Chamada de biópsia líquida, a técnica foi tão bem-sucedida que o Instituto Dana-Barber/Brigham e o Centro de Câncer da Mulher, envolvidos na pesquisa, decidiram oferecê-la a todos os pacientes desse tumor, tanto para o diagnóstico inicial quanto para rastrear relapso de pacientes já tratados. Até agora, o método é utilizado apenas em testes, mas, cada vez mais, apresenta resultados promissores, com a vantagem de ser menos invasivo que a biópsia tradicional.
A genotipagem rápida de plasma — nome técnico da biópsia líquida — envolve a retirada de um tubo de sangue, que contém DNA circulante deslocado das células cancerígenas. A amostra passa por análise de DNA em busca de mutações ou de outras anomalias. De acordo com os pesquisadores que estudam o método, quando células tumorais morrem, o DNA delas se espalha pela corrente sanguínea. Em diversos estudos que vêm sendo realizados mundo afora, já foi possível identificar diversos tumores oncológicos, incluindo próstata e mama.
“Nós vemos a genotipagem do plasma como tendo um potencial enorme de teste clínico. É uma forma rápida e não invasiva de rastrear o câncer, evitando os desafios da biópsia invasiva tradicional”, diz Geoffrey Oxnard, oncologista torácico e pesquisador de câncer de pulmão do Instituto Dana-Faber e do Hospital da Mulher Brigham (DF/BWCC). Oxnard é o principal autor do estudo publicado na Jama Oncology. “Nosso trabalho foi o primeiro a demostrar prospectivamente que a técnica da biópsia líquida pode ser uma ferramenta prática para tomarmos decisões no tratamento dos pacientes oncológicos. O teste foi um sucesso tão grande que estamos transformando o ensaio em um teste clínico para os pacientes da DF/BWCC”, complementa.
Resultados comparados
O estudo envolveu 180 pessoas com câncer de pulmão de células não pequenas, sendo que 120 haviam acabado de receber o diagnóstico da doença e 60 se tornaram resistentes ao tratamento anterior, fazendo com que o tumor recorresse. Todos foram testados para mutações nos genes EGFR e KRAS e para uma mutação separada no EGFR que permite às células tumorais se tornarem resistentes às drogas de primeira linha. O teste foi realizado com uma técnica conhecida como reação digital de cadeia polimerase em quantidade ínfima (ddPCR, pela sigla em inglês), que conta as letras individuais do código genético do DNA da célula doente para determinar se mutações específicas estão presentes.
Cada participante também foi submetido à biópsia tradicional para testar as mesmas alterações. Os resultados foram, então, comparados. Os dados mostraram que o exame de sangue traz resultados muito mais rapidamente, algo essencial no tratamento de câncer. Em média, foram necessários três dias para as conclusões, sendo que, no caso da análise convencional, o tempo variou de 12 dias (caso dos pacientes que acabaram de ser diagnosticados) e 27 dias (naqueles com câncer recorrente).
Além disso, o novo método mostrou-se muito mais preciso. Nas pessoas que receberam o diagnóstico recentemente, o valor preditivo do plasma ddPCR foi de 100% para a mutação EGFR primária e a mutação KRAS — em outras palavras, pacientes que testaram positivo para uma ou outra mutação tiveram certeza total da presença dessas alterações no tumor. Para aqueles com variação no gene EGRF resistente, o valor preditivo foi de 79%, sugerindo que o teste de sangue conseguiu encontrar casos adicionais da mutação que não haviam sido identificados pela biópsia tradicional.
“Em alguns pacientes com a mutação de resistência EGFR, o ddPCR detectou mutações que passaram em branco pela biópsia comum”, observa Oxnard. “Um tumor resistente é inerentemente formado por múltiplos subconjuntos de células, algumas das quais carregam padrões diferentes de mutações genéticas. A biópsia tradicional analisa apenas uma parte simples do tumor e pode perder uma mutação presente em qualquer outra parte do corpo. A líquida, em contraste, pode refletir melhor a distribuição das mutações no tumor como um todo”, esclarece.
Quando a ddPCR falhou na detecção das mutações, isso indicou que as células do tumor não carregavam essa mutação ou que o câncer não estava liberando DNA na corrente sanguínea. Essa discrepância entre o resultado dos testes e a presença de mutações foi menos comuns em pacientes cujo tumor causou metástases em diversas partes do corpo, disseram os pesquisadores. De acordo com eles, uma das vantagens da biópsia líquida é que ela ajudará os médicos a determinar rapidamente se o paciente está respondendo à terapia.
Novas mutações
Cinquenta participantes do estudo fizeram testagens repetidas depois do início do tratamento. “Aqueles cujos testes de sangue mostraram o desaparecimento das mutações dentro de duas semanas eram mais propensos a continuar o tratamento, comparado aos que não tiveram redução”, explicou Adrian Sacher, que liderou os estudos. E, como os tumores evoluem constantemente e adquirem mutações adicionais, repetir o teste pode ajudar a detectar precocemente novas mutações (como a EGFR, que confere resistência às drogas de primeira linha), que podem ser tratadas com outros agentes.
“Os dados do estudo são muito atraentes”, avalia a patologista do DF/BWCC Lynette Sholl, explicando a decisão do centro de começar a oferecer a biópsia líquida para todos os pacientes de câncer de pulmão de células não pequenas. “Nós validamos as descobertas dos autores comparando os resultados da biópsia líquida com amostras do tecido do pulmão de 34 pacientes. Para trabalhar como um teste clínico no mundo real, a biópsia líquida precisa fornecer dados confiáveis e acurados, além de ser prática do ponto de vista logístico. Foi o que vimos com o teste ddPCR”, garante. “A biópsia líquida tem grande utilidade tanto para pacientes recém-diagnosticados quanto para aqueles com doença recorrente. É rápida, quantitativa (indica a quantidade de DNA mutante na amostra) e pode ser empregada rapidamente em um centro de tratamento de câncer”, detalha.
A origem da resistência
A resistência que os cânceres adquirem aos tratamentos pode ocorrer porque eles “roubam” vasos sanguíneos de tecidos não doentes próximos, o que impulsiona o seu crescimento. O mecanismo foi identificado por pesquisadores do Instituto de Pesquisa do Câncer em Londres e do Instituto de Pesquisa Sunnybrook, da Universidade de Toronto, no Canadá, e detalhado, ontem, no Journal of the National Cancer Institute. Para a equipe, bloquear esse processo pode ser mais eficaz do que os tratamentos para conter a angiogênese — o crescimento de novos vasos sanguíneos.
No estudo, os cientistas usaram ratos que tinham carcinoma hepatocelular, um tipo de câncer de fígado. Descobriram que os tumores que responderam ao tratamento inicial com a droga sorafenib basearam-se principalmente no crescimento dos próprios vasos sanguíneos, mas acabaram ficando resistentes à substância depois que se apropriaram dos vasos normais existentes no órgão. “Também estamos investigando se os nossos resultados são relevantes para os pacientes afetados pelo câncer de mama e do intestino. Nossa pesquisa enfatiza, ainda, a importância de mais estudos para compreender melhor esse processo”, ressaltou Andrew Reynolds, colíder da pesquisa.