“Eu tive essa ideia (de estudar o impacto dos antibióticos) há 10 anos. Queria entender como o microbioma se monta nos primeiros anos de vida e como as práticas modernas, como a cesariana, a alimentação com leite artificial e os antibióticos, podem afetar o organismo”, detalhou ao Correio Martin Blaser, um dos autores do estudo e pesquisador da New York University Langone Medical Center, nos Estados Unidos. O trabalho, que contou com a participação de estudiosos da Finlândia, foi divulgado na edição desta semana da revista Science Translational Medicine.
A análise dividiu-se em duas etapas. Na primeira, os cientistas avaliaram 43 crianças norte-americanas em seus dois primeiros dias de vida.
No segundo experimento, os cientistas analisaram 39 crianças com mais de 3 anos. Coletaram amostras fecais mensais dos meninos e das meninas desde o nascimento até completarem 36 meses de vida. Durante o período de análise, 20 participantes receberam antibióticos para tratar infecções respiratórias ou de ouvido. Os pesquisadores perceberam que as crianças expostas aos remédios sofreram redução na diversidade microbiana do intestino e aumento na quantidade de genes resistentes a antibióticos. Outra constatação foi a de que, nos primeiros meses de vida, todos os bebês nascidos por cesariana e cerca de 20% dos que tiveram o parto vaginal apresentaram diminuição de bacteroides — bactérias conhecidas por ajudar a regular a imunidade intestinal —, o que reforça os dados dos primeiros testes.
A equipe ressalta que a redução da microbiota provocada pelo parto cesárea, pela falta de aleitamento materno e principalmente pelo uso exagerado de antibióticos deixa o organismo mais suscetível a uma série de enfermidades. “Há mais e mais evidências de que essas práticas no início da vida afetam os riscos de doenças em desenvolvimento na infância e na vida adulta, como diabetes, asma, alergias, obesidade e doença inflamatória intestinal. Outro fator que nos surpreendeu é que a redução da microbiota detectada nos bebês permaneceu por mais de um ano após o nascimento”, disse Blaser.
Excesso de cesáreas
Para evitar esses prejuízos, os autores acreditam que a única saída é reduzir as práticas que prejudicam a microbiota. “Temos muitas cesarianas desnecessárias. A taxa desse tipo de parto é muito alta, principalmente no Brasil. Também precisamos diminuir o uso da alimentação artificial”, defendeu o autor. “Os antibióticos só precisam ser usados quando necessário, quando os benefícios valem os custos.
Para Gustavo Nicolas Medeiros, pediatra da clínica médica Pediatra em Casa, em Brasília, o trabalho traz suspeitas conhecidas na área médica, mas que careciam de mais dados para serem comprovados. “Sabemos que o uso em excesso (de antibióticos) é prejudicial e que realmente ele tem sido receitado de forma exagerada. Muitas vezes, sem necessidade, como em casos de pneumonia, quando não são necessários, mas acabam sendo receitados”, destacou o especialista.
Medeiros explica que essa classe de medicamentos acaba trazendo mais segurança. Por isso, é bastante explorada. “Temos muitos casos em que o médico não sabe ao certo o que a criança tem, e esse remédio equivale a um amuleto. É usado para termos certeza de que a criança não vai piorar. Acredito que uma tendência é pensar em um uso mais racional de antibióticos, o que temos tentado implantar desde agora”, explica.
“Há mais e mais evidências de que essas práticas no início da vida afetam os riscos de doenças em desenvolvimento na infância e na vida adulta, como diabetes, asma, alergias, obesidade e doença inflamatória intestinal” - Martin Blaser, pesquisador da New York University Langone Medical Center (EUA) e um dos autores do estudo
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