Estudo americano mostra que pessoas sofrem de dependência tecnológica e que algumas redes sociais podem afetar o cérebro de forma semelhante às drogas

Pesquisadores da UFRJ desenvolveram um teste para avaliar a dependência dos usuários com o Facebook

por Carolina Cotta 04/05/2016 08:00
Reprodução Internet
(foto: Reprodução Internet)
Redes sociais são formuladas com mecanismos de estímulo ao retorno constante a elas, garantindo seu sucesso. A verificação de curtidas no Instagram ou no Facebook, o número de notificações no WhatsApp o recebimento de comentários e mensagens levam o usuário a querer conferir constantemente o que está ocorrendo em seus perfis virtuais. Estudos já evidenciaram que repetidas curtidas no Facebook geram picos de bem-estar cerebrais, via circuito de recompensa, comparáveis aos que ocorrem com outros desencadeadores de prazer, como alimentos, sexo e até cocaína. O estudo mais recente mostrou que 11% das pessoas sofrem de alguma forma de dependência tecnológica e que o Facebook estaria afetando o cérebro de seus usuários de forma semelhante às drogas.

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A ideia é defendida pelo grupo de pesquisadores coordenados pelo professor Ofir Turel, da California State University, no artigo Examination of neural systems sub-serving Facebook “Addiction”. Depois de monitorar o cérebro de 20 voluntários, eles identificaram que o sistema amígdala-corpo estriado, envolvido na dependência de drogas, era afetado quando os voluntários viam fotos relacionadas ao Facebook. Isso não quer dizer que os efeitos da famosa rede social se comparariam aos de uma droga química. Há diferenças nessa dependência. Segundo Turel, é mais fácil largar o Facebook que o vício em drogas pesadas. “O sistema impulsivo pode ser pensado como o acelerador de um carro, enquanto o sistema inibitório pode ser comparado a um freio”, afirmou o principal autor do trabalho.

Por isso, o mecanismo inverso, o da falta, também ocorre, como quando não são recebidas curtidas ou comentários positivos sobre algo postado, como esperado. Segundo pesquisadores do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (Geat), baseado no Rio Grande do Sul, esse usuário acaba sentindo um vazio intenso, que pode ser semelhante ao do dependente químico quando não está sob efeito da substância ou quando é privado do acesso a ela. Mas a gratificação com as curtidas é só um entre os inúmeros prazeres que as redes sociais proporcionam. Existem outros possíveis prazeres veiculados por meio das redes sociais, como o de mostrar que se faz parte de um grupo específico, o de compartilhar as atividades sociais de que se está participando em tempo real, o de mostrar os gostos e estilo de vida como confirmação da identidade de uma determinada pessoa.

“Quando tais prazeres geram uma trama cognitiva na qual se espera de forma muito intensa por recompensas após se ter compartilhado uma foto ou um pensamento, está se falando de situações nas quais o uso pode estar se aproximando de um caráter dependente. Outra situação de risco para gerar um padrão dependente de comportamento é quando a interação nas redes sociais baseia-se demasiadamente na busca de suporte emocional”, alerta o psiquiatra da infância e adolescência Daniel Spritzer, coordenador do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (Geat). A crescente importância e prevalência do assunto na prática clínica atual, tanto de psicoterapeutas que atendem crianças e adolescentes quanto dos que atendem adultos, tem exigido um olhar para esse fenômeno.

“Entendemos que hoje deveria ser natural investigarmos não só se nossos pacientes utilizam as redes sociais e por quanto tempo se mantêm conectados a elas por dia, mas como eles interagem com as diferentes redes sociais em seu dia a dia”, defende Spritzer. Pontos importantes de serem averiguados são se a pessoa consegue estabelecer chats com outras pessoas, como se sente quando recebe curtidas, como se sente quando não recebe curtidas, em que momentos tem necessidade de observar a vida alheia, se busca apoio emocional através das redes, se tem perfis falsos, o que costuma postar na rede, qual a frequência com que utiliza as redes sociais, quanto tempo do seu dia dedica à rede social e como se sente quando não tem acesso a ela.

“Uma das principais dificuldades é chegar a um entendimento sobre o que pode ser considerado um novo transtorno mental e o que é uma atividade cada vez mais intensa por parte das pessoas. É preciso cuidado na hora de se pesquisar um fenômeno que se transforma quase que na mesma velocidade da evolução tecnológica e está tão intimamente ligado ao desenvolvimento das crianças e adolescentes”, pondera. A dependência de internet, apesar de não ser reconhecida pelos manuais diagnósticos e estatísticos como o DSM e a CID, já é identificada como um grave problema de saúde pública. No último DSM, o “Transtorno do jogo pela internet” já aparece no capítulo “Condições para estudos posteriores”, apontando para a importância do reconhecimento dessa condição como um transtorno que necessita de atenção.

Isso ajudaria a conduzir casos como o da adolescente L., de 16 anos, acompanhada pelo Geat. Ela já havia deixado a escola por dificuldades de aprendizagem e relacionamento antes de ter problemas com o uso das redes sociais. Relatava ter poucos amigos na “vida real”: seu mundo de relações baseava-se nos amigos de Facebook, Instagram, Twitter e WhatsApp. Cada curtida ou notificação de mensagem era vivenciada com euforia, entusiasmo, sentimento de valorização e de pertencer a um grupo. E se a foto postada não alcançasse o mínimo de 100 curtidas, seu vazio e tristeza se faziam presentes. Como já não tinha nenhuma outra atividade, todas as horas eram voltadas para isso. Na única tentativa dos pais em cortar seu acesso às redes sociais, L. teve uma crise de choro muito forte, chegando a se sentir enjoada e a vomitar.

O PODER DOS SMARTPHONES
A dependência de internet não se restringe às redes sociais. Ela pode ser subdividida em dependência de jogos eletrônicos, de chats de relacionamentos e outros blogs/microblogs, de smartphones e outras dependências comportamentais relacionadas à internet. Segundo Frederico Garcia, psiquiatra e professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, as dependências comportamentais, caso da dependência da internet, são uma condição de impulsos recorrentes na qual a pessoa afetada engaja-se em atividades específicas, apesar de sofrer consequências danosas à sua saúde física, mental ou social. Destacam-se a compulsão por jogos de azar, sexo, pornografia, computadores, videogames, internet, trabalho, exercícios físicos e compras.

As dependências comportamentais seguem um padrão semelhante ao do uso de substâncias, que é caracterizado por uma sensação de ansiedade que antecede o comportamento e é aliviada e transformada em uma sensação de prazer ou alívio quando o indivíduo inicia o comportamento; busca do comportamento (inicialmente para sentir prazer, posteriormente para lidar com a ansiedade produzida pela falta dele); um aumento da frequência ou do tempo gasto na preparação, realização do comportamento ou recuperação após a realização dele. Um indivíduo acometido por uma dependência comportamental passa a experimentar desejos importantes ou urgências para buscar o comportamento, que se intensificam sobremaneira até que o comportamento seja executado, o que causa sentimentos de alívio ou exaltação.

A atual expansão da acessibilidade à internet através dos smartphones trouxe a facilidade do uso da rede em alta velocidade e em vários ambientes a qualquer hora do dia. Com isso, também houve o surgimento da dependência de smartphone. Esta é caracterizada por sintomas de abstinência quando da impossibilidade do uso do aparelho, falta de controle e uso compulsivo e interferência em outras atividades da vida diária. Quando há indisponibilidade do uso do smartphone pelos indivíduos dependentes do mesmo, há um sentimento de perda associado, acompanhado de manifestações como ansiedade, irritabilidade e impaciência. É para esse fenômeno que olham os pesquisadores do Núcleo de Pesquisa em Vulnerabilidade de Drogas e Exposição de Fatores de Risco da Saúde, da UFMG, coordenado por Frederico Garcia.

A psiquiatra Júlia Couri, em seu projeto de mestrado, está trabalhando na adaptação cultural e validação de uma versão brasileira do questionário “Smartphone Addiction Inventory” (SPAI), teste muito usado em países asiáticos para o rastreamento de dependência de internet e suas respostas fisiológicas aos estímulos sonoros provenientes de smartphones em indivíduos dependentes. “A dependência de smartphone é um fenômeno emergente em nossa sociedade e que afeta principalmente a população adolescente e adulta jovem. O conhecimento acerca da prevalência de um padrão de uso patológico do smartphone é relevante para que possamos dimensionar o problema, podermos orientar medidas preventivas e curativas e planejar políticas públicas para o problema no Brasil”, propõe. Também participa da investigação Maila de Castro.

Mas engana-se quem pensa que apenas os jovens são afetados pela dependência à internet de forma geral. A dona de casa N.S, de 62 anos, conheceu o Candy Crush no Facebook e depois de receber o convite de amigos resolveu jogar. Gostou tanto que incluiu outros na rotina: Pet Rescue e Farm Heroes. “Jogo praticamente todos os dias, exceto quando o jogo não está disponível. Esses joguinhos me relaxam”, conta. N.S. Joga toda noite antes de dormir e também enquanto assiste à televisão. Em uma autoavaliação, ela não se sente dependente. “Esses jogos são um desafio. Como os do dia a dia. Quando avanço uma fase comemoro, penso que consegui. Me dá prazer vencer o desafio. Ganhar é diferente, dá a impressão de que se está sempre em busca de sucesso”, conta.

NÚMEROS

Usuários de internet


  • 40% da população mundial

  • 54 milhões de brasileiros

  • 3 horas/dia é a média de conexão entre os 18 e 34 anos


Usuários de smartphone

  • 43 milhões de brasileiros

  • 63% usam o aparelho no primeiro minuto após acordar


Fonte: Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação


DETOX DIGITAL

– Bom senso para que o uso das tecnologias não se torne abuso no cotidiano.

– Fique atento às consequências físicas (privação de sono, dores na coluna, problemas de visão) e psicológicas (depressão, angústia, ansiedade) devido ao uso abusivo das tecnologias.

– Dose o uso de tecnologias no cotidiano. Verifique se seu desempenho acadêmico, no trabalho, na família ou pessoal está sendo prejudicado pelo uso abusivo das tecnologias.

– Não troque atividades, compromissos ou encontros ao ar livre para ficar conectado às tecnologias.

– Reflita sobre seus hábitos cotidianos e faça diferente.

– Prefira uma vida social real à virtual. Escolha relacionamentos e amizades reais em vez de virtuais.

– Pratique exercícios físicos regularmente. Crie intervalos regulares durante o uso das tecnologias fazendo alongamentos.

– Não abale o seu humor com publicações virtuais. Não acredite em tudo o que é postado e cuidado com o que você publica na internet.

– Valorize suas relações pessoais, sociais e familiares. Não troque essas relações no dia a dia para ficar utilizando as tecnologias.

– Jogue o lixo eletrônico no local correto. Pense no meio ambiente, recicle os aparelhos fora de uso e evite a troca frequente sem necessidade.

USO CONSCIENTE


A dependência digital não está diretamente relacionada ao tempo de conexão aos dispositivos eletrônicos e sim ao nível de perda de controle na vida real, traduzida em cinco dimensões.

Excitação e segurança – Tentativa de esquecer problemas pessoais, buscando a tecnologia como um meio melhor ou mais seguro. Primeiro indício normalmente mascarado com a falsa sensação de satisfação experimentada ao utilizar a tecnologia.

Relevância – Importância que dá à necessidade de se conectar e usar dispositivos. Ocorre quando não consegue desligar o pensamento, de forma que a tecnologia começa a dominar lentamente o comando da sua vida.

Tolerância – Tempo dedicado e nível de controle que se tem dela. Gastam cada vez mais horas para buscar as mesmas sensações experimentadas antes. Perde o controle e substitui os programas reais do dia por maior tempo na tecnologia.

Abstinência e efeitos – Quando não estão conectados ou não conseguem usar certos dispositivos ou aplicativos, tornam-se irritados, ansiosos e com medo, podendo gerar alterações no padrão do sono ou alimentação e ainda sinais de depressão.

Evidências de conflitos – Quando o uso excessivo compromete as relações na vida real. Este é o momento em que percebem a evidência do problema, mas sentem-se incapazes de reduzir ou parar, podendo comprometer a educação, desempenho profissional e social.

Fonte: Instituto Delete



Recrutamento de voluntários
Usuários de smartphone com de 15 a 35 anos interessados em participar do estudo devem enviar e-mail para crrdrogas.ufmg@gmail.com. A tarefa é responder a um teste rápido pela própria internet.