A violência não afeta apenas as pessoas diretamente expostas a ela. Atinge também as futuras gerações. Estudos recentes mostraram, por exemplo, que regiões sujeitas a ataques terroristas apresentam maiores índices de bebês nascidos prematuramente e abaixo do peso. Agora, um estudo feito por especialistas das Universidades de Leicester e de Queen Mary, ambas no Reino Unido, mostram um efeito semelhante em regiões menos seguras do Brasil.
Publicado recentemente na revista especializada Journal of Development Economics, o estudo investiga se a violência urbana do país, medida pela taxa de homicídios, prejudica a saúde dos fetos. “Nós encontramos um efeito negativo significativo da exposição à violência durante o primeiro trimestre de gravidez no peso ao nascer e duração da gestação. Especulativamente, atribuímos esse efeito ao aumento do estresse materno, que é conhecido por ter efeitos diretos sobre o desenvolvimento do feto e levar ao aumento da prematuridade, diminuindo, assim, o peso ao nascer”, explica o autor sênior do artigo, Marco Manacorda, ressalvando que os dados não permitem descartar a influência de comportamentos das mães relacionados a estresse, como tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas.
Para fazer a análise, os cientistas coletaram dados sobre as condições das crianças no nascimento, o local de residência da mãe e a taxa de homicídios por região. Cruzando as estatísticas, foi possível relacionar o grau de violência do lugar em que a mãe vive com efeitos sobre a saúde dos bebês.
Dados
Entre 2000 e 2010, cerca de 500 mil homicídios foram registrados no Brasil, uma taxa anual de 26 assassinatos a cada 100 mil habitantes. Os índices são maiores nos grandes centros. Enquanto há cerca de sete mortes desse tipo por ano a cada 100 mil pessoas em pequenos municípios, em uma capital como Fortaleza, proporcionalmente a mais violenta do país, esse número chega a 32 homicídios.
Nessa mesma década observada na pesquisa, o Brasil registrou mais de 500 mil nascimentos, sendo que municípios pequenos abrigaram 2% deles. Nessas localidades, foi constatada menor incidência de prematuridade e de baixo peso ao nascer. A cada mil recém-nascidos nesses lugares, em torno de 93 apresentam problema de peso e 72 nasceram antes da hora prevista. Nos grandes municípios, esses índices são, respectivamente, de 115 e 98.
Usando modelos estatísticos desenvolvidos especificamente para a análise, Manacorda e equipe conseguiram mostrar que, em cidades mais pacatas, um aumento momentâneo de violência é acompanhado por um crescimento também nos problemas de gestação. “Consideramos esse achado consistente com a nossa interpretação de que a violência afeta os resultados do parto por meio de estresse materno e que, em regiões onde são raros, os assassinatos induzem mais estresse ainda”, afirma o autor. “Uma interpretação alternativa, contudo, é que os efeitos do homicídio ficam mais facilmente diluídos em regiões com densidades populacionais muito maiores”, especula.
Além de encontrar essa correlação positiva, a fórmula apontou que a violência tem maior impacto no feto durante os primeiros três meses de gravidez. Para Jurandir Passos, ginecologista e obstetra do Laboratório Exame, o dado faz sentido. “É a época em que a placenta se forma. Os hormônios de estresse podem promover uma vasoconstrição que dificulta o desenvolvimento placentário adequado”, analisa o médico, que não participou do estudo. “A exposição crônica ao medo pode fazer com que os bebês nasçam prematuros e abaixo do peso. Isso tudo aumenta o risco, na idade adulta, de doenças metabólicas e condições cardiovasculares”, acrescenta.
Saúde mental
Estudos anteriores apontaram que eventos mais raros e extremos, como ataques terroristas, geram os mesmos prejuízos observados nos municípios brasileiros. “Dada a sua natureza rara, esses eventos extremos não são possíveis contribuintes para a incidência de baixo peso ao nascer em todo o mundo. Agora, descobrimos que a violência do dia a dia, possivelmente é”, cogita Manacorda.
Ele completa que, apesar de as estimativas se referirem ao Brasil, os resultados podem ser estendidos a outros locais onde a violência é endêmica. “Em particular, países de média e baixa renda na América Latina e na África, que têm as mais altas taxas de homicídio do mundo. Nosso estudo lança luz sobre um ponto claramente ignorado: o custo adicional da violência”.
Para Jurandir Passos, os dados mostram que o atendimento à gestante não deve se voltar apenas à saúde física, mas também à mental. “Em alguns lugares, há atendimento multidisciplinar, com médicos, enfermeiros, nutricionistas e psicólogos. Mas, dificilmente, ele é oferecido nos pequenos municípios. O ideal seria que essa atenção fosse universal. O que esse trabalho nos traz é que, além de a violência ser muito mais danosa do que imaginávamos, a saúde emocional da mãe é negligenciada. O estudo aborda apenas a violência na rua, mas há, ainda, a domiciliar, que já foi apontada por vários estudos como prejudicial para a gestação. Os efeitos no bebê podem durar a vida toda.”
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Dados
Entre 2000 e 2010, cerca de 500 mil homicídios foram registrados no Brasil, uma taxa anual de 26 assassinatos a cada 100 mil habitantes. Os índices são maiores nos grandes centros. Enquanto há cerca de sete mortes desse tipo por ano a cada 100 mil pessoas em pequenos municípios, em uma capital como Fortaleza, proporcionalmente a mais violenta do país, esse número chega a 32 homicídios.
Nessa mesma década observada na pesquisa, o Brasil registrou mais de 500 mil nascimentos, sendo que municípios pequenos abrigaram 2% deles. Nessas localidades, foi constatada menor incidência de prematuridade e de baixo peso ao nascer. A cada mil recém-nascidos nesses lugares, em torno de 93 apresentam problema de peso e 72 nasceram antes da hora prevista. Nos grandes municípios, esses índices são, respectivamente, de 115 e 98.
Usando modelos estatísticos desenvolvidos especificamente para a análise, Manacorda e equipe conseguiram mostrar que, em cidades mais pacatas, um aumento momentâneo de violência é acompanhado por um crescimento também nos problemas de gestação. “Consideramos esse achado consistente com a nossa interpretação de que a violência afeta os resultados do parto por meio de estresse materno e que, em regiões onde são raros, os assassinatos induzem mais estresse ainda”, afirma o autor. “Uma interpretação alternativa, contudo, é que os efeitos do homicídio ficam mais facilmente diluídos em regiões com densidades populacionais muito maiores”, especula.
Além de encontrar essa correlação positiva, a fórmula apontou que a violência tem maior impacto no feto durante os primeiros três meses de gravidez. Para Jurandir Passos, ginecologista e obstetra do Laboratório Exame, o dado faz sentido. “É a época em que a placenta se forma. Os hormônios de estresse podem promover uma vasoconstrição que dificulta o desenvolvimento placentário adequado”, analisa o médico, que não participou do estudo. “A exposição crônica ao medo pode fazer com que os bebês nasçam prematuros e abaixo do peso. Isso tudo aumenta o risco, na idade adulta, de doenças metabólicas e condições cardiovasculares”, acrescenta.
Saúde mental
Estudos anteriores apontaram que eventos mais raros e extremos, como ataques terroristas, geram os mesmos prejuízos observados nos municípios brasileiros. “Dada a sua natureza rara, esses eventos extremos não são possíveis contribuintes para a incidência de baixo peso ao nascer em todo o mundo. Agora, descobrimos que a violência do dia a dia, possivelmente é”, cogita Manacorda.
Ele completa que, apesar de as estimativas se referirem ao Brasil, os resultados podem ser estendidos a outros locais onde a violência é endêmica. “Em particular, países de média e baixa renda na América Latina e na África, que têm as mais altas taxas de homicídio do mundo. Nosso estudo lança luz sobre um ponto claramente ignorado: o custo adicional da violência”.
Para Jurandir Passos, os dados mostram que o atendimento à gestante não deve se voltar apenas à saúde física, mas também à mental. “Em alguns lugares, há atendimento multidisciplinar, com médicos, enfermeiros, nutricionistas e psicólogos. Mas, dificilmente, ele é oferecido nos pequenos municípios. O ideal seria que essa atenção fosse universal. O que esse trabalho nos traz é que, além de a violência ser muito mais danosa do que imaginávamos, a saúde emocional da mãe é negligenciada. O estudo aborda apenas a violência na rua, mas há, ainda, a domiciliar, que já foi apontada por vários estudos como prejudicial para a gestação. Os efeitos no bebê podem durar a vida toda.”