitos com células humanas — observaram a morte de células que dão origem ao órgão.
Infecção protege do vírus por 10 semanas
Em um estudo feito com macacos, pesquisadores dos Estados Unidos observaram que a contaminação pelo vírus zika pode proteger os animais contra infecções futuras. A descoberta pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias de proteção da enfermidade. O trabalho, publicado na última edição da revista britânica Nature Communications, também mostra que a gravidez aumenta o tempo em que o vírus permanece no corpo humano.
No experimento, os cientistas utilizaram macacos da espécie rhesus, pertencentes ao Centro de Pesquisa de Primatas da cidade de Wisconsin. As cobaias foram infectadas pelos zika e observadas em laboratório. Os investigadores notaram que os animais resistiram a ter outra infecção causada pela mesma cepa do micro-organismos ao serem expostos ao vírus 10 semanas mais tarde. “Mostramos o que já esperávamos ver em humanos: que, ao ser infectado pelo zika, dentro de uma semana, você está protegido de futuras infecções pelo mesmo vírus”, declarou, em um comunicado à imprensa, Emma Mohr, uma das autoras do estudo e pesquisadora da Universidade de Wisconsin-Madison.
Para os cientistas, a descoberta pode ajudar em estratégias futuras de prevenção. “Essa é uma boa notícia para a concepção de uma vacina. Nosso resultado sugere que o tipo de imunidade que ocorre naturalmente é suficiente. Se você puder imitar isso, provavelmente terá uma fórmula protetiva muito bem-sucedida”, detalhou David O’Connor, também autor do trabalho e pesquisador da universidade norte-americana.
Grávidas
No mesmo trabalho, os investigadores mediram a persistência do zika em macacas grávidas. Eles observaram que esses animais apresentavam o vírus no sangue em média de 30 a 70 dias após o contágio, ao contrário de animais que não estavam concebendo filhotes, em que o zika ficou no organismo por 10 dias. A equipe realizará mais pesquisas para esclarecer os resultados distintos, mas já trabalha com algumas suspeitas que justificariam essa diferença de períodos.
Uma delas é de que o sistema imunológico das cobaias pode estar comprometido durante a gestação, o que faria com que as fêmeas não conseguissem eliminar o patógeno mais rápido. “A outra hipótese, mais provocativa, é que se trata de um indicativo de infecção do feto. Se for esse o caso, isso sugere que existe uma infecção prolongada do feto que dura muito mais tempo do que a na mãe”, ressaltou O’Connor.
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Os investigadores usaram as duas fórmulas em três linhagens de ratos. Quatro semanas após a infecção, os roedores foram expostos a duas estirpes do zika, uma brasileira e outra de Porto Rico. Todos os animais vacinados mostraram proteção total aos patógenos, o que se repetiu quando eles foram postos em contato com o vírus novamente oito semanas depois. “O resultado positivo diante das duas linhagens de zika é muito interessante. Também temos visto que as variações entre as cepas não são muito grandes, mais um detalhe que contribui para a maior eficácia das vacinas. Outro ponto importante é que cada linhagem desses animais tem um perfil de resposta imune diferente, assim como os humanos, o que nos dá mais esperança de que elas venham a funcionar em testes futuros”, detalhou Peron.
Nos experimentos, os cientistas também perceberam que as reações do sistema imune dos ratos vacinados eram semelhantes ao efeito gerado por outras imunizações utilizadas em humanos. “Mostramos que a proteção era o resultado de anticorpos induzidos pela vacina em níveis que são semelhantes aos de outras vacinas de flavivírus para humanos e bem-sucedidas. Isso nos oferece um otimismo substancial: quer dizer que temos um caminho livre para o desenvolvimento de uma fórmula segura e eficaz”, destacou Barouch.
Para Alberto Chebabo, infectologista do Laboratório Exame, em Brasília, e chefe do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a pesquisa traz dados positivos ao usar uma estratégia já utilizada na criação de outras formas de imunização. “Assim como no caso do sarampo e da rubéola, você usa o vírus como base para a fórmula. Isso porque, desativado e modificado, ele pode mostrar um efeito protetor”, explicou.
O especialista acredita que o trabalho precisa de mais testes a fim de que o resultado alcançado em ratos possa se repetir em humanos. “Para desenvolver uma vacina, você precisa de várias fases de testes, principalmente para saber se ela não vai gerar efeitos colaterais graves. Precisamos de acompanhamento e isso demora alguns anos, como temos visto com a vacina da dengue. Essa é uma das melhores estratégias de combate ao zika, uma vacina seria a arma com maior potencial para diminuir o número de casos da doença”, frisou.
Microcefalia
Chebabo defende que um dos focos principais no desenvolvimento de fórmula imunizadora contra zika seja a proteção de grávidas, pois a infecção pelo vírus causa malformação fetal, incluindo a microcefalia. “Na maioria dos estudos, não incluímos essas mulheres pelo risco envolvido; mas, nesse caso, isso muda porque que uma das principais vantagens que uma vacina para essa enfermidade deve ter é a proteção ao bebê”, defende.
Simon-Lorière, pesquisadora do Instituto Pasteur, faz observação na mesma linha e sugere uma alternativa à pesquisa com mulheres. “Temos que fazer testes em macacos e, especialmente, em animais em gestação para verificar se essas vacinas protegem contra a ameaça do zika, ou seja, da microcefalia, porque o objetivo é principalmente proteger o feto”, declarou à Agência France-Presse de Notícias (AFP), ao comentar a pesquisa.
Peron adianta que o próximo passo do estudo dará foco aos efeitos da vacina durante a gestação. “Realizamos pesquisas anteriores que mostraram a ligação do zika na ocorrência da microcefalia e, agora, queremos tratar esse tema também nesse trabalho. Vamos testar ratas grávidas e ver se temos o mesmo efeito”, disse.
Ao menos 60 estudos
De acordo com um levantamento feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em abril, 60 laboratórios e agências nacionais de pesquisa trabalham em fórmulas de vacinas contra o zika vírus. Entre os trabalhos, 18 fórmulas de proteção têm como foco mulheres em idade de procriação. Assim como o estudo da Nature, o Instituto Walter Reed, do Exército norte-americano, trabalha em uma versão criada com base em uma forma inativa do vírus. O grupo planeja realizar testes com humanos antes do fim do ano.
Outra solução testada por cientistas para desenvolver uma vacina é criar uma forma sintética de DNA, alternativa escolhida pela empresa norte-americana Inovio Pharmaceutical em parceria com a companhia de biotecnologia sul-coreana GenOne Life Sciences. Após testes em laboratório com resultados positivos — a fórmula criou anticorpos contra o vírus —, o grupo recebeu recentemente uma autorização para realizar um experimento em estágio inicial com 40 pessoas a fim de testar os efeitos da imunização.
Relação comprovada
Em maio, os mesmos pesquisadores brasileiros mostraram, na Nature, a relação entre a microcefalia e o vírus zika ativo no país. Os cientistas infectaram camundongos com a cepa e notaram malformações congênitas semelhantes às detectadas em bebês de mães contaminadas. Também comprovaram os achados ao infectar minicérebros feitos com células humanas — observaram a morte de células que dão origem ao órgão.
Infecção protege do vírus por 10 semanas
Em um estudo feito com macacos, pesquisadores dos Estados Unidos observaram que a contaminação pelo vírus zika pode proteger os animais contra infecções futuras. A descoberta pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias de proteção da enfermidade. O trabalho, publicado na última edição da revista britânica Nature Communications, também mostra que a gravidez aumenta o tempo em que o vírus permanece no corpo humano.
No experimento, os cientistas utilizaram macacos da espécie rhesus, pertencentes ao Centro de Pesquisa de Primatas da cidade de Wisconsin. As cobaias foram infectadas pelos zika e observadas em laboratório. Os investigadores notaram que os animais resistiram a ter outra infecção causada pela mesma cepa do micro-organismos ao serem expostos ao vírus 10 semanas mais tarde. “Mostramos o que já esperávamos ver em humanos: que, ao ser infectado pelo zika, dentro de uma semana, você está protegido de futuras infecções pelo mesmo vírus”, declarou, em um comunicado à imprensa, Emma Mohr, uma das autoras do estudo e pesquisadora da Universidade de Wisconsin-Madison.
Para os cientistas, a descoberta pode ajudar em estratégias futuras de prevenção. “Essa é uma boa notícia para a concepção de uma vacina. Nosso resultado sugere que o tipo de imunidade que ocorre naturalmente é suficiente. Se você puder imitar isso, provavelmente terá uma fórmula protetiva muito bem-sucedida”, detalhou David O’Connor, também autor do trabalho e pesquisador da universidade norte-americana.
Grávidas
No mesmo trabalho, os investigadores mediram a persistência do zika em macacas grávidas. Eles observaram que esses animais apresentavam o vírus no sangue em média de 30 a 70 dias após o contágio, ao contrário de animais que não estavam concebendo filhotes, em que o zika ficou no organismo por 10 dias. A equipe realizará mais pesquisas para esclarecer os resultados distintos, mas já trabalha com algumas suspeitas que justificariam essa diferença de períodos.
Uma delas é de que o sistema imunológico das cobaias pode estar comprometido durante a gestação, o que faria com que as fêmeas não conseguissem eliminar o patógeno mais rápido. “A outra hipótese, mais provocativa, é que se trata de um indicativo de infecção do feto. Se for esse o caso, isso sugere que existe uma infecção prolongada do feto que dura muito mais tempo do que a na mãe”, ressaltou O’Connor.