Sabe aquela pessoa que, quando fala, o silêncio se instaura para que toda a sabedoria das palavras seja absorvida por quem estiver ao redor? Aquela pessoa que tem uma magia e um magnetismo que agregam e levam conforto e certo encantamento para quem o ouve? Aquela pessoa que, mesmo com pouco estudo, lida com a escrita como um mestre e toca quem compartilha da sua sensibilidade deixada em contos, pensamentos, frases e casos que emocionam e ensinam a viver? José Utsch de Lima, o Seu Lima, de 79 anos, é uma dessas raras pessoas e quem o conhece se sente privilegiado.
Em quase oito décadas de vida, esse mineiro de Conceição do Mato Dentro, filho do açougueiro Zilinho (Virgílio da Silva Lima) e da dona de casa, linda e poetisa, Lulu (Aurélia Utsch de Lima), teve pouco estudo, só até o segundo ano primário, precisava trabalhar para sobreviver, mas “toda a vida tive loucura por conhecer, sempre quis descobrir coisas, sou um curioso da vida. Um dia, ao acompanhar meu pai na compra de boi, o dono da boiada disse uma frase que nunca esqueci: 'Zilinho, a beleza dos meus bois é incomensurável'. Pensei, 'gente, que será isso?' Fui atrás para descobrir o significado da palavra e passei a ler o que encontrava pela frente, até bula de remédio. E tudo que era interessante, eu catalogava, guardava dentro de mim e ia armazenando. Aos 60 anos, passei a pôr tudo para fora e já vou lançar meu sexto livro”.
Retalhos vivos, O próximo voo, E a vida é assim, Reminiscências, Devaneios e, saindo do forno, Valeu a pena a caminhada são os títulos da bibliografia de Lima, em que ele nos brinda com crônicas e pensamentos em que “vou enfeitando a vida, sem mentiras. Lembro das dificuldades, mas com alegria e beleza. A melhor faculdade que passei é a da vida, porque nunca esquecemos o que ela nos ensina”.
Até se descobrir um escritor e ser convidado para palestras, Lima não teve uma trajetória fácil. “A vida é interessante, nos prega surpresas. A minha foi custosa, mas sempre encarei com muito amor. Estou feliz, não estou caducando, dirijo, escrevo, amo minha mulher, filhos e netos, fumei e bebi muito, larguei tudo, pensando na minha família. Era um cara pobre, vendedor de carne, com sangue de fígado escorrendo do tabuleiro pelo rosto, passei por várias dificuldades e atoleiros. Fui trocador de ônibus, motorista de caminhão e de ônibus”, conta. Encarou tudo isso com a firmeza de quem veio ao mundo para vencer, para construir uma história, não que o envaideça, mas que tenha um olhar generoso sobre tudo o que construiu e, claro, encha de orgulho todos que o cercam.
De bem com a vida, Lima recuperou-se de um infarto, que o deixou ausente do trabalho por quase um ano, o que o levou a se aposentar dos Correios, outro ofício que encarou na vida, onde, por anos, atuou como carteiro e telegrafista. E se mostrou pronto para a luta e um vencedor ao superar um câncer.
Ele encarou várias passagens e desafios. Morou anos no Rio de Janeiro e voltou a Conceição do Mato Dentro porque “tinha deixado uma princesa amarrada no pé da minha mesa e retornei para soltá-la e levá-la para o altar. Minha Diva, o nome já é de uma deusa”, assim ele formou sua família ao lado da professora Diva de Almeida Costa Lima, com quem teve quatro filhos (Cleber, Valéria, Márcia e Sérgio) e sete netos (Érica, Bruno, Antônio Augusto, Maria Eduarda, Wander, Ana Clara e Sofia). “Diva é meu amor, não sei viver sem ela. Somos amarrados desde 1971, quando nos casamos. Agradeço pelos meus filhos e meus netos e tenho quase certeza de que eles são os mais belos do mundo. Não tenho dinheiro, apenas o necessário para viver. Faço todos os dias minhas orações e só tenho a agradecer a Deus, nada a pedir.”
Morando em Lagoa Santa há 50 anos, Lima confessa que na juventude também soube, e ainda continua, a curtir a vida. Se revela um pé de valsa, já que fala com alegria das duas orquestras maravilhosas do Montanhês, bar que frequentava nas noites de Belo Horizonte para dançar quando era um frangote. “Divertia-me, mas naquela época era diferente.” Com sorriso fácil, lembra que, quando garotão, ia a Belo Horizonte frequentar lugares não recomendados pelos pais. “Naquele tempo, eram os chamados inferninhos, onde ia todo tipo de gente, boêmios, beberrões, amantes da noite e, no meio dessa mistura, duas pessoas formidáveis. O homossexual de alcunha Cintura Fina, bom de briga no braço e na navalha, e Maria Tomba Homem, mulher boa de copo, boa de briga e no punho. E no meio disso tudo sempre tinha respeito e honestidade. Tenho saudades desse tempo.” E, como sempre se virou na vida, ele lembra que essa era uma época em que “vendia perfumes, como fleurs de rocaille e hora íntima em casas de mulheres, como a Oito e a 32 Rendez-Vous, para aumentar a renda. Fazia parte da minha luta para criar os filhos”.
TESOUROS
Diva, filhos, netos, livros, natureza e fotografia. Não importa a ordem, mas esses são os tesouros de Lima. Ele se diz um “fiscal da natureza”, cuida, trata, defende e vive cercado por um jardim com pingo-de-ouro, pés de cacau, mamão e café, azaleias, rosas e manacás. “Vivo da beleza que a vida me dá.” A fotografia o acompanha em registros peculiares, como a casa de João-de-Barro de três andares, que coloca em molduras, sempre acompanhadas de dizeres, que podem ser frases lúdicas, engraçadas, boas tiradas e alfinetadas precisas, como a relação que fez do triplex do João-de-Barro com a confusão do suposto triplex do ex-presidente Lula. A roda de amigos, regada a uma cervejinha, também faz parte do mundo de Lima, que adora um bate-papo.
E tudo isso é traduzido em palavras, tudo que vive, lê ou escuta, pode parar nas páginas de seus livros. E, como avisa, até mesmo essa conversa com o Saúde Plena. “Escrever é um desabafo para eu falar com as pessoas e com o mundo o que não acreditam ou não dão importância. Quero sempre levar alegria e já tenho mais de 5 mil pensamentos. Quero me sentir útil em relação ao próximo e minha vida é dividida com todos. Tive muito tempo para escolher meu modo de viver e ele é bem gostoso, de coração aberto, para passar o que a vida me ensinou e que vale a pena. É uma forma de agradecer a Deus, tamanha a graça que tenho. É acender a vela e deixá-la iluminada, não tampá-la com um balaio. Daqui para a frente, não sei o que me reserva, sei até aqui. Amo muito, entrego nas mãos do Pai, porque todos estamos de passagem.”
Lima diz que não quer dar conselhos, mas ensina que ninguém vive sozinho e é preciso ter olhar para o outro e que todos somos iguais. E lembra que estamos sempre em processo, em crescimento, nunca seremos uma obra acabada. “Se depender de mim, nunca ficarei plenamente maduro, nem nas ideias, nem no estilo, mas sempre verde, incompleto, experimental, sempre à procura daquilo que me faz feliz.”
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Retalhos vivos, O próximo voo, E a vida é assim, Reminiscências, Devaneios e, saindo do forno, Valeu a pena a caminhada são os títulos da bibliografia de Lima, em que ele nos brinda com crônicas e pensamentos em que “vou enfeitando a vida, sem mentiras. Lembro das dificuldades, mas com alegria e beleza. A melhor faculdade que passei é a da vida, porque nunca esquecemos o que ela nos ensina”.
Até se descobrir um escritor e ser convidado para palestras, Lima não teve uma trajetória fácil. “A vida é interessante, nos prega surpresas. A minha foi custosa, mas sempre encarei com muito amor. Estou feliz, não estou caducando, dirijo, escrevo, amo minha mulher, filhos e netos, fumei e bebi muito, larguei tudo, pensando na minha família. Era um cara pobre, vendedor de carne, com sangue de fígado escorrendo do tabuleiro pelo rosto, passei por várias dificuldades e atoleiros. Fui trocador de ônibus, motorista de caminhão e de ônibus”, conta. Encarou tudo isso com a firmeza de quem veio ao mundo para vencer, para construir uma história, não que o envaideça, mas que tenha um olhar generoso sobre tudo o que construiu e, claro, encha de orgulho todos que o cercam.
De bem com a vida, Lima recuperou-se de um infarto, que o deixou ausente do trabalho por quase um ano, o que o levou a se aposentar dos Correios, outro ofício que encarou na vida, onde, por anos, atuou como carteiro e telegrafista. E se mostrou pronto para a luta e um vencedor ao superar um câncer.
Ele encarou várias passagens e desafios. Morou anos no Rio de Janeiro e voltou a Conceição do Mato Dentro porque “tinha deixado uma princesa amarrada no pé da minha mesa e retornei para soltá-la e levá-la para o altar. Minha Diva, o nome já é de uma deusa”, assim ele formou sua família ao lado da professora Diva de Almeida Costa Lima, com quem teve quatro filhos (Cleber, Valéria, Márcia e Sérgio) e sete netos (Érica, Bruno, Antônio Augusto, Maria Eduarda, Wander, Ana Clara e Sofia). “Diva é meu amor, não sei viver sem ela. Somos amarrados desde 1971, quando nos casamos. Agradeço pelos meus filhos e meus netos e tenho quase certeza de que eles são os mais belos do mundo. Não tenho dinheiro, apenas o necessário para viver. Faço todos os dias minhas orações e só tenho a agradecer a Deus, nada a pedir.”
Morando em Lagoa Santa há 50 anos, Lima confessa que na juventude também soube, e ainda continua, a curtir a vida. Se revela um pé de valsa, já que fala com alegria das duas orquestras maravilhosas do Montanhês, bar que frequentava nas noites de Belo Horizonte para dançar quando era um frangote. “Divertia-me, mas naquela época era diferente.” Com sorriso fácil, lembra que, quando garotão, ia a Belo Horizonte frequentar lugares não recomendados pelos pais. “Naquele tempo, eram os chamados inferninhos, onde ia todo tipo de gente, boêmios, beberrões, amantes da noite e, no meio dessa mistura, duas pessoas formidáveis. O homossexual de alcunha Cintura Fina, bom de briga no braço e na navalha, e Maria Tomba Homem, mulher boa de copo, boa de briga e no punho. E no meio disso tudo sempre tinha respeito e honestidade. Tenho saudades desse tempo.” E, como sempre se virou na vida, ele lembra que essa era uma época em que “vendia perfumes, como fleurs de rocaille e hora íntima em casas de mulheres, como a Oito e a 32 Rendez-Vous, para aumentar a renda. Fazia parte da minha luta para criar os filhos”.
TESOUROS
Diva, filhos, netos, livros, natureza e fotografia. Não importa a ordem, mas esses são os tesouros de Lima. Ele se diz um “fiscal da natureza”, cuida, trata, defende e vive cercado por um jardim com pingo-de-ouro, pés de cacau, mamão e café, azaleias, rosas e manacás. “Vivo da beleza que a vida me dá.” A fotografia o acompanha em registros peculiares, como a casa de João-de-Barro de três andares, que coloca em molduras, sempre acompanhadas de dizeres, que podem ser frases lúdicas, engraçadas, boas tiradas e alfinetadas precisas, como a relação que fez do triplex do João-de-Barro com a confusão do suposto triplex do ex-presidente Lula. A roda de amigos, regada a uma cervejinha, também faz parte do mundo de Lima, que adora um bate-papo.
E tudo isso é traduzido em palavras, tudo que vive, lê ou escuta, pode parar nas páginas de seus livros. E, como avisa, até mesmo essa conversa com o Saúde Plena. “Escrever é um desabafo para eu falar com as pessoas e com o mundo o que não acreditam ou não dão importância. Quero sempre levar alegria e já tenho mais de 5 mil pensamentos. Quero me sentir útil em relação ao próximo e minha vida é dividida com todos. Tive muito tempo para escolher meu modo de viver e ele é bem gostoso, de coração aberto, para passar o que a vida me ensinou e que vale a pena. É uma forma de agradecer a Deus, tamanha a graça que tenho. É acender a vela e deixá-la iluminada, não tampá-la com um balaio. Daqui para a frente, não sei o que me reserva, sei até aqui. Amo muito, entrego nas mãos do Pai, porque todos estamos de passagem.”
Lima diz que não quer dar conselhos, mas ensina que ninguém vive sozinho e é preciso ter olhar para o outro e que todos somos iguais. E lembra que estamos sempre em processo, em crescimento, nunca seremos uma obra acabada. “Se depender de mim, nunca ficarei plenamente maduro, nem nas ideias, nem no estilo, mas sempre verde, incompleto, experimental, sempre à procura daquilo que me faz feliz.”