Cidade do Panamá (Panamá) – Líderes da Aliança Global pelo Acesso de Pacientes (Gafpa) apelaram a representantes das principais entidades de reumatologia da América Latina para que se unam a grupos de pacientes de todo o continente em apoio aos princípios de consenso em acesso seguro do paciente a biológicos e biossimilares, apresentados durante encontro anual da Liga Pan-americana das Associações para Reumatologia (Panlar), realizado esta semana, na Cidade do Panamá. A regulação ajudaria pacientes como Enma Pinzón, diagnosticada com artrite reumatoide há 35 anos, e há nove usuária de medicamentos biológicos. “Essa abordagem impediu que eu fosse incapacitada de trabalhar”, contou Enma, cuja mãe tem a mesma doença e por não ter tido a opção terapêutica hoje mexe apenas dois dedos da mão.
O advento e a maior disseminação das terapias biológicas e seus biossimilares ofereceram uma possibilidade de mudança de vida não só dos pacientes com doenças reumáticos, mas também nas áreas de oncologia, dermatologia, entre outros. Essas medicações mudaram a história natural do enfrentamento de doenças como a artrite reumatoide, o lúpus e as espondiloartrites, mas são opções extremamente caras, instaurando um desafio em relação à questão de acesso. Além disso, para garantir a segurança desses medicamentos avançados, as terapias devem ser controladas de forma diferente dos remédios convencionais.
É por isso que grupos de pacientes de toda a América Latina se uniram à Gafpa para endossar normas que aprimorem a farmacovigilância pelo estabelecimento de critérios para a aprovação de bioterápicos que sejam baseados em evidência médica. Para poderem confiar nos medicamentos biossimilares, médicos e pacientes querem garantir que essas terapias foram aprovadas por meio de um processo que atende a especificações dos mais altos padrões. A falta de confiança nas etapas de aprovação prejudicaria a meta de garantir acesso dos pacientes aos medicamentos biossimilares.
A grande questão é que os biossimilares não são medicamentos biológicos idênticos aos originais, ou de referência, simplesmente porque não é possível fazer uma cópia exata de um deles. Cada medicamento biológico é único, pelo seu desenvolvimento, pelo diferencial no processo de fabricação e pela linhagem de células hospedeiras – exclusivos e únicos de uma empresa em particular, que não podem ser duplicados por outra empresa. Em decorrência dos complexos processos de fabricação e das significativas exigências para aprovação, incluindo estudos clínicos, os custos do desenvolvimento de produtos biossimilares são significativamente maiores do que o custo de produção de um medicamento genérico sintetizado quimicamente.
Estudo americano revelou que os investimentos em instalações de fábricas adequadas para a produção de biossimilares consomem de US$ 250 milhões a US$ 450 milhões e os gastos em estudos clínicos custam entre US$ 10 milhões e US$ 40 milhões. O prazo de desenvolvimento do medicamento é, em média, de seis anos. Já os denominados genéricos (cópias dos medicamentos sintéticos tradicionais, que podem ser produzidos após a expiração da patente do remédio original, ou de referência) exigem investimento de aproximadamente US$ 1 milhão a US$ 2 milhões e dois anos de desenvolvimento para demonstrar a bioequivalência. Assim, embora um medicamento sintético convencional possa vir a ser até 80% mais barato depois do lançamento da versão genérica, os biossimilares provavelmente terão reduções menos significativas de preço em função dos altos investimentos que exigem para seu desenvolvimento.
DISPONIBILIDADE Nisso resulta uma pequena disponibilidade de biossimilares. Para se ter ideia, o Food and Drugs Administration (FDA), a agência de vigilância sanitária dos Estados Unidos, tem apenas dois biossimilares aprovados, sendo um deles em março. Já a nossa agência sanitária, a Anvisa, tem apenas um, o infliximabe, aprovado em 2015, mas ainda não disponível. Trata-se do primeiro medicamento biológico aprovado pela reguladora brasileira. Segundo o reumatologista Valderílio Feijó Azevedo, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), estudos de comparabilidade são necessárias porque, de acordo com as regras previstas na resolução normativa RDC 55/2010 da Anvisa, a biossimilaridade precisa ser comprovada por comparação direta com o produto biológico de referência.
Para que fosse liberado no Brasil, pesquisas demonstraram similaridade entre o biossimilar e o produto biológico referência. “Biossimilares que apresentam dados comparativos de eficácia e segurança são bem-vindos pelos profissionais de saúde e, em última análise, por quem os utiliza. A eficácia e a segurança de medicamentos, especialmente os biológicos, devem ser sempre a principal preocupação de quem os produz, de quem os compra e de quem os prescreve”, afirmou.
Preocupação com a segurança
Para David Charles, presidente da Gafpa e chefe clínico do Instituto de Neurociências da Universidade de Vanderbilt, em Nashville, Tennessee (EUA), o objetivo do consenso é orientar legisladores ao desenvolverem padrões para aprovação e dispensação de bioterápicos. Um dos principais pontos é a questão do nome diferente entre o produto de base e o seu biossimilar. “Os biossimilares devem ter um nome distinguível não patenteado que proteja a segurança do paciente, para garantir que esse, e autoridades de saúde, possam, de forma rápida e precisa, identificar qual medicamento está sendo usado”, afirmou Charles, que recorreu a uma analogia com automóveis para explicar a importância desse princípio. “Dois carros de mesmo padrão, que atendem seus proprietários da mesma forma, não poderiam ter nome igual. Como seria se fosse preciso fazer um recall? Como deixar claro qual dois carros está com problemas, se ambos têm o mesmo nome?”, provocou.
Segundo o especialista, deve-se considerar que medicamentos biológicos complexos podem, algumas vezes, causar eventos adversos e respostas imunogênicas não esperadas; e que a identificação precisa e rápida do medicamento que está causando uma resposta do paciente deve ser uma premissa para proteger sua segurança. Ao comunicar algum fato sobre medicamentos prescritos, portanto, médicos e autoridades de saúde deveriam usar nomes diferenciados e não patenteados. Outro princípio diz respeito à comunicação entre quem prescreve e o paciente. “É necessário determinar a intercambiabilidade entre biossimilares e seu produto de referência com base em dados científicos rigorosos”, defendeu Charles.
ESTUDOS COMPARATIVOS
Como ressaltou o reumatologista Valderílio Feijó, é impossível duplicar, de forma exata, um medicamento biológico. Além disso, nem todos os biossimilares serão intercambiáveis com seus produtos de referência, e podem gerar respostas diferentes nos pacientes em relação àquelas promovidas pelo medicamento de referência. O terceiro princípio defende que os prescritores sejam notificados, prontamente, quando um biológico indicado for substituído por outro, no momento da entrega dos medicamentos.
Tal cuidado está baseado no fato de que essas drogas sofisticadas geram respostas e eventos adversos diferentes nos pacientes; e também que estágios individuais específicos da doença reagem de forma diferente ao tratamento com os remédios biológicos. O quarto princípio defende que biossimilares sejam submetidos a estudos clínicos comparativos para avaliar seus efeitos adversos e sua eficácia em todos os estágios da doença e em todos grupos de pacientes para os quais são aprovados.
Um quinto princípio exige informação transparente sobre a prescrição, já que essas orientam os médicos sobre como prescrever tais medicamentos de forma eficaz e segura. “É preciso haver informação sobre a prescrição de um biossimilar que o identifique como tal, apresente dados de testes clínicos específicos para aquele biossimilar, deixe claro quais dados referem-se a teste específico com biossimilar e quais dados são derivados dos produtos biológicos de referência. Também devem ser especificados para quais estágios da doença e para quais grupos de pacientes o biológico foi testado”, sugeriu Charles.
BIOLÓGICOS X BIOSSIMILARES
Biológicos são medicamentos produzidos ou derivados a partir de organismos ou células vivas, que são modificados para tratar algumas doenças. Há mais de um século a ciência médica reconhece que as proteínas que o nosso organismo produz são vitais para nos manter saudáveis e o aprimoramento tecnológico permitiu a criação de medicamentos que usam o poder dessas proteínas para combater algumas doenças. Os medicamentos biológicos são constituídos por moléculas complexas e desenvolvidos em condições cuidadosamente controladas e monitoradas, exigindo muitas etapas para sua elaboração (e posterior produção), até a obtenção de um produto consistente. Células vivas de mamíferos, insetos e leveduras, por exemplo, são “programadas” por engenharia genética para isso. Quase sempre, os medicamentos biológicos são administrados por injeção ou infusão, para garantir sua integridade estrutural e funcional. Já os biossimilares, como denominados na maioria dos países (no Brasil, são chamados apenas como produtos biológicos), são aqueles produtos desenvolvidos para ser similares a um produto biológico original já aprovado. Esses são similares e não totalmente iguais ao original, já que são derivados de matrizes diferentes das do medicamento original. Frequentemente, o biossimilar é confundido como se fosse uma versão genérica do original, em analogia ao que ocorre com os medicamentos químicos, mas essa noção é equivocada.
* A jornalista viajou a convite da Abbvie
O advento e a maior disseminação das terapias biológicas e seus biossimilares ofereceram uma possibilidade de mudança de vida não só dos pacientes com doenças reumáticos, mas também nas áreas de oncologia, dermatologia, entre outros. Essas medicações mudaram a história natural do enfrentamento de doenças como a artrite reumatoide, o lúpus e as espondiloartrites, mas são opções extremamente caras, instaurando um desafio em relação à questão de acesso. Além disso, para garantir a segurança desses medicamentos avançados, as terapias devem ser controladas de forma diferente dos remédios convencionais.
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A grande questão é que os biossimilares não são medicamentos biológicos idênticos aos originais, ou de referência, simplesmente porque não é possível fazer uma cópia exata de um deles. Cada medicamento biológico é único, pelo seu desenvolvimento, pelo diferencial no processo de fabricação e pela linhagem de células hospedeiras – exclusivos e únicos de uma empresa em particular, que não podem ser duplicados por outra empresa. Em decorrência dos complexos processos de fabricação e das significativas exigências para aprovação, incluindo estudos clínicos, os custos do desenvolvimento de produtos biossimilares são significativamente maiores do que o custo de produção de um medicamento genérico sintetizado quimicamente.
Estudo americano revelou que os investimentos em instalações de fábricas adequadas para a produção de biossimilares consomem de US$ 250 milhões a US$ 450 milhões e os gastos em estudos clínicos custam entre US$ 10 milhões e US$ 40 milhões. O prazo de desenvolvimento do medicamento é, em média, de seis anos. Já os denominados genéricos (cópias dos medicamentos sintéticos tradicionais, que podem ser produzidos após a expiração da patente do remédio original, ou de referência) exigem investimento de aproximadamente US$ 1 milhão a US$ 2 milhões e dois anos de desenvolvimento para demonstrar a bioequivalência. Assim, embora um medicamento sintético convencional possa vir a ser até 80% mais barato depois do lançamento da versão genérica, os biossimilares provavelmente terão reduções menos significativas de preço em função dos altos investimentos que exigem para seu desenvolvimento.
DISPONIBILIDADE Nisso resulta uma pequena disponibilidade de biossimilares. Para se ter ideia, o Food and Drugs Administration (FDA), a agência de vigilância sanitária dos Estados Unidos, tem apenas dois biossimilares aprovados, sendo um deles em março. Já a nossa agência sanitária, a Anvisa, tem apenas um, o infliximabe, aprovado em 2015, mas ainda não disponível. Trata-se do primeiro medicamento biológico aprovado pela reguladora brasileira. Segundo o reumatologista Valderílio Feijó Azevedo, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), estudos de comparabilidade são necessárias porque, de acordo com as regras previstas na resolução normativa RDC 55/2010 da Anvisa, a biossimilaridade precisa ser comprovada por comparação direta com o produto biológico de referência.
Para que fosse liberado no Brasil, pesquisas demonstraram similaridade entre o biossimilar e o produto biológico referência. “Biossimilares que apresentam dados comparativos de eficácia e segurança são bem-vindos pelos profissionais de saúde e, em última análise, por quem os utiliza. A eficácia e a segurança de medicamentos, especialmente os biológicos, devem ser sempre a principal preocupação de quem os produz, de quem os compra e de quem os prescreve”, afirmou.
Preocupação com a segurança
Para David Charles, presidente da Gafpa e chefe clínico do Instituto de Neurociências da Universidade de Vanderbilt, em Nashville, Tennessee (EUA), o objetivo do consenso é orientar legisladores ao desenvolverem padrões para aprovação e dispensação de bioterápicos. Um dos principais pontos é a questão do nome diferente entre o produto de base e o seu biossimilar. “Os biossimilares devem ter um nome distinguível não patenteado que proteja a segurança do paciente, para garantir que esse, e autoridades de saúde, possam, de forma rápida e precisa, identificar qual medicamento está sendo usado”, afirmou Charles, que recorreu a uma analogia com automóveis para explicar a importância desse princípio. “Dois carros de mesmo padrão, que atendem seus proprietários da mesma forma, não poderiam ter nome igual. Como seria se fosse preciso fazer um recall? Como deixar claro qual dois carros está com problemas, se ambos têm o mesmo nome?”, provocou.
Segundo o especialista, deve-se considerar que medicamentos biológicos complexos podem, algumas vezes, causar eventos adversos e respostas imunogênicas não esperadas; e que a identificação precisa e rápida do medicamento que está causando uma resposta do paciente deve ser uma premissa para proteger sua segurança. Ao comunicar algum fato sobre medicamentos prescritos, portanto, médicos e autoridades de saúde deveriam usar nomes diferenciados e não patenteados. Outro princípio diz respeito à comunicação entre quem prescreve e o paciente. “É necessário determinar a intercambiabilidade entre biossimilares e seu produto de referência com base em dados científicos rigorosos”, defendeu Charles.
ESTUDOS COMPARATIVOS
Como ressaltou o reumatologista Valderílio Feijó, é impossível duplicar, de forma exata, um medicamento biológico. Além disso, nem todos os biossimilares serão intercambiáveis com seus produtos de referência, e podem gerar respostas diferentes nos pacientes em relação àquelas promovidas pelo medicamento de referência. O terceiro princípio defende que os prescritores sejam notificados, prontamente, quando um biológico indicado for substituído por outro, no momento da entrega dos medicamentos.
Tal cuidado está baseado no fato de que essas drogas sofisticadas geram respostas e eventos adversos diferentes nos pacientes; e também que estágios individuais específicos da doença reagem de forma diferente ao tratamento com os remédios biológicos. O quarto princípio defende que biossimilares sejam submetidos a estudos clínicos comparativos para avaliar seus efeitos adversos e sua eficácia em todos os estágios da doença e em todos grupos de pacientes para os quais são aprovados.
Um quinto princípio exige informação transparente sobre a prescrição, já que essas orientam os médicos sobre como prescrever tais medicamentos de forma eficaz e segura. “É preciso haver informação sobre a prescrição de um biossimilar que o identifique como tal, apresente dados de testes clínicos específicos para aquele biossimilar, deixe claro quais dados referem-se a teste específico com biossimilar e quais dados são derivados dos produtos biológicos de referência. Também devem ser especificados para quais estágios da doença e para quais grupos de pacientes o biológico foi testado”, sugeriu Charles.
BIOLÓGICOS X BIOSSIMILARES
Biológicos são medicamentos produzidos ou derivados a partir de organismos ou células vivas, que são modificados para tratar algumas doenças. Há mais de um século a ciência médica reconhece que as proteínas que o nosso organismo produz são vitais para nos manter saudáveis e o aprimoramento tecnológico permitiu a criação de medicamentos que usam o poder dessas proteínas para combater algumas doenças. Os medicamentos biológicos são constituídos por moléculas complexas e desenvolvidos em condições cuidadosamente controladas e monitoradas, exigindo muitas etapas para sua elaboração (e posterior produção), até a obtenção de um produto consistente. Células vivas de mamíferos, insetos e leveduras, por exemplo, são “programadas” por engenharia genética para isso. Quase sempre, os medicamentos biológicos são administrados por injeção ou infusão, para garantir sua integridade estrutural e funcional. Já os biossimilares, como denominados na maioria dos países (no Brasil, são chamados apenas como produtos biológicos), são aqueles produtos desenvolvidos para ser similares a um produto biológico original já aprovado. Esses são similares e não totalmente iguais ao original, já que são derivados de matrizes diferentes das do medicamento original. Frequentemente, o biossimilar é confundido como se fosse uma versão genérica do original, em analogia ao que ocorre com os medicamentos químicos, mas essa noção é equivocada.
* A jornalista viajou a convite da Abbvie