Humanização do atendimento em saúde se mostra essencial ao bem estar emocional de pacientes

Susto, medo, ansiedade e choque são reações de pacientes e familiares quando da necessidade de internação para tratamento que podem ser amenizadas com a humanização dos serviços

por Carolina Cotta 27/04/2016 11:00
LELIS / EM / D.A Press
Hospital é visto como um ambiente hostil, impessoal, ameaçador e invasivo (foto: LELIS / EM / D.A Press)
Às vezes falta o básico: médicos, leitos e medicação... Diversos problemas na rotina das instituições de saúde dificultam a universalidade, integralidade e equidade que direcionam o Sistema Único de Saúde (SUS). Mesmo assim não se pode abandonar a dimensão emocional no contexto de um problema de saúde, por si só fator estressor tanto para o paciente quanto para seus familiares. Situações como essa, de dificuldade de acesso, inclusive, amplificam a importância da humanização dos serviços de saúde no Brasil, que, desde 2004, conta com uma Política Nacional de Humanização, elaborada pelo Ministério da Saúde, com o objetivo de qualificar práticas de gestão e de atenção em saúde.

A internação é um desses momentos mais críticos. Isso porque ela aciona um “sistema de alarme”, um sinal de que “algo não vai bem”. “Aciona a imprevisibilidade, uma situação inesperada. Consequentemente, as reações de susto, medo, ansiedade e choque são esperadas e naturais. Isso muda a rotina do sujeito e mobiliza uma adaptação a essa nova realidade”, explica Maria Emídia de Melo Coelho, especialista em Psicologia Hospitalar e Luto e coordenadora e professora no curso de Tanatologia e cuidados paliativos da Sociedade de Tanatologia e Cuidado Paliativo de Minas Gerais (Sotamig).

A princípio, hospitais deveriam ser ambiente de acolhimento e intervenções médicas, onde se recebe cuidado especial e, dependendo da situação, a pessoa é atendida por profissionais de diversas especialidades. No entanto, segundo Maria Emídia, o hospital é visto como um ambiente hostil, impessoal, ameaçador, muitas vezes, invasivo, onde o ritmo de vida é interrompido sob um clima de medos e expectativas. “A internação provoca um impacto na dinâmica individual e da família, acompanhado de grande vulnerabilidade. Há também uma despersonalização, onde a pessoa passa a ser tratada pelo número de seu prontuário e não pelo seu nome, ficando, assim, destituída de sua condição de sujeito, que carrega consigo uma história de vida”, explica Maria Emídia, também mestre em ciências da religião.

Cristina Horta/EM/D.A Press
Para a especialista em psicologia hospitalar e luto Maria Emídia Coelho, é preciso inserir conteúdos relacionados à temática nas grades curriculares dos cursos da área de saúde (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
Por isso, o momento da internação requer muita presença, proximidade e atenção do profissional de saúde. Eles precisam compreender os processos sociais e psicológicos, reconhecendo que os fatores psíquicos interferem nos quadros clínicos e na adesão ao tratamento. Estabelecer uma escuta atenta e boa comunicação é fundamental. “É importante explicar com calma o que está ocorrendo, o porquê da internação, como vai ocorrer, o que vai ser proposto e o que se espera com a internação. Trata-se de um momento fundamental para que a relação médico-paciente seja estabelecida na confiança, reafirmando a esperança e um bom cuidado”, defende.

Mas há casos e casos. Os motivos de uma internação são diversos e provocam reações diferentes. Aquelas que ocorrem para fazer um simples procedimento suscitam menos ansiedade, até mesmo pelo fato de, na maioria das vezes, serem breves. No caso de internação para a recuperação de cirurgias, a ansiedade será proporcional à sua complexidade. As que ocorrem numa emergência costumam gerar mais impacto, pela situação inesperada ou violenta. Os atendimentos são pontuais e, por isso mesmo, demandam mais atenção e quase sempre, no primeiro momento, são feitos nos corredores do hospital. Segundo Maria Emídia, é necessário acolhimento específico nessa situação.

UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA

Mas quando há o encaminhamento para UTI, as fantasias e superstições se intensificam. Trata-se de um ambiente estigmatizado e ligado à ideia de gravidade e morte. Apesar de nem sempre isso ser real, as pessoas demonstram verdadeiro pânico quando se fala de UTI. Associada à ansiedade há também a restrição do horário de visita e de contato com os familiares, aumentando a tensão emocional.

Alguns estudos já constataram que, para a humanização do cuidado em UTIs, é imprescindível que todos os profissionais de saúde do setor utilizem da tecnologia disponível, aliando a empatia, com a compreensão do cuidado fundamentado no relacionamento interpessoal terapêutico, visando à promoção do cuidado seguro, responsável e ético a indivíduos críticos.

Os pesquisadores defendem a importância do investimento nas práticas de humanização com inserção de conteúdos relacionados à temática nas grades curriculares dos cursos. Isso permitirá a formação de profissionais não apenas do ponto de vista técnico, mas com condutas e posturas diferenciadas, norteadas pela ética e pela humanização, independentemente do local onde o profissional esteja inserido

Um dos principais objetivos do cuidado humanizado em UTIs relaciona-se à necessidade de manutenção da dignidade do ser humano e o respeito por seus direitos em todas as fases da vida, já que se trata de uma situação muito particular, de total dependência a familiares e profissionais de saúde.

Mas são as internações advindas de doenças crônicas, graves ou incuráveis as mais difíceis e que demandam maior atenção. “É necessário cuidado integral, que atenda a pessoa na sua totalidade de maneira singular e respeitando as suas condições pessoais. Esse atendimento deve ser extensivo aos familiares. No caso de morte iminente deve ser feita a preparação para o óbito com rituais de despedida. Essa é a vivência que chamamos de luto antecipatório, que prepara o doente e seus familiares para o processo da morte, atendendo às necessidades e facilitando a aceitação e elaboração do luto. Nessa fase, o apoio psicológico é imprescindível. Ele fortalece as possibilidades de enfrentamento e adaptação do indivíduo”, explica a especialista.

As reações, claro, vão variar de acordo com a estrutura de cada personalidade e como o paciente se apropria ou não de sua doença. A capacidade de elaboração está ligada ao ajuste emocional, ao momento de vida, das vivências anteriores, da presença de uma rede de apoio (familiares e amigos), do motivo da internação, do tratamento proposto e do prognóstico. “A única forma de amenizar esses sentimentos é fazer um atendimento acolhedor, humanizado e integrado à pessoa e aos seus familiares. O modelo integrador é o que atende igualmente os aspectos físicos, psíquicos, sociais e espirituais. Enquanto esses aspectos ficarem à margem, continuaremos observando reações negativas dos pacientes e de seus familiares, com atendimentos desumanizados e os pacientes sem condições de enfrentamento num momento tão delicado e frágil”, afirma.