O glioblastoma multiforme é um tipo de câncer cerebral comum, agressivo e incurável. As terapias disponíveis, como cirurgia, radiação e quimioterapia, prolongam minimamente a sobrevivência dos pacientes, que, na maioria dos casos, sucumbe no primeiro ano após a descoberta da doença. Pesquisadores do Programa de Biologia e Genética do Câncer, do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, nos Estados Unidos, descobriram que não são características do tumor em si que influenciam na resposta limitada dele ao tratamento, mas o microambiente em que o câncer está inserido. Os achados aparecem na edição desta semana da revista Science e levantam nova possibilidade de intervenção contra a enfermidade.
“O microambiente do tumor está emergindo como uma estratégia terapêutica promissora”, considera Johanna Joyce, pesquisadora sênior do estudo. Para se ter uma ideia, cerca de 30% da massa tumoral é composta por macrófagos, células envolvidas na imunidade e responsáveis por “devorar” elementos estranhos e potencialmente nocivos ao organismo. “No entanto, em muitos cânceres, incluindo o glioma, a concentração dessas células é associada ao mau prognóstico do paciente. Como tal, sua presença representa uma abordagem terapêutica atraente”, completa a pesquisadora.
As impressões de Joyce foram corroboradas em um estudo com ratos, no qual ela e a equipe constataram que inibidores de elementos do microambiente do carcinoma são opções de tratamento mais promissoras do que aquelas focadas diretamente no tumor. Em uma primeira etapa dos experimentos, os pesquisadores notaram que a droga chamada BLZ945 inibe o fator estimulante de colônias (CSF-1), substância expressa pelos macrófagos. Em ratos, durante algumas semanas, o medicamento mostrou-se eficiente em regredir o tumor. No entanto, a medida que passou o tempo, a doença se tornou resistente.
O foco, então, foi direcionado para as atividades da enzima PI3-K, que é acionada por outra substância secretada pelo macrófagos, o fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1). Ratos tratados com inibidores de PI3-K e IGF-1, além de BLZ945, apresentaram aumento relevante na sobrevida: em vez de 13 dias, resistiram ao câncer por 60 dias; ou seja, o tempo de vida mais que quadruplicou. “Nossos resultados sublinham a importância do feedback bidirecional entre células cancerosas e seu microambiente, e também apoiam a noção de que a persistência de um tumor pode ocorrer pela exploração do ambiente extracelular. Assim, propomos que um sistema integrado que envolva a análise de células cancerosas com seu microambiente é fundamental para a compreensão da evolução e da progressão tumoral”, ressalta Joyce.
Olavo Feher, oncologista do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, considera importante o potencial terapêutico descoberto: interferir em células benignas e indiretamente relacionadas ao tumor incurável, avalia o médico, é realmente uma boa novidade. No entanto, os impactos clínicos são distantes. “O estudo foi induzido em animais e retrata uma situação controlada. Não é um espelho da situação clínica que a gente vê. Mas, mesmo assim, é extremamente importante por procurar conceitos de como um tumor desenvolve e se relaciona com as células que estão próximas a ele, além de apontar com quais maneiras poderíamos interferir na biologia e na história do tumor”, diz.
Defesa emprestada
Pesquisadores do Instituto de Câncer e da Universidade de Oslo, ambos na Noruega, mostraram, na última edição da revista Science, que células de defesa “emprestadas” de pessoas saudáveis são eficientes para combater tumores invisíveis para o sistema imunológico de indivíduos com câncer.
Os tumores desenvolvem estratégias de invisibilidade que enganam ou cegam o sistema imunológico dos pacientes para estruturas chamadas neoantigênios — fragmentos de proteínas presentes na superfície do tumor que deveriam ser consideradas defeituosas pelas células de defesa. Os pesquisadores mapearam neo-antigênios de pessoas diagnosticadas com melanoma e voluntários saudáveis a fim de analisar detalhadamente como essas estruturas eram percebidas pelos grupos.
Embora tenham sido ignoradas pelas células-T dos pacientes, em indivíduos saudáveis, os neoantigênios foram rapidamente detectados. Inseridas em indivíduos com câncer, as células de defesa dos doadores não só identificaram os tumores como também “ensinaram” o sistema imune dos doentes a reconhecer a doença.
“Nosso estudo mostra que encontrar imunidade contra o câncer para um doador é plausível. No entanto, mais trabalho precisa ser feito antes que os pacientes possam se beneficiar dessa descoberta. Estamos explorando métodos para identificar os neoantigênios que permitem que as células-T ‘vejam’ o câncer. Depois, temos que isolar as células que respondem. Mas os resultados mostrando que podemos obter imunidade específica para o câncer a partir do sangue de alguém saudável já são muito promissores”, avalia Johanna Olweus, coautora da pesquisa.
Visão ampliada
“O estudo nos mostra quão importante é a análise integrada do tumor e do microambiente, e reforça a tendência da imunoterapia como uma estratégia promissora. Os achados também explicam um pouco da razão de a doença continuar se desenvolvendo mesmo com quimioterapia focada para combatê-la. Existem estudos em humanos com esses inibidores nos Estados Unidos, mas não no Brasil. Talvez, em breve, a gente tenha estudos clínicos interessantes nesse sentido. Mas, por enquanto, é difícil dizer. O que devemos ter em mente agora é que não adianta nada estudar o tumor apenas, precisa-se também prestar atenção em tudo que o rodeia, pois o câncer é uma doença heterogênea, apresenta alterações tanto na célula tumoral quanto no microambiente que o circunda”
Daniel Marques, membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica
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As impressões de Joyce foram corroboradas em um estudo com ratos, no qual ela e a equipe constataram que inibidores de elementos do microambiente do carcinoma são opções de tratamento mais promissoras do que aquelas focadas diretamente no tumor. Em uma primeira etapa dos experimentos, os pesquisadores notaram que a droga chamada BLZ945 inibe o fator estimulante de colônias (CSF-1), substância expressa pelos macrófagos. Em ratos, durante algumas semanas, o medicamento mostrou-se eficiente em regredir o tumor. No entanto, a medida que passou o tempo, a doença se tornou resistente.
O foco, então, foi direcionado para as atividades da enzima PI3-K, que é acionada por outra substância secretada pelo macrófagos, o fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1). Ratos tratados com inibidores de PI3-K e IGF-1, além de BLZ945, apresentaram aumento relevante na sobrevida: em vez de 13 dias, resistiram ao câncer por 60 dias; ou seja, o tempo de vida mais que quadruplicou. “Nossos resultados sublinham a importância do feedback bidirecional entre células cancerosas e seu microambiente, e também apoiam a noção de que a persistência de um tumor pode ocorrer pela exploração do ambiente extracelular. Assim, propomos que um sistema integrado que envolva a análise de células cancerosas com seu microambiente é fundamental para a compreensão da evolução e da progressão tumoral”, ressalta Joyce.
Olavo Feher, oncologista do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, considera importante o potencial terapêutico descoberto: interferir em células benignas e indiretamente relacionadas ao tumor incurável, avalia o médico, é realmente uma boa novidade. No entanto, os impactos clínicos são distantes. “O estudo foi induzido em animais e retrata uma situação controlada. Não é um espelho da situação clínica que a gente vê. Mas, mesmo assim, é extremamente importante por procurar conceitos de como um tumor desenvolve e se relaciona com as células que estão próximas a ele, além de apontar com quais maneiras poderíamos interferir na biologia e na história do tumor”, diz.
Defesa emprestada
Pesquisadores do Instituto de Câncer e da Universidade de Oslo, ambos na Noruega, mostraram, na última edição da revista Science, que células de defesa “emprestadas” de pessoas saudáveis são eficientes para combater tumores invisíveis para o sistema imunológico de indivíduos com câncer.
Os tumores desenvolvem estratégias de invisibilidade que enganam ou cegam o sistema imunológico dos pacientes para estruturas chamadas neoantigênios — fragmentos de proteínas presentes na superfície do tumor que deveriam ser consideradas defeituosas pelas células de defesa. Os pesquisadores mapearam neo-antigênios de pessoas diagnosticadas com melanoma e voluntários saudáveis a fim de analisar detalhadamente como essas estruturas eram percebidas pelos grupos.
Embora tenham sido ignoradas pelas células-T dos pacientes, em indivíduos saudáveis, os neoantigênios foram rapidamente detectados. Inseridas em indivíduos com câncer, as células de defesa dos doadores não só identificaram os tumores como também “ensinaram” o sistema imune dos doentes a reconhecer a doença.
“Nosso estudo mostra que encontrar imunidade contra o câncer para um doador é plausível. No entanto, mais trabalho precisa ser feito antes que os pacientes possam se beneficiar dessa descoberta. Estamos explorando métodos para identificar os neoantigênios que permitem que as células-T ‘vejam’ o câncer. Depois, temos que isolar as células que respondem. Mas os resultados mostrando que podemos obter imunidade específica para o câncer a partir do sangue de alguém saudável já são muito promissores”, avalia Johanna Olweus, coautora da pesquisa.
Visão ampliada
“O estudo nos mostra quão importante é a análise integrada do tumor e do microambiente, e reforça a tendência da imunoterapia como uma estratégia promissora. Os achados também explicam um pouco da razão de a doença continuar se desenvolvendo mesmo com quimioterapia focada para combatê-la. Existem estudos em humanos com esses inibidores nos Estados Unidos, mas não no Brasil. Talvez, em breve, a gente tenha estudos clínicos interessantes nesse sentido. Mas, por enquanto, é difícil dizer. O que devemos ter em mente agora é que não adianta nada estudar o tumor apenas, precisa-se também prestar atenção em tudo que o rodeia, pois o câncer é uma doença heterogênea, apresenta alterações tanto na célula tumoral quanto no microambiente que o circunda”
Daniel Marques, membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica