Os tratamentos disponíveis para a correção de fenda palatina e fissura labial têm um dificultador: o tempo. Só terminam depois que há a estabilização óssea da face do paciente: por volta dos 18 anos. Um trabalho desenvolvido na Universidade Federal do Rio Grande do Sul pode acelerar a recuperação sem comprometer os bons resultados, inclusive os estéticos. Priscilla Domingues Mörschbächer propõe o uso de células-tronco. O trabalho, fruto da tese de doutorado no Programa de Pós-graduação em Ciência Veterinárias da instituição gaúcha, foi testado em suínos, com resultados animadores.
A ideia veio de um desafio que surgiu no consultório da médica veterinária. “Uma vez, atendi um cachorro da raça lulu-da-pomerânia com uma fenda. Resolvemos utilizar malha de polipropileno para fazer a reconstituição e tivemos um bom resultado. Então, me veio a ideia de acrescentar as células-tronco a essa malha”, conta Mörschbächer. A pesquisadora escolheu as células-tronco mesenquimais, que têm a capacidade de proliferar e formar diferentes estruturas humanas. Elas são caracterizadas pela alta plasticidade e aderência e podem ser conseguidas tanto a partir da médula óssea quanto do tecido adiposo.
Já a malha polipropileno é um material largamente utilizado para cirurgias de restauração de hérnias. Conhecido por melhorar e acelerar a cicatrização, o selante de fibrina também entrou nos testes. Na primeira etapa da pesquisa, foram colhidas — por meio de lipoaspiração — células-tronco do tecido adiposo de 13 porcas com 34 e 36 dias de vida. Escolheram-se essas estruturas por serem mais abundantes, de fácil aquisição e de retirada com menor risco às cobaias.
Em outro momento, os cientistas testaram em diferentes cobaias as interações entre dois tipos de telas de polipropileno: macroporosa e microporosa. Essa última foi escolhida devido à rápida aderência das células ao material. Na segunda fase do experimento, foram provocadas fendas palatinas em 12 suínos, divididos em quatro grupos, conforme o tratamento recebido: apenas a tela de polipropileno; a tela de polipropileno associada a células-tronco de origem adiposa e selante de fibrina; a tela com as células-tronco; e o polipropileno e o elante de fibrina (veja infográfico).
Após 15 dias da aplicação dos métodos, a equipe avaliou a ocorrência de inflamação, cicatrização e se houve a ruptura das malhas. “O melhor resultado ocorreu nos suínos que receberam somente a tela e as células-tronco. O pior foi no último grupo, pois a fibrina, que deveria proteger as células da ação da saliva, acabou propiciando um grau maior de inflação”, conta Mörschbächer.
Baixa rejeição
As atuais cirurgias de reparação são feitas em etapas. A primeira normalmente ocorre no primeiro ano de vida da criança. Depois que a musculatura dos ossos da face se firma completamente, há ainda a possibilidade de o paciente se submeter a procedimentos que servirão para reparar pequenos defeitos que permanecerem. A nova técnica proposta pela equipe da instituição gaúcha pode diminuir a quantidade de cirurgias e quase anular a possibilidade de rejeição do tecido pelo organismo do paciente.
“Essa técnica poderia ser utilizada para casos mais graves. Principalmente naqueles em que há uma carência de tecidos necessários para realizar a reconstituição”, avalia Sérgio Gonçalo, especialista em cirurgias de cabeça e pescoço da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e não participante do estudo.
A pesquisadora Daniela Bueno, que faz parte do conselho multidisciplinar da ONG Operação Sorriso — dedicada a reunir médicos voluntários para operar gratuitamente o sorriso de crianças com fissura labial e fenda palatina —, é otimista quanto à natureza do estudo: “A pesquisa soma-se a um ramo que cada vez mais cresce em número de estudos: a bioengenharia de tecidos. Trata-se do campo do conhecimento que estuda como podemos formar dente, osso e outros tecidos a partir de células-tronco, por exemplo”.
Bueno desenvolveu o primeiro estudo utilizando células-tronco retiradas de forma não invasiva para regeneração de lábio leporino e fenda palatina, em 2014. Ela conseguiu melhorar a formação do osso do palato superior (céu da boca) a partir de células extraídas da polpa de dentes de leite de crianças. Pelo método proposto, em um primeiro momento, a criança é avaliada por um dentista capacitado para a extração do dente que fornecerá as células-tronco.
Em seguida, realizam-se exames de sangue e uma série de radiografias. No dia marcado, o profissional retira o dente, insere no material de preservação e envia ao laboratório. Por fim, implanta-se o material no paciente. “As células que conseguimos coletar são mais jovens que as do cordão umbilical e da medula óssea. Elas também sofrem pouca influência do meio, pois são extraídas das crianças que vão recebê-las. Desse modo, existe pouca chance de rejeição”, explica Bueno.
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Já a malha polipropileno é um material largamente utilizado para cirurgias de restauração de hérnias. Conhecido por melhorar e acelerar a cicatrização, o selante de fibrina também entrou nos testes. Na primeira etapa da pesquisa, foram colhidas — por meio de lipoaspiração — células-tronco do tecido adiposo de 13 porcas com 34 e 36 dias de vida. Escolheram-se essas estruturas por serem mais abundantes, de fácil aquisição e de retirada com menor risco às cobaias.
Em outro momento, os cientistas testaram em diferentes cobaias as interações entre dois tipos de telas de polipropileno: macroporosa e microporosa. Essa última foi escolhida devido à rápida aderência das células ao material. Na segunda fase do experimento, foram provocadas fendas palatinas em 12 suínos, divididos em quatro grupos, conforme o tratamento recebido: apenas a tela de polipropileno; a tela de polipropileno associada a células-tronco de origem adiposa e selante de fibrina; a tela com as células-tronco; e o polipropileno e o elante de fibrina (veja infográfico).
Após 15 dias da aplicação dos métodos, a equipe avaliou a ocorrência de inflamação, cicatrização e se houve a ruptura das malhas. “O melhor resultado ocorreu nos suínos que receberam somente a tela e as células-tronco. O pior foi no último grupo, pois a fibrina, que deveria proteger as células da ação da saliva, acabou propiciando um grau maior de inflação”, conta Mörschbächer.
Baixa rejeição
As atuais cirurgias de reparação são feitas em etapas. A primeira normalmente ocorre no primeiro ano de vida da criança. Depois que a musculatura dos ossos da face se firma completamente, há ainda a possibilidade de o paciente se submeter a procedimentos que servirão para reparar pequenos defeitos que permanecerem. A nova técnica proposta pela equipe da instituição gaúcha pode diminuir a quantidade de cirurgias e quase anular a possibilidade de rejeição do tecido pelo organismo do paciente.
“Essa técnica poderia ser utilizada para casos mais graves. Principalmente naqueles em que há uma carência de tecidos necessários para realizar a reconstituição”, avalia Sérgio Gonçalo, especialista em cirurgias de cabeça e pescoço da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e não participante do estudo.
A pesquisadora Daniela Bueno, que faz parte do conselho multidisciplinar da ONG Operação Sorriso — dedicada a reunir médicos voluntários para operar gratuitamente o sorriso de crianças com fissura labial e fenda palatina —, é otimista quanto à natureza do estudo: “A pesquisa soma-se a um ramo que cada vez mais cresce em número de estudos: a bioengenharia de tecidos. Trata-se do campo do conhecimento que estuda como podemos formar dente, osso e outros tecidos a partir de células-tronco, por exemplo”.
Bueno desenvolveu o primeiro estudo utilizando células-tronco retiradas de forma não invasiva para regeneração de lábio leporino e fenda palatina, em 2014. Ela conseguiu melhorar a formação do osso do palato superior (céu da boca) a partir de células extraídas da polpa de dentes de leite de crianças. Pelo método proposto, em um primeiro momento, a criança é avaliada por um dentista capacitado para a extração do dente que fornecerá as células-tronco.
Em seguida, realizam-se exames de sangue e uma série de radiografias. No dia marcado, o profissional retira o dente, insere no material de preservação e envia ao laboratório. Por fim, implanta-se o material no paciente. “As células que conseguimos coletar são mais jovens que as do cordão umbilical e da medula óssea. Elas também sofrem pouca influência do meio, pois são extraídas das crianças que vão recebê-las. Desse modo, existe pouca chance de rejeição”, explica Bueno.