A estrutura foi projetada com o intuito de ser rígida o suficiente para resistir ao processo cirúrgico, e flexível o bastante para se adaptar ao organismo dos roedores. A matéria-prima escolhida para a construção do órgão artificial foi um material biológico derivado do colágeno, que serviu de “tinta” para a impressora tridimensional. Depositada camada por camada, a proteína formou uma espécie de trama delicada e com espaços milimetricamente calculados para abrigar o tecido que formaria o ovário.
Nessa estrutura, foram depositados os folículos ovarianos, agregações de células formadas pelos oócitos (tipo de célula que um dia se torna um óvulo) e estruturas que secretam os hormônios femininos. “É uma arquitetura de armação microporosa. Os folículos ovarianos são mecanicamente isolados dos ratos e aplicados nas camadas da armação”, descreve ao Correio Monica Laronda, principal autora do estudo e pesquisadora de pós-doutorado na Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos.
Depois que o tecido cultivado preencheu a estrutura gelatinosa e o órgão ficou completo, os pesquisadores implantaram as próteses em ratos que tiveram os ovários originais retirados e cujo sistema imune havia sido modificado para evitar qualquer rejeição ao transplante. A peça estabeleceu-se dentro do organismo dos animais receptores, permitiu que eles voltassem a ovular e até mesmo parir e amamentar as crias saudáveis.
Barriga de aluguel
Mas, como os oócitos usados para a construção do ovário artificial não eram dos animais que receberam o transplante, os filhotes que nasceram depois do procedimento não eram geneticamente ligados às mães que os pariram. Isso significa que os animais ovularam e engravidaram naturalmente, mas que, no fim das contas, serviram como um tipo de barriga de aluguel para o material genético de outros roedores.
A prova dessa condição veio de um segundo experimento que detectou um marcador genético presente nos filhotes por meio de uma proteína fluorescente. O mesmo gene estava presente nos ratos que doaram o material usado para a fabricação das próteses, mas não naqueles que receberam o ovário artificial. A contraprova mostrou que a cria era resultado do implante, não de algum tecido ovário original que pudesse ter restado no organismo do bicho submetido ao procedimento.
Teoricamente, seria possível fazer uma versão artificial do ovário de uma fêmea, permitindo que ela desse à luz filhos nascidos a partir dos próprios óvulos. Mas, para isso, seria necessário construir o ovário prostético a partir do material colhido da receptora do implante. No caso de uma mulher que pretendesse substituir seus ovários pela prótese, essa alternativa exige que a paciente tenha preservado ao menos parte do tecido saudável antes de remover o órgão original. Essa é uma das questões que devem ser abordadas no desenvolvimento da técnica experimental.
Cânceres
As maiores beneficiadas pela pesquisa serão as mulheres submetidas a tratamentos contra o câncer. Terapias com radiação e quimioterapia podem levar à infertilidade, o que obriga muitas pacientes a colherem óvulos ou até mesmo preservarem pedaços do ovário para realizar tratamentos de fertilização posteriormente. “Esse tecido é reimplantado na pessoa. A bioprótese seria um arcabouço em que você poderia implantar o tecido ovariano previamente retirado da mulher. Depois, a prótese seria implantada para que o ovário dela voltasse a funcionar”, ressalta Paulo Gallo, diretor do Vida Centro de Fertilidade. “É um grande avanço”, complementa Gallo.
Na infância, esse processo é mais complicado. Como as meninas que não chegaram à menarca ainda não ovularam, não se pode colher as células reprodutoras delas antes de um tratamento anticancerígeno.
Nesse caso, é necessário colher o tecido ovariano com os folículos ainda imaturos e, depois, estimular o amadurecimento das células em óvulos para a fertilização in vitro. Com a criação de uma prótese biológica, os cientistas poderiam aprimorar essa técnica e garantir que essas meninas ovulassem e tivessem filhos normalmente, além de manter níveis hormonais saudáveis durante a fase adulta.
Os pesquisadores trabalham com um hospital infantil em Chicago a fim de criar um programa que permita o uso dessa tecnologia e também desenvolvem o método para chegar a uma prótese ovariana com uso clínico. “Estamos desenvolvendo armações feitas em impressão 3D para serem usadas em tipos maiores de animais e, depois, levadas para a escala humana”, ressalta Laronda, que atualmente realiza a pesquisa em parceria com um consórcio para selecionar e preservar o tecido que será usado para a criação dos órgãos experimentais..