Bebês com poucas semanas de vida não reproduzem gestos de adultos

O resultado indica que a imitação não é uma habilidade inata, mas aprendida entre os 8 e os 12 meses

por Paloma Oliveto 25/05/2016 15:00
Universidade de Queensland / Divulgação
Um dos bebês participantes do experimento: gestos de adultos repetidos por recém-nascidos são mera coincidência, afirmam pesquisadores (foto: Universidade de Queensland / Divulgação)
Os pais derretem-se de orgulho. E com razão. Nada mais fofo que ver um bebê com meses de vida tentando imitar as expressões faciais dos adultos. Para a ciência, o interesse não é a gracinha da criança, mas o fato de que, se ela  nasce capaz de copiar gestos, isso é sinal de que algumas habilidades sociais e cognitivas são inatas. O debate sobre o tema começou em 1977, com o primeiro artigo científico descrevendo o fenômeno. Desde então, diversos pesquisadores levantaram dúvidas sobre o resultado.

Agora, um estudo publicado na revista Current Biology joga um balde de água fria nas pretensões paternas. A repetição exaustiva do experimento original demonstrou que os recém-nascidos não reproduzem as expressões faciais. Se colocam a língua para fora ao ver alguém fazendo isso, provavelmente essa é apenas uma reação de empolgação com a brincadeira, e não uma tentativa de imitá-la, garantem os pesquisadores da Universidade de Queensland, na Austrália.

O estudo incluiu 106 bebês — 51 meninas e 55 meninos —, testados quando tinham 1, 3, 6 e 9 semanas de vida. A cada visita dos pesquisadores, as crianças eram expostas a 11 gestos, incluindo quatro faciais (colocar a língua para fora, abrir a boca, fazer cara feliz, fazer cara triste), dois manuais (erguer o dedo indicador e apertar a mão), três vocalizações (“mmm”, “eee” e som de clique) e duas simulações de expressão com objetos não sociais (abertura de uma caixa e a saída de uma colher de dentro de um tubo). Os bebês viam esses gestos durante 30 segundos a cada minuto. Todas as sessões foram gravadas e um software de estatística calculou quantas vezes as expressões demonstradas eram repetidas pelos pequenos.

“Contrariando as expectativas, as análises não confirmaram qualquer evidência de imitação para os nove gestos sociais. Especialmente em relação aos três gestos mais comumente feitos pelos adultos para um bebê — abrir a boca, fazer cara de triste e vocalizar ‘eee’ —, não houve diferença na resposta, quando comparados aos controles”, explica Virginia Slaughter, psicóloga da Universidade de Queensland e principal autora do trabalho. Em outras palavras, a reação dos nenéns aos gestos dos pesquisadores não diferia daquela estimulada pelos objetos não sociais. Eles podiam abrir as boquinhas e franzir as sobrancelhas tanto quando viam os adultos fazendo isso quanto ao observar uma colher saindo de um tubo.

De acordo com Slaughter, é muito provável que as expressões das crianças sejam um gesto de animação diante de um estímulo. “Eles provavelmente só estão excitados com a brincadeira”, observa. “Muitas pessoas ainda defendem que bebês conseguem imitar gestos humanos com base nesse experimento de 1977, que foi repetido posteriormente, mas, na maioria das vezes, com problemas metodológicos e sem um teste controle como o que incluímos, dos objetos não animados. Acho que já passamos da hora de desconsiderar essa teoria de que bebês imitam gestos. Isso, de fato, acontece quando as crianças ficam mais velhas, indicando que essa característica é aprendida, e não inata”, diz.

Preocupação
Um dos problemas de não se considerar que a teoria de quase quatro décadas atrás está ultrapassada, segundo Slaughter, é que alguns pais ficam ansiosos ao perceber que seus filhos recém-nascidos são incapazes de imitar gestos e começam a acreditar que as crianças têm problemas cognitivos. De fato, em muitos sites sobre desenvolvimento infantil, a reprodução das expressões dos adultos consta de checklists de o que esperar das crianças mês a mês.

“Para os pais, a mensagem é: não se preocupen, pois é absolutamente normal seu filho não os copiar. Recém-nascidos não fazem isso. Essa é uma característica que vai emergir mais ou menos na época em que (Jean) Piaget propôs, entre 8 e 12 meses”, observa. Segundo o pesquisador francês, esse é o momento em que as crianças tomam consciência de si e compreendem a diferença entre elas e os outros.

Caso bebês fossem capazes de imitar gestos desde o momento em que saem do útero, isso indicaria que essa consciência nasce com o homem, assim como a compreensão do mapa corporal. “Quando você imita alguém, precisa saber quais partes do seu mapa corporal correspondem ao corpo da pessoa que você está tentando imitar. Se o outro balança o dedo, para imitá-lo, você tem de estabelecer a correspondência, sabendo que sua mão parece similar à dele, e que você pode fazer o mesmo movimento. E isso é ainda mais complicado com partes do corpo que não estão à sua vista. Se você quer imitar alguém que colocou a língua para fora, primeiro tem de perceber que tem uma língua também e como você pode movê-la de forma que ela reproduza o gesto do outro”, afirma Christian Little, especialista em evolução da linguagem e cognição da Universidade de Edimburgo, na Escócia.

O psicólogo lembra que, desde que Andrew N. Meltzoff e M. Keith Moore publicaram o artigo original na revista Science, em 1977, muitos tentaram reproduzi-lo. O experimento foi feito, inclusive, com chimpanzés e macacos rhesus — e os macacos colocaram a língua para fora, assim como os bebês, durante alguns momentos. “As fotos fofas do bebê publicadas por Meltzoff e Moore não convenceram todo mundo. Desde o início, já em 1979, numerosos estudos também falharam ao tentar replicar o resultado”, explica.

De acordo com ele, o único gesto que os bebês parecem realmente imitar é o de botar a língua para fora. O que não significaria, contudo, uma imitação real. “Recém-nascidos colocam a língua para fora o tempo todo, para vários estímulos. Não acredito que seja uma reação de cópia. Elas também movem muito os lábios e as mandíbulas, e acredito que seja uma tentativa de explorar os objetos oralmente”, conclui Little.