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Todos os 18 voluntários tinham sofrido um AVC entre seis meses e três anos antes da intervenção. Até aquele ponto, a recuperação estava estagnada neles. “Nós achávamos que os circuitos cerebrais afetados pelo derrame estavam mortos”, conta Gary Steinberg, coautor da pesquisa. “Agora, sabemos que devemos repensar isso. Eu acho, pessoalmente, que os circuitos estão inibidos, não mortos. Nosso tratamento pode ajudar a desinibi-los”, diz o neurocirurgião de Stanford que conduziu 12 dos 18 procedimentos.
Os participantes, com idade entre 33 e 75 anos, tiveram aumento de 11,4 pontos em um teste de mobilidade cuja pontuação máxima, 100, indica aptidão plena. As melhoras mais consideráveis foram na força, na coordenação, na habilidade de andar, de usar as mãos e de se comunicar. “Uma mulher de 71 anos que apenas movia o dedão esquerdo no início do teste consegue, hoje, andar e levantar seu braço acima da cabeça”, relata Steinberg.
Financiado pela empresa SanBio, o teste clínico de Stanford é o segundo a avaliar se injeções de células-tronco podem amenizar sequelas do AVC. Os participantes da primeira investigação, conduzida pela empresa ReNeuron, apresentaram benefícios semelhantes por até um ano após a intervenção. A diferença é que, em vez de células-tronco adultas, a ReNeuron optou por células extraídas do cérebro de fetos abortados.
Novas conexões
Sob efeito de anestesia local, os participantes do estudo mais recente permaneceram conscientes enquanto os cientistas perfuraram um pequeno buraco no crânio deles. Pela abertura, os médicos injetaram de 2,5 milhões a 10 milhões de células-tronco, chamadas SB623, nas regiões mais afetadas pelo derrame — no caso, as responsáveis pelas funções motoras. Retiradas da médula óssea de dois doadores saudáveis, as células foram modificadas para expressar o gene Notch1, envolvido no desenvolvimento cerebral de crianças.
Experimentos anteriores mostraram que as células alteradas desaparecem do organismo do paciente dentro um mês, mas não antes de secretarem diversos fatores de crescimento que constroem conexões entre células cerebrais e embriões de novos vasos sanguíneos que nutrirão os tecidos do órgão. “Nós achamos que as células alteram o cérebro adulto, que fica mais parecido com o de um bebê e se autorrepara muito bem”, diz Steinberg.
“Os fatores de crescimento também alteram o sistema imunológico para diminuir a inflamação que obstrui a reparação”, completa o autor. Liberados um dia após a intervenção, os pacientes não sofreram efeitos colaterais graves. No entanto, 78% relataram enjoo e dor de cabeça passageiros. Todos foram monitorados com exames de sangue, imagem do cérebro e testes clínicos, que revelaram melhoras duradouras meses após a cirurgia.
Uso clínico
A empresa ReNeuron planeja um segundo experimento, enquanto a SanBio prepara-se para ampliar o teste, com 156 pacientes. Para Fausto Stauffer, cardiologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), a aplicação clínica do uso de células-tronco para amenizar sequelas do derrame não está tão próxima. “Estudos maiores são realmente necessários, pois essa primeira etapa serviu apenas para constatar a segurança do tratamento. As próximas pesquisas ainda servirão para confirmar a segurança do procedimento e, só depois, virão aqueles que mostrarão, objetivamente, os benefícios aos pacientes”, explica o médico, que não participou do estudo.
Stauffer completa ressaltando que, depois dessa etapa, serão necessárias as aprovações por parte dos órgãos reguladores. “O FDA (Food and Drug Administration), nos Estados Unidos; a EMA (Agência Europeia de Medicamentos); e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), no Brasil”, detalha. Ele acredita que, se aprovados comercialmente, os tratamentos custarão caro. “Serão procedimentos de alto custo, com certeza. É preciso lembrar que precisaremos de células, o que não é barato, além de todo o aparato tecnológico para essa injeção celular. Sem falar na capacitação de médicos: intervenções no coração são mais simples, mas, no cérebro, as condições são muito mais delicadas”, diz.
Neurocirurgião do Hospital Santa Luzia, em Brasília, Mauro Suzuki completa que pesquisas sobre o uso de células-tronco não são, necessariamente, uma novidade. Existem, atualmente, 30 outros testes do tipo em andamento. “Mas o fato de haver alguns estudos sobre isso não significa que, do ponto de vista prático, os achados não sejam uma grande novidade tanto para médicos quanto para pacientes”, avalia Suzuki.
O pesquisador Gary Steinberg acredita que os resultados podem revolucionar o conceito do que acontece com o cérebro não somente após um derrame, mas também depois de lesões de traumas cerebrais e doenças neurodegenerativas. “A noção que temos é de que, uma vez lesionado, o cérebro não se recupera mais. Mas, se conseguirmos descobrir como regenerar os circuitos cerebrais, podemos mudar todo o cenário”, diz o coautor do estudo . (IO)
Terapias limitadas
“Cerca de 80% dos AVCs são isquêmicos (AVCI), que é quando ocorre o entupimento dos vasos. O segundo tipo, o hemorrágico, se dá quando há sangramento no cérebro. A cirurgia, para esses casos menos frequentes, ajuda a diminuir o hematoma e remover o sangramento. Mas, no AVCI, ela só tem um papel: descomprimir o crânio a partir da remoção da calota, o que impedirá que o paciente desenvolva mais sequelas em função do inchaço no cérebro. Isso, contudo, só é viável quando a pessoa sofreu o derrame há pouco tempo. Depende também do tamanho da lesão. Principalmente no AVCI, tempo é tudo. A tendência é que mais estudos com células-tronco ocorram e que, no futuro, ela seja uma opção. No entanto, já que não existem tratamentos formidáveis para reverter a sequela, o mais importante é prevenir o AVC ficando longe do tabaco e controlando hipertensão e obesidade.”
Mauro Suzuki, neurocirurgião do Hospital Santa Luzia, em Brasília