HPV se aproveita de fragilidade emocional

Estudo que acompanhou centenas de norte-americanas constata que o vírus se torna mais resistente no organismo de pacientes que sofrem com estresse e depressão. Hábitos como consumo de álcool e tabagismo também favorecem o micro-organismo

por Vilhena Soares 10/05/2016 07:30
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Diferentes estudos têm mostrado que estresse e depressão, além de afetarem a qualidade de vida, enfraquecem o sistema imunológico. Agora, pesquisadores americanos constatam que esse efeito pode ser especialmente perigoso para mulheres com o papiloma vírus humano (HPV). Após acompanharem por 11 anos jovens infectadas pelo micro-organismo, os cientistas descobriram que esses problemas emocionais, principalmente se aliados a hábitos pouco saudáveis, como fumar e beber, aumentam a capacidade de o vírus agredir o organismo.

Os autores do estudo, divulgado na semana passada durante a reunião da Sociedade Americana de Pediatria, destacam que o trabalho constata suspeitas que já haviam sido levantadas na área médica e reforça a necessidade de mudança de estilo de vida em mulheres com HPV. Segundo eles, para essas pacientes, é fundamental buscar por estilos de vida menos desgastantes para reduzir as chances de aparecimento do câncer de colo de útero, enfermidade causada pelo vírus.

A análise teve início em 2000, quando 333 mulheres que tinham em média 19 anos e haviam sido diagnosticadas com o HPV passaram a ser acompanhadas. As voluntárias realizavam visitas semestrais aos médicos responsáveis pelo estudo para a coleta de amostras. Nessas ocasiões, também respondiam um questionário sobre seus hábitos e como estavam se sentindo. Algumas das perguntas serviam para avaliar o nível de estresse e depressão enfrentado pelas participantes e como elas lidavam com esses problemas.

Após 11 anos de acompanhamento, os pesquisadores analisaram os dados, cruzando as informações colhidas pelos questionários com os exames médicos. Constatou-se um aumento considerável no nível de presença do vírus nas voluntárias com maior desgaste emocional. “Descobrimos que as mulheres que estavam deprimidas ou que haviam sofrido muito estresse eram mais propensas a ter persistência do HPV”, declarou em um comunicado Anna-Barbara Moscicki, professora de pediatria e pesquisadora da Universidade da Califórnia.

Outro ponto observado pelos investigadores foi a influência de hábitos pouco saudáveis com a constância do HPV. “As mulheres que relataram estratégias autodestrutivas para enfrentar problemas emocionais, como beber, fumar cigarros ou usar drogas quando estavam estressadas, eram propensas a ter o HPV mais ativo no organismo”, destacou a autora.

Alerta
Os cientistas ainda não sabem explicar por que problemas emocionais estão ligados à permanência do HPV no corpo, mas acreditam que o estresse esteja ligado a respostas imunes anormais, dificultando a ação do sistema imunológico contra o vírus. Isso faz com que a pessoa se torne mais propensa a ter problemas de saúde, incluindo câncer de cólon, que tem como uma de suas causas o papiloma vírus humano. “As infecções por HPV são a causa dos cânceres cervicais e são extremamente comuns. O vírus que está no organismo corre o risco de desenvolver cancro do colo do útero. Isso é preocupante, pois muitas dessas mulheres adquiriram a infecção desde adolescentes”, explicou Moscicki.

Para Janaína Sturari, ginecologista e diretora do Hospital Maria Auxiliadora, em Brasília, o estudo americano é de grande importância, pois confirma suspeitas da área médica. “Sempre falamos que o estresse e a depressão parecem prolongar a infecção desse vírus, e, com essa análise, os cientistas provaram o que já vínhamos observando. Fatores como a bebida e o cigarro aumentam os processos inflamatórios, e eles também interferem na área genital. Isso vai levar à persistência da infecção”, avaliou a especialista, que não participou do estudo.

Os autores do estudo acreditam que pesquisas futuras poderão determinar os marcadores inflamatórios que determinam o câncer de colo do útero e estão associados ao estresse. Para eles, a investigação atual já serve como um alerta às mulheres com HPV, que devem buscar estilos de vida mais saudáveis e menos desgastantes. Para Janaína Sturari, essa medida é essencial. “Caso não existam fatores que prolonguem a vida do HPV, como estresse, bebida e cigarro, o organismo consegue eliminar o vírus em cerca de dois anos, porque ele para de se replicar. Mas, para isso, todos os cuidados são necessários, incluindo uma boa alimentação”, detalhou.

A ginecologista lembra que a incidência da doença é alta em todo o mundo. “Ou mudamos nossos hábitos ou vamos sofrer com doenças cada vez mais cedo. Hoje, a Organização Mundial da Saúde (OMS) fala em 231 mil mortes a cada ano por câncer do colo de útero. Quando se fala de HPV, pensamos só nas mulheres, mas ele pode provocar enfermidades também nos homens, como câncer de pênis, de ânus e de laringe”, destacou a especialista.