Cientistas investigam relação entre transtornos mentais e alimentação pouco saudável

Crescem as evidências de que isso causa problemas como depressão, ansiedade e déficit de atenção

por Paloma Oliveto 14/05/2016 10:00
O papel da nutrição na saúde física já está bem estabelecido. Só recentemente, porém, cientistas começaram a postular que o sustento do corpo também alimenta a mente e passaram a investigar a associação entre dieta e transtornos como depressão, deficit de atenção e ansiedade. Por enquanto, são pesquisas observacionais, que não trazem conclusões sobre causa e efeito. Contudo, resultados robustos indicam que, de fato, o que se come pode influenciar positiva ou negativamente a sanidade mental.

No ano passado, um grupo de cientistas afiliados à Sociedade Internacional para Pesquisa Nutricional Psiquiátrica (ISNPR) publicou na revista The Lancet Psychiatry um artigo defendendo o reconhecimento de que a alimentação é “determinante central” tanto da saúde física quanto da mental. “Embora os determinantes da saúde mental sejam complexos, as evidências emergentes e convincentes de que a nutrição é um fator crucial na alta prevalência e incidência de distúrbios mentais sugerem que a dieta é tão importante para a psiquiatria quanto a cardiologia, a endocrinologia e a gastroenterologia”, observa o texto.

Além disso, os autores argumentaram que, apesar de altos investimentos em diagnóstico e tratamento farmacológico, os pacientes têm sido pouco beneficiados com as inovações, sugerindo a necessidade de novas ferramentas que auxiliem no combate a transtornos graves e incapacitantes. A depressão, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), é a doença que mais afasta do trabalho, atingindo 400 milhões de pessoas em todo o planeta, o correspondente a 7% da população. “Nos últimos anos, os tratamentos que visam melhorar o quadro de depressão falharam, sugerindo que outros fatores podem estar influenciando no peso dessa condição”, sustenta Felice Jacka, epidemiologista psiquiátrica da Universidade de Deakin, na Austrália, e integrante da ISNPR.

Uma das maiores defensoras da abordagem nutricional no combate a transtornos mentais, a médica defende que a dieta seja encarada como mecanismo preventivo de distúrbios comuns, principalmente depressão e ansiedade. “Isso já acontece com doenças cardiovasculares e câncer. Temos que investir mais no conceito de prevenção e, ainda que a etiologia de problemas mentais tenha múltiplos fatores, esse não pode ser ignorado”, observa.

Ômega-3
Em 2014, a Universidade de Newcastle, também na Austrália, fez uma revisão de 21 estudos e constatou que a alta ingestão de grãos integrais, vegetais, frutas e peixes está associada à incidência menor de depressão. No ano anterior, um artigo japonês publicado no The British Journal of Psychiatry com dados de 90 mil pessoas encontrou um risco de suicídio reduzido entre aqueles que consumiam mais vegetais, peixes, soja e frutos do mar.

Segundo Fernando Gómez-Pinilla, professor de neurocirurgia e ciências fisiológicas da Universidade da Califórnia em Los Angeles, os alimentos podem ser encarados como “compostos farmacêuticos” que afetam o cérebro. Há anos, ele estuda os efeitos da nutrição, do sono e da atividade física sobre a mente e sustenta que a dieta equilibrada, a prática de exercícios e as noites bem-dormidas podem alterar a saúde cerebral e a função mental.

Recentemente, ele fez uma revisão de 160 estudos que investigaram a forma como os alimentos afetam o cérebro. O trabalho, publicado na revista Nature Reviews Neuroscience, encontrou evidências sobre o potencial dos alimentos para combater depressão e transtornos de humor, além de esquizofrenia e demência.

O médico destaca o papel significativo dos ácidos graxos ômega-3, gordura encontrada nos peixes, nas nozes e no kiwi, na proteção do cérebro. “A deficiência desse nutriente em humanos está associada ao risco aumentado de diversos distúrbios mentais, como transtorno de deficit de atenção, dislexia, demência, depressão, transtorno bipolar e esquizofrenia”, afirma.

Embora o mecanismo por trás disso não tenha sido completamente esclarecido, uma pista está na redução do estresse oxidativo e na melhoria das sinapses (conexões entre neurônios), facilitadas pelo DHA, um dos tipos de ácido ômega-3, abundante no salmão. Como o organismo não consegue produzir essa substância em quantidades significativas, a única forma de obtê-la de forma  suficiente é por meio da alimentação — de acordo com Gómez-Pinilla, suplementos nutricionais não são tão eficazes.

“Em Okinawa, ilha do Japão onde se exercitar e comer peixe são hábitos diários, a população vive mais do que em qualquer outro lugar do mundo e apresenta as mais baixas taxas de distúrbios mentais”, conta o médico. De acordo com ele, o ômega-3 também eleva os níveis e a sinalização de uma molécula conhecida como fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), deficiente no cérebro de pacientes com depressão e esquizofrenia. Um dos mecanismos dos antidepressivos, inclusive, é elevar a produção dessa molécula. Em ratos, também houve um aumento de BDNF com o consumo de curcumina, um componente do açafrão-da-índia.

Bactérias

Além das propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes dos alimentos, pesquisadores acreditam que uma das associações entre saúde mental e alimentação esteja nas bactérias benéficas que colonizam o trato gastrointestinal. Esses micróbios, os probióticos, sintetizam a maior parte da serotonina produzida pelo corpo e se alimentam de ingredientes como aspargo, banana, grãos integrais, cebola e iogurte, entre outros.

Há uma semana, um estudo canadense do Instituto Corpo-Cérebro da Universidade de McMaster demonstrou que as bactérias probióticas afetam de forma significativa o humor e os níveis de ansiedade. Os autores do trabalho, John Bienenstock e Paul Forsythe, acreditam que essa constatação poderá servir de base para novas estratégias que previnam ou tratem condições como transtorno pós-traumático e depressão. O trabalho foi feito com ratos, sendo que um dos grupos foi exposto a situações estressantes, que resultaram em comportamentos típicos de irritabilidade e ansiedade.

Ao analisar as bactérias contidas nas fezes desses animais, os pesquisadores observaram um desequilíbrio na flora intestinal. “Os ratos estressados tinham menos diversidade de bactérias, o que é ruim e traz alterações no humor e no comportamento”, conta Bienenstock. Porém, quando alimentados com ração que continha micróbios retirados das fezes de ratos não estressados, as cobaias ansiosas foram abandonando sintomas como diminuição do apetite, tremores e isolamento social. Os cientistas também examinaram o cérebro dos roedores e constataram alterações em biomarcadores químicos da ansiedade e do estresse.

Dieta contra a esquizofrenia
Uma dieta rica em gorduras benéficas e pobre em carboidratos simples pode ser efetiva no tratamento da esquizofrenia, dizem pesquisadores da Universidade de James Cook, na Austrália. O grupo de cientistas coordenado por Zoltan Sarnyai descobriu que alimentar ratos com um regime cetogênico — alto teor de gordura e baixo de carboidratos — leva a menos comportamentos que, nos animais, correspondem aos sintomas de esquizofrenia em humanos.

Desde a década de 1920, a dieta cetogênica tem sido usada no controle de epilepsia e, mais recentemente, foi adotada em programas de redução de peso. Sarnyai acredita que esse tipo de alimentação pode funcionar fornecendo fontes alternativas de energia, na forma dos chamados corpos cetônicos (produtos da quebra da gordura), ajudando a contornar o funcionamento celular anormal associado aos padrões energéticos no cérebro de pessoas com esquizofrenia. “A maior parte da energia de uma pessoa vem da gordura. Então, a dieta deve consistir de manteiga, queijo, salmão etc. Inicialmente, teria de ser usada com a medicação”, observa.

O pesquisador lembra que a esquizofrenia é um distúrbio mental crônico que afeta quase 1% da população adulta do mundo. Atualmente, não há cura, e os medicamentos utilizados para aliviar os sintomas podem produzir efeitos colaterais como transtornos motores, ganho de peso e doença cardiovascular. O trabalho conduzido por Sarnyai, publicado na revista Schizophrenia research, mostrou também que, em ratos, a dieta cetogênica não resultou em ganho de peso e, inclusive, reduziu o nível de glicose no sangue dos animais.

“É outra vantagem o fato de ela combater o ganho de peso, evitar os problemas cardiovasculares e o diabetes tipo 2, efeitos colaterais comuns das drogas usadas para controlar a esquizofrenia”, sustenta Sarnyai. Ele ressalta, porém, que, antes de verificar a validade da dieta em humanos, é preciso investigar o resultado mais a fundo com outros animais.